Este artigo contém spoilers sobre o filme "Red, White & Royal Blue". Se não quer saber detalhes, por favor não continue a ler. 

O que é que o filho da presidente dos Estados Unidos e o irmão do príncipe herdeiro da coroa britânica têm em comum? À primeira vista, nada. Em "Red, White & Royal Blue", muito mais do que ambos conseguem ver a olho nu – não, começar esta apreciação com trocadilhos marotos não foi propositado, porque não é a isso que este filme se reduz. Já lá vamos.

"Red, White & Royal Blue" é baseado no bestseller homónimo de Casey McQuiston, originalmente publicado em 2019 e que tem feito furor no BookTok (a comunidade de leitores do Tiktok, que se tem mostrado entusiasmada com a adaptação). Quatro anos depois, o projeto voou das prateleiras para o catálogo cinematográfico da Prime Video, com data de estreia marcada para esta sexta-feira, 11 de agosto. Mas, afinal, de que é que este filme se trata?

Bem, se a pergunta que serviu de pontapé de saída não foi suficiente, os protagonistas são Alex Claremont-Díaz, o filho da presidente dos Estados Unidos (Uma Thurman), interpretado por Taylor Zakhar Perez, e o príncipe britânico Henry, a quem Nicholas Galitzine dá vida. Ambos têm muita coisa em comum: carisma, beleza (que não é pouca) e, sobretudo, o desdém visceral que sentem um pelo outro.

Vem aí um filme muito fofinho sobre o romance entre um príncipe britânico e o filho da presidente dos EUA. Veja o trailer
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Os protagonistas são obrigados a forjar uma amizade, uma vez que aquilo que está em jogo são as relações entre ambos os países (e respetivos regimes) que representam. E, por esta altura, já deve ter percebido onde é que isto vai parar. Sim, aquela que começa por ser uma relação caracterizada por desinteresse e desdém acaba por culminar num amor arrebatador e que, sem dúvida, estava destinado a quebrar barreiras.

Se a adaptação para o pequeno ecrã conta com todos os pormenores que constam no livro? Não – ainda está para nascer a produção que consegue concretizar essa proeza na perfeição. Mas temos a certeza de que, ainda assim, "Red, White & Royal Blue" não vai desiludir os fãs mais entusiastas do universo literário criado por Casey McQuiston. Algumas arestas foram parcialmente limadas, mas estão lá os momentos icónicos e, sobretudo, o amor que une ambas as personagens continua a ser palpável.

Da química dos atores às mensagens que o projeto quer transmitir, que casam na perfeição com alguns momentos de comédia, com o objetivo de ajudar a tornar o filme mais leve, eis o que mais se destacou nesta aposta da Prime Video – e eis aquilo que podia ter corrido melhor.

O que adorámos

1. A prestação da dupla (e a química entre ambos)

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RW&RB créditos: Jonathan Prime

Henry é o príncipe perfeito: é loiro, tem olhos azuis e, na perspetiva da família real, é obediente, pelo que anular-se enquanto ser humano em detrimento dos interesses da coroa seria mais do que expectável. Isto significa que, pelo menos publicamente, nunca poderia assumir-se como homossexual. Já Alex, por outro lado, cresceu no seio de uma família amorosa e acolhedora, que nunca lhe cortou as asas e que vai ajudá-lo, aquando da saída do armário, a lidar com a sua bissexualidade.

É nesta jornada de autoconhecimento que lidamos com as personagens, brilhantemente interpretadas por estes jovens atores. Nicholas Galitzine incorporou o altruísmo que pertencer à família real pressupõe de forma crua (e os discursos em que levantava a voz, defendendo os interesses da coroa, quase que nos transportaram para o universo de "The Crown"), e Taylor Zakhar Perez deixou-nos de cabelos em pé ao ter personificado um norte-americano que, cego pelo amor, não pesca nada do que é pertencer a uma instituição milenar.

Mas é quando se unem que tudo se torna melhor, graças à química inexplicável com que contracenam – não utilizamos este adjetivo de ânimo leve, tendo em conta que foi o primeiro romance queer protagonizado pelos atores. Por isso, o facto de retratarem de forma tão emocionante esta relação proibida, levada a cabo na sombra das luzes da ribalta e construída com base em cedências das duas partes, é que nos derrete o coração e nos faz sentir simpatia por eles.

