Miguel Dominguinhos tem apenas 27 ano,s mas já conseguiu um feito ao alcance de poucos: colocar o seu primeiro restaurante no Guia Michelin. O PODA, que conta com o chef (e amigo) João Narigueta à frente da cozinha, abriu em junho de 2023 e, na passada terça-feira, 27 de fevereiro, entrou para a categoria Big Gourmand do conceituado guia francês de restauração e hotelaria.

O restaurante de Montemor-o-Novo faz agora parte da lista restrita de 3341 restaurantes espalhados pelo globo, distinguidos pela boa relação qualidade preço. "O que os restaurantes Bib Gourmand têm em comum é seu estilo mais simples de cozinhar. Além disso, eles também o vão deixar com uma sensação de satisfação por ter comido um prato tão bom por um preço tão razoável", pode ler-se no site do Guia Michelin.

Mas esqueçamos o guia e voltemos a Montemor-o-Novo para perceber como tudo começou. E começou na escola.

Miguel é natural de Almada, mas mudou-se para Montemor-o-Novo com apenas 6 anos. Continuar a estudar após o 12º ano sempre foi algo que nunca quis. "Sempre dei para várias coisas, mas nunca dava para nada. Era assim um idiota. Tinha muitas ideias, queria fazer muitas coisas, estava numa descoberta", conta. Quis seguir uma carreira militar mas, sem paciência para esperar pela candidatura à GNR, acabou por ir trabalhar num restaurante local, o Pátio dos Petiscos, em 2014. "Sem querer, à semelhança do João [Narigueta], comecei a gostar disto".

A paixão improvável pela restauração, em particular pela área dos vinhos, foi crescendo e, seis anos depois, tenta a sorte em Lisboa, começando a trabalhar no grupo de restauração do chef Kiko. No início de 2020, candidatou-se a uma vaga no ALMA de Henrique Sá Pessoa. "Entrei... mas não entrei". A pandemia da covid-19 atirou-o para o desemprego, mas por pouco tempo. "Comecei a trabalhar numa destilaria, aqui em Montemor, e descobri outra vertente, ligada à minha área, mas na parte mais de campo", conta. No ano seguinte, e com o setor da restauração ainda a tremer devido aos sucessivos confinamentos, Miguel emigra para a Suíça. "Fui trabalhar nas obras. Estava tudo parado, não me sentia concretizado, não sabia ao certo que rumo isto ia seguir, tinha de pagar contas. Fui para a Suíça quase fazer um gap year mas a trabalhar (risos)", conta.

Aos fins-de-semana, quando não estava a trabalhar na construção civil, Miguel aproveitava o facto de estar em Basileia, perto da fronteira com França e Alemanha, para conhecer as regiões vinícolas vizinhas. "Ia conhecer produtores, provar vinhos, conhecer novos restaurantes. Tentei nunca perder a ligação à minha área enquanto estava a construir prédios", recorda. O empresário não caracteriza a passagem de um ano e meio pela Suíça como um revés, mas sim como uma etapa no caminho para o seu objetivo: começar o seu próprio negócio. "Se calhar é por ser jovem e um apaixonado, mas eu acredito que, no meu País, ainda posso fazer alguma coisa", diz. 

Miguel Dominguinhos é proprietário do PODA e responsável pelos vinhos
Miguel Dominguinhos é proprietário do PODA e responsável pelos vinhos créditos: Instagram

O espaço onde atualmente reside o PODA cruzou-se no caminho de Miguel em janeiro de 2023. Foi abordado pelo senhorio do espaço, que lhe disse: "tenho uma coisa boa para ti". E essa coisa boa era o antigo Bar Alentejano e que foi "um dos grandes restaurantes de Montemor". A história do espaço cruza-se com as vidas de Miguel mas também de João Narigueta, uma vez que os pais do chef do PODA se casaram naquele restaurante há 33 anos. O trabalho de recuperação do espaço foi mínimo, uma vez que a ideia sempre foi manter as memórias associadas à comunidade.

"Ao início foi um bocadinho estranho para as pessoas entenderem o conceito"

A ligação com João Narigueta surge através do irmão do chef, que é amigo de Miguel. Profissionalmente, foram-se cruzando no L'and Vineyards, onde João trabalhava e onde Miguel passava as férias, para ganhar experiência. "É aí que conhecemos a vertente profissional um do outro e começamos a trabalhar juntos. O que temos hoje em dia é o reflexo do que começámos em 2014, 2015", explica o chef de 33 anos, que também está à frente da cozinha do Híbrido, em Évora, um conceito de casual fine dining.

Em fevereiro de 2023, Miguel desafia João para fazer "uma cozinha tradicional" no PODA. "Mas não queria o tradicional moderno. Não queria secretos grelhados com migas de espargos. Queria algo mais do que isso, porque senti que a nossa identidade, devido à globalização, se está a perder pouco a pouco. Mas eu não sou cozinheiro, a minha área são os vinhos e serviço de sala, precisava de alguém que conseguisse corresponder ao que eu procurava. O João era a pessoa certa, também pelo trabalho que já tinha desenvolvido no Híbrido, podíamos estabelecer esta ligação, sendo dois estilos diferentes de restaurante, mas que se encontram", explica o empresário.

João Narigueta é o que se pode descrever como um filósofo da gastronomia alentejana. No Híbrido, as criações surgem às dezenas, compondo uma carta ecléctica, em constante mutação, mas sempre com a ancestralidade regional como inspiração. No PODA, o menu também é dinâmico mas não tanto, embora a carta já tenha mudado "seis vezes". "Ao início foi um bocadinho estranho para as pessoas entenderem o conceito, que não é de prato cheio, mas depois começaram a achar piada a isso. Agora já vêm cá e perguntam 'então o que têm de novo?'", explica Miguel.

Miguel Dominguinhos e João Narigueta
Miguel Dominguinhos e João Narigueta créditos: MAGG

O chef confessa que teve de se "adaptar à cozinha tradicional". "É uma coisa nova para mim. Eu sabia a teoria, mas não tinha tanto à vontade para por em prática", explica, salientando a complementaridade que existe com o conceito criado por Miguel, com "um serviço mais clássico, porque a casa assim o exige". Tanto no Híbrido como no PODA, Miguel e João privilegiam os produtos locais, o que implica criar uma relação de confiança com os produtores. "O que fez com que eu tivesse ainda mais confiança foi a entrada do Miguel na conversa", recorda o chef. Fundamental para este cimentar de relações são as idas semanais ao mercado municipal, onde, além das compras para os dois restaurantes, mantêm relações de confiança com os vendedores.

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Num prazo de um ano, Miguel e João planeiam que a relação entre o PODA e o Híbrido, em Évora, se transforme. "O objetivo é que os espaços cheguem a um ponto de se complementarem, não como já estamos a fazer, mas na perspectiva de eu conseguir chegar aqui, melhorar processos na cozinha, ensinar o máximo possível para que eu tenha uma base de confiança grande e possa estar nas Caraíbas de férias um mês e ter noção de as pessoas que estão aqui e estão no Híbrido me representam como é para ser. Por sua vez, o Miguel, é a mesma coisa, mas dedicado às áreas dele", explica o chef.

Tudo o que comemos no PODA, do coelho à S. Cristóvão ao cacau de Montemor

Entrar no PODA é ter, logo à entrada, uma sensação de conforto, de restaurante de almoços dominicais com a família, que foi passando de geração em geração. Os pedaços de videiras secas, a madeira escura, as cabines que separam as mesas, os saquinhos do pão em pano, tudo transmite confiança, serenidade e conforto. Não há modernices parolas, mas também não cheira ao sítio parado no tempo.

poda
créditos: MAGG

Reinaldo, um dos funcionários que nos serviu, conta de forma exímia e apaixonada a história do coelho à S. Cristóvão (7,50€), uma especialidade regional, feita com aproveitamento do coelho assado. É o início perfeito desta refeição, com os sabores fumados da carne vestidos na perfeição com tons avinagrados.

Sempre com pão e conduto (4,50€) na mesa, seguimos para a sopa de mogango (6,50€). Mogango no Alentejo, cabaça no norte, abóbora para toda a gente entender. A sopa desta planta, que na realidade é um caldo aromático com toque avinagrado, onde o sabor do louro surpreende e a simplicidade dos sabores denuncia o domínio perfeito da técnica. Um prato tão simples, com aromas tão límpidos, que aquece a alma e simboliza um enorme respeito pelos ingredientes.

As migas gatas (7,50€), feitas com aproveitamento de sobras de bacalhau, têm um sabor fumado das lascas do peixe passado nas brasas e as iscas de vaca com cebola roxa de Montemor e batata cozida (10€) são um deleite na sua simplicidade. De salientar o pormenor de a batata ter sido salteada em banha, ganhando aquela crosta fina e crocante, que contrasta com o interior macio. Que maravilha.

Chegados à sobremesa, veio para a mesa enxovalhada (5,5€), um bolo típico de Montemor-o-Novo, feito do aproveitamento de massa do pão, e mousse de chocolate de cacau chuncho (4€), uma variedade dos vales da Convención na região de Cuzco, Peru, produzido pela Melgão, empresa montemorense. Se foi a melhor mousse de chocolate que já provámos? Digamos que está num lugar simpático no top 3. Miguel e João fazem questão de trabalhar com produtores locais até nas loiças, usando as criações da ceramista Célia Macedo. No PODA, há a opção menu degustação por 30€.

PODA
Rua Sacadura Cabral 25, 7050-304 Montemor-o-Novo
Contacto: +351 266 896 317

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* a MAGG visitou o PODA a convite de Miguel Dominguinhos