"Tu vens para aqui chatear-me?", atira Vítor Matos a Francisco Quintas, em jeito de brincadeira. Sentados na sala de imprensa, após o final da primeira Gala Michelin Portugal, que aconteceu no Algarve esta terça-feira, 27 de fevereiro, os dois chefs estão ainda a digerir a noite de sonho. Curiosamente, Francisco Quintas, de 25 anos, o mais jovem chef português a receber uma estrela Michelin, é o mais calmo.

Vítor Matos, que subiu ao palco duas vezes, tem dificuldades em explicar o que é que se sente quando dois projetos tão diferentes, o Antiqvvm e o 2Monkeys, são igualmente reconhecidos. O primeiro, com nove anos, foi o único a ser premiado na categoria duas estrelas Michelin. O segundo, que abriu em junho de 2023, recebeu uma estrela Michelin.

Vítor Matos e Francisco Quintas são os chefs do 2Monkeys
Vítor Matos e Francisco Quintas são os chefs do 2Monkeys créditos: LUIS FERRAZ / 2MONKEYS

"Ao longo deste tempo fui um bocado... não quero dizer esquecido. Eu não sou uma pessoa muito interventiva. Estou no meu cantinho, faço as minhas coisinhas, tenho as minhas equipas. O Francisco sabe, eu prefiro que eles falem, eu sou mais de fazer. Eu não estava à espera disto porque faltou aqui mais do que um três estrelas", diz o chef, em conversa com os jornalistas.

Vítor Matos está atualmente envolvido em nove (sim, leu bem, nove) projetos. É responsável pelo Antiqvvm (Porto), partilha a cozinha do 2Monkeys (Lisboa) com Francisco Quintas, é responsável pelo Blind (situado no Torel Palace Porto), pelo Hool (Guimarães). É ainda chefe executivo do Vidago Palace, da Casa de Chá do Pedras Salgadas Spa & Nature Park e Mosteiro de Santa Clara. Na área dos vinhos, está também ligado à Quinta da Vacaria (Douro) e tem ainda o projeto Natura by Vítor Matos.

"Agora vou ter que rever a minha vida. A minha mulher só me disse uma coisa ao telefone: 'vê a tua vida e pensa no que queres fazer'. Estou em nove projetos e é inconcebível", admite o cozinheiro transmontano. Aos 46 anos, e com duas filhas, uma de 21 anos e outra de 12, Vítor Matos confessa que, para manter esta panóplia de ocupações "não se vive". "São muitos quilómetros, não durmo. E é sempre assim, todos os dias".

O chef enaltece ainda o facto de, ao contrário de outros restaurantes com duas estrelas Michelin, o Antiqvvm não ter grandes grupos de investimento a suportar os custos que uma cozinha de fine dining implica.

"O Antiqvvm tem dois sócios que, se não tiverem lucro, não conseguem pagar ao pessoal. Eu não compro pratos há dois anos", conta Vítor Matos. Recordando os primeiros tempos do restaurante situado no antigo Solar do Vinho do Porto, o chef conta que, ao fim de seis meses, decidiu bater com a porta por não se identificar com o projeto. Mas os sócios deram-lhe carta branca para ter a estrela Michelin como meta. "E ganhámos, a fim de oito meses e meio."

Vítor Matos, fotografado no 2Monkeys
Vítor Matos, fotografado no 2Monkeys créditos: LUIS FERRAZ / 2MONKEYS

Natural da aldeia de Jorjais, Vila Real, Vítor Matos conseguiu, "há um ano e meio", voltar a viver na sua terra natal, onde construiu uma casa. O chef ainda se aventurou a construir "um atelier" na residência, onde tinha como objetivo organizar jantares, projeto que foi logo vetado pela mulher, "e com razão".

"Tenho uma garrafeira com 20 mil garrafas de vinho, tenho uma cozinha que fiz em Itália, tenho fogão em aço inox, forno e cozinhamos em casa assim. É como se fosse um hotel, mas é a nossa casa. A minha mulher não me deixou fazer, e com razão, porque estávamos a invadir o nosso espaço privado", conta Vítor Matos, dizendo ainda que a ideia se baseava no The Loft Project, do chef Nuno Mendes, que recebia convidados na sua própria casa para jantares de "cozinha experimental".

"O que é, no fundo, a estrela Michelin? É uma recomendação para as pessoas nos visitarem. Não é para mim, para a minha vaidade nem para o restaurante! É para os clientes!"

Mas a ideia ainda não morreu e, para o mal dos pecados da mulher, Vítor Matos "comprou o terreno ao lado" da sua própria casa, "para a empresa" e já está a escolher projetos arquitetónicos. "Isto vai ser um brinquedo, vai ser uma coisa pequena, com 12 lugares, para abrir uma vez por semana. Não tem nada que ver com estrelas. É por gozo", conta, revelando que será um projeto para abrir portas "daqui a dois anos".

Apesar de, agora, acumular a conquista de três estrelas, Vítor Matos é racional quanto ao que significa a distinção do Guia Michelin. "O que é, no fundo, a estrela Michelin? É uma recomendação para as pessoas nos visitarem. Não é para mim, para a minha vaidade nem para o restaurante! É para os clientes! E nós não podemos falhar", salienta, elogiando a devoção das equipas, maioritariamente jovens, com quem trabalha, e que foram fundamentais na conquista desta segunda estrela para o Antiqvvm.

Mas, no meio disto tudo, o coração balança. "Tenho de repensar a minha vida. Eu vejo alguns colegas meus, como o Hans [Neuer, chef do Ocean, restaurante do Vila Vita Parc], ele vive para aquilo! Eu tenho família, a minha filha mais velha está na universidade, tenho de tratar dela. A mais nova tem dislexia, tem problemas na escola com bullying... tenho de pensar nisso. Eu não vivo só para a comida, vivo para família. Cada vez mais temos de ter equilíbrio. Quero viver", admite Vítor Matos. "Nós não precisamos de ser irreverentes e malucos para ganhar duas estrelas. Precisamos de fazer boa comida, respeitar os produtos e ter um serviço que respeite o nosso trabalho", acrescenta ainda o chef.