Pesquiso por Mirante da Rocha no Google e percebo que a situação do restaurante é delicada. Apesar de várias críticas positivas, há outras negativas que falam num serviço de atendimento pouco eficiente e numa cozinha aparentemente caótica. Numa das críticas, é precisamente uma das responsáveis pelo espaço que pede desculpa pelo mau funcionamento daquele dia, ainda que admita não ter estado presente no serviço por "problemas pessoais".

No comunicado de imprensa enviado às redações pela TVI, onde o canal anuncia o restaurante a figurar no novo episódio de "Pesadelo na Cozinha", conclui-se de imediato que os problemas pessoais da funcionária têm que ver com questões de saúde que a incapacitam de fazer mais pelo espaço e a que obrigam a não estar no restaurante com a frequência de que gostaria.

Embora isto se trate de televisão de entretenimento, a mesma que Ljubomir Stanisic diz não fazer parte do seu trabalho, é muito fácil esquecermo-nos de que os intervenientes são pessoