É conhecido como “Zé Livreiro” (nome dado por uma seguidora) e pretende manter o anonimato. Não revela o nome, idade nem a região do país onde trabalha, mas nesta conversa com a MAGG ficámos a saber mais sobre a criação da página, relatos de momentos caricatos e faz ainda algumas recomendações de livros.

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Define a sua página “Confissões de um Livreiro” como sendo “quase uma espécie de diário, e não um bookstagram”, porque na verdade é mais um contador de histórias do que uma montra de novidades literárias. Retratos de situações ocorridas com clientes, histórias engraçadas e por vezes algumas mais dramáticas, são alguns dos tipos de publicações que pode encontrar na página do Instagram.

Leia a entrevista.

Como é que decidiu criar a conta?
Comecei a página em setembro do ano passado, acho que foi dia 7. Cheguei a casa e estava um bocadinho mal porque passava uma fase menos boa, e como a minha mulher estava farta de ouvir sempre os mesmos lamentos, decidi desabafar assim. Sempre tive uma espécie de diário onde escrevia e era assim que canalizava as coisas que me aconteciam ao longo do dia. Há uns anos tive um blogue, que era o que estava mais na moda. Depois decidi “vou mostrar isto às pessoas” porque é uma coisa que não há muito. Ainda nem conhecia muito bem este meio do Instagram nem do bookstagram. Aliás, isto até é mais uma espécie de diário porque eu nem falo muito sobre novidades de livros.

De onde surgiu a ideia de relatar o que acontece na livraria onde trabalha?
Quando comecei a trabalhar, comecei a fazer isso porque uma colega me disse para ir apontando o que os clientes diziam, pois havia muitas “pérolas” no atendimento. Ando sempre com um bloco para apontar alguma história bonita ou alguma coisa que me perguntam.

Diz que é um representante dos outros livreiros. É costume ter reações e interações por parte de outras pessoas que trabalham na mesma área?
Acho que no primeiro mês da página o que aconteceu até foi mais os livreiros a partilharem coisas que aconteciam entre eles. Depois é que comecei a ter outro público. Às vezes até conto histórias que acabam por ser validadas pelos meus colegas, porque são tão estranhas que as pessoas pensam que são inventadas. Volta e meia aparece um colega, que trabalha numa livraria, a dizer que também já lhe aconteceu determinada coisa, coisas que nem lembram ao diabo.

Relativamente às histórias e relatos que conta na página, são todos verdadeiros ou exagera certos aspetos para “vender o peixe”?
A história é sempre o que aconteceu. Às vezes escrevo um post de coisas que já se passaram há algum tempo. Ainda ontem partilhei uma coisa que já se passou se calhar há três ou quatro anos. O ângulo da história está sempre certo, foi aquilo mesmo que aconteceu, mas é óbvio que há coisas que eu empolo mais do que outras. Quando acabo o post com um meme, aí é que dou um bocadinho mais asas à imaginação. O meme é inventado, mas o relato é sempre verdadeiro. Mas nunca é “ipsis verbis” o que aconteceu porque não posso andar com um gravador atrás.

Apesar de relatar histórias caricatas, tem alguma que nunca partilhou no Instagram?
Já me aconteceu uma coisa muito estranha. Foi um senhor que disse que tinha uma arma no bolso. O pedido dele era para ter chegado uns dias antes, mas houve um atraso e ainda não tinha chegado, e ele disse que tinha uma arma no bolso. Agora acho uma história caricata, mas na altura fez-me temer um bocado. Gosto de trabalhar com o público, mas não gostava de morrer ao balcão.

Já recebeu mensagens de clientes depois de terem sido retratados na página?
Já houve colegas que me perguntaram se eu era o “Zé Livreiro”, mas eu não digo a ninguém. Tenho clientes que já vieram com prints da minha página e de stories minhas a pedir-me livros de que eu falo na página, e às vezes dá-me vontade de rir, mas também já consigo disfarçar. Mas até agora tem sido tranquilo. Acontece-me muitas vezes atender clientes que eu sei que seguem a página, mas eles nunca sabem que sou eu. Acho que ainda estou anónimo.

Como é, em geral, ser livreiro?
Comecei a ser por necessidade. Estava sem trabalho, houve uma vaga e eu entrei. Sempre gostei de livros e era o mal menor trabalhar com uma coisa que sempre gostei. Como quase todas as profissões em Portugal de atendimento ao público, é muito precária, mas tenho uma ideia um bocadinho romântica do livreiro. Considero um livreiro uma espécie de farmacêutico. É uma pessoa que quando alguém precisa de ajuda, que não seja um químico, consegue ajudar. Por exemplo, tenho muita gente que segue a página e não lê livros, gosta só de ouvir as histórias e de me ouvir a falar de livros.

O livreiro é, cada vez mais, visto como uma pessoa que faz uma conta no balcão e isto é uma coisa que me entristece, esta mecanização do livreiro. Acho que devia ser um bocadinho mais tida em conta, espero que a página sirva também para consciencialização disso.

O que mais gosta e menos gosta na profissão?
O que mais gosto é de chegar de manhã e saber que vão estar lá caixas com livros que ainda mais ninguém viu. Então quando são livros que eu gosto, para mim é uma coisa quase mística. Saber que vou trabalhar e que vou mexer em coisas que gosto e que sempre fizeram parte da minha vida.

Claro que o atendimento também faz parte da profissão e tentamos fazer com que seja uma coisa boa, se bem que estas histórias que eu conto são fruto de muitos anos de atendimentos muito maus, de pessoas que gritam e que tratam os outros abaixo de cão. Mas já conheci muitos e bons amigos por estar atrás de um balcão.

No mercado dos livros, tem sentido alguma mudança no público que mais lê?
Quando comecei, o público que mais visitava as livrarias era um público mais adulto. Neste momento, temos uma vitória dos jovens, do young adult, do TikTok e do Instagram. O que é muito bom. A literatura era muito vista como uma coisa de “doutores”; só lia quem tinha um curso. Mas há cada vez menos essa propensão das pessoas pensarem que ler é uma coisa que foge ao que é normal uma pessoa fazer. E as redes sociais têm ajudado nisso.

Em Portugal, ainda há uma grande percentagem da população que não tem hábitos de leitura. Que fatores considera determinantes para as pessoas não lerem?
Vou falar como leitor e comprador de livros, e acho que há uma diferença muito grande entre essas duas coisas. Em relação aos hábitos, acho que cada vez mais  as pessoas têm necessidade de consumir o livro em conjunto com o telemóvel, o TikTok, o Instagram, em conjunto com muita coisa. E torna-se difícil a pessoa pegar num pedaço de papel durante 30 minutos. É muito difícil educar as pessoas para isso nos dias que correm. Acho que o Kobo ajuda a isso porque até se pode ler no telemóvel, mas a sociedade como está atualmente, é uma sociedade que procura o imediato. Por exemplo, nós, em 30 segundos, num vídeo do Instagram, sabemos a história toda de um livro; termos de esperar se calhar uma semana até lermos o livro todo é quase inconcebível.

Algumas recomendações feitas pelo autor da página “Confissões de um livreiro”

  • “A Criada”, de Freida McFadden, Alma dos Livros (preço Wook 19,45€)
  • “Solaris”, de Stanislaw Lem, Antígona (preço Wook 16€)
  • “A paixão segundo G.H.”, de Clarice Lispector, Relógio D’Água (preço Wook 18€)
  • À espera no centeio”, de J.D. Salinger, Relógio D’Água (preço Wook 17,50€)