2. O braço direito da presidente dos Estados Unidos, que levou a comédia às costas

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créditos: Divulgação

Temos de ser honestos: já lá vai o tempo em que gostávamos daqueles filmes melosos em que o amor (e a tragédia que lhe é inerente) era suficiente para que concedêssemos o nosso selo de aprovação. Apesar de, obviamente, este ser um projeto em que o romance tem uma preponderância evidente, há outras personagens que nos fazem esquecer momentaneamente disso – e ainda bem.

Estamos a falar de Zahara Bankston, interpretada por Sarah Shahi, que se constitui como o braço direito da presidente dos Estados Unidos (e, acredite ou não, essa não é a missão mais difícil). Isto porque, simultaneamente, é esta personagem que fica responsável por resolver as confusões em que Alex se envolve – isso é que já não é assim tão fácil.

É Zahara que engendra uma estratégia para resolver as relações conturbadas entre os Estados Unidos e o Reino Unido, depois de Henry e Alex pintarem o chão e as paredes do Palácio de Buckingham com bolo de casamento. Esta passava por mandar o filho da chefe de Estado a Londres, onde faria uma declaração conjunta com o príncipe – e, caso Alex não cedesse, estaria disposta a mandar as suas cinzas para o aeroporto de Heathrow (é a isto que chamamos dedicação, não é?).

É Zahara que encontra o príncipe escondido no armário de Alex, depois de ambos se terem envolvido na noite anterior. Claro que fica fula, porque o hotel onde estavam hospedados estava apetrechado de jornalistas, dá uma descasca monumental a Henry (e a piada que faz pisca o olho ao Brexit), à qual se segue uma vénia, como se nada fosse. Bendita sejas, Zahara.

3. Não há cenas eróticas gratuitas

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RW&RB créditos: Jonathan Prime

Depois de "The Idol" nos presentear com as piores cenas de sexo da história, a nossa relação com os momentos escaldantes do mundo cinematográfico mudou um pouco. Trocado por miúdos, percebemos que "menos é mais" é o melhor princípio a seguir no que toca a protagonizar momentos de intimidade.

Quando nos apercebemos de que "Red, White & Royal Blue" estava classificado como "R rated" (um filme para maiores de 16 anos, diga-se), fomos assolados por um pensamento apenas: "lá vem mais um filme em que há cenas eróticas gratuitas, a puxar para o gráfico e que nada acrescentam à história". Enganámo-nos – e foi uma surpresa agradável.

Henry e Alex têm relações sexuais várias vezes durante o filme, sim, mas este género de cenas resume-se apenas ao essencial – uns beijos aqui e acolá, as expressões de prazer e, muito ocasionalmente, movimentos que nos remetem para o ato sexual.

Há algumas partes em que nem sequer vemos mais do que o início da festa, como se costuma dizer, seguindo-se um salto temporal, que é colmatado ou com piadas atrevidas ou com momentos de intimidade, responsáveis por fazer com que a relação da dupla não se cinja apenas ao que fazem entre quatro paredes.

4. "O B em LGBTQ não é uma letra muda"

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Taylor Zakhar Perez as Alex Claremont-Diaz and Uma Thurman as President Ellen Claremont in in Prime Video’s Red, White & Royal Blue. créditos: ©Amazon Content Services LLC

Quando chega a altura de assumir quem é, depois de muito batalhar em relação à sua atração por rapazes, Alex decide ter uma conversa com a mãe. Ellen, que é a presidente dos Estados Unidos e dá a cara pelos democratas, só tem uma preocupação: "Ela não é republicana, pois não?". É aqui que o jovem, nervoso, responde: "Não. Ela é um ele. E acontece que é o Henry".

Sem mais nem menos, a chefe de Estado pega no telefone fixo do Salão Oval, o tão conhecido gabinete dos presidentes dos Estados Unidos, e apenas pede uma pizza, sabendo que tem ali um serão pela frente com o filho. "És gay? Bi? Fluído? Pan? Queer?", pergunta, enquanto tem o primogénito entrelaçado carinhosamente nos seus braços, assumindo a bissexualidade.

"Sabes que o B em LGBTQ não é uma letra muda", frisa, apoiando o filho. Esta cena é, na nossa opinião, uma das melhores e mais ternurentas do filme. Além de servir para quebrar o estigma de que os pais têm sempre reações adversas a este género de revelações, cumpre exatamente o propósito do realizador, Matthew López: não esquecer que Alex não é gay, mas bissexual, tratando-se de uma sexualidade igualmente válida em relação às restantes.

O que podia ter corrido melhor

1. A família real não tem de ser homofóbica

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RW&RB créditos: Jonathan Prime

Sabemos que é difícil de imaginar algum membro da família real a assumir-se como homossexual ou a admitir publicamente que não se encaixa nos padrões heteronormativos. Estamos habituados a encarar a monarquia como uma instituição obsoleta, assente em princípios que, à luz dos dias de hoje, não fazem assim tanto sentido. Por isso, é normal que, tanto no filme como no livro, haja uma reação adversa, por parte da realeza, a um acontecimento deste género.

Philip, que ascenderá eventualmente ao trono, é o que mais se opõe ao estilo de vida que o irmão quer normalizar, a par do avó, o monarca reinante. Claro que estamos a falar de um universo fictício e que em nada tem que ver com a realidade, mas o que é facto é que, se olharmos para a verdadeira monarquia britânica, já tivemos vários exemplos que contrariam a ideia de que esta instituição, ainda que seja conservadora, está fadada ao preconceito.

Em 2016, o príncipe William foi capa de uma revista gay, a "Attitude Magazine", onde deu uma entrevista em que alertava para os ataques dirigidos à comunidade LGBTQIA+. Em 2019, afirmou que, apesar de ficar preocupado com a eventual pressão que enfrentariam da sociedade, não teria qualquer problema se os seus filhos fossem homossexuais, de acordo com a "CNN". E, em 2023, aquando do Mês do Orgulho, esta foi uma causa a que, juntamente com a princesa de Gales, Kate, voltou a dar voz. Percebem o que queremos dizer?

2. Algumas falhas no enredo (quase que) estragam a fantasia

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Nicholas Galitzine as Prince Henry and Taylor Zakhar Perez as Alex Claremont-Diaz in Prime Video’s Red, White & Royal Blue. créditos: ©Amazon Content Services LLC

Não somos hipócritas: há plot holes (falhas no enredo, em inglês) na grande maioria dos filmes e séries. Fruto do desmazelo dos guionistas ou porque o tempo não chega para deixar todos os detalhes suficientemente explícitos, há sempre alguma coisa a apontar. Não sabemos qual foi o caso em "Red, White & Royal Blue", mas que a mostarda nos chegou ao nariz, chegou. Vamos a exemplos.

No início do filme, quando Henry e Alex resolvem pôr as divergências para trás das costas dentro da arrecadação de um hospital, seguem-se meses de conversa através do WhatsApp, já que têm um oceano a separá-los. Isto significa que ambos utilizavam esta aplicação para manter o contacto, que foi substituída, eventualmente, pelo e-mail.

Foi um erro crasso, meus caros, porque a correspondência eletrónica que trocavam (bem íntima, por sinal) acabou por ser exposta publicamente por um jornalista. Porque é que decidiram fazer a troca? Ainda não percebemos, mas deu origem a um berbicacho equivalente ao "Tampongate" de Carlos III e Camilla, em 1989.

Depois disto, os jovens ficaram impedidos de estabelecer qualquer tipo de contacto, por recomendação dos assessores. Contudo, Alex faz um discurso a admitir que ambos têm uma relação, mas o avô de Henry quer que o príncipe diga que aquilo não passava de um monte de calúnias – a sério que achavam que essa desculpa ia colar?

Por fim, quando a comunicação ainda estava interdita ao par, Alex consegue ir até ao Palácio de Kensington encontrar-se com o companheiro. Ou seja, falar por telefone estava fora de questão, porque isso poderia contribuir para adensar o drama, mas uma viagem até à residência real é aceitável? #Confuso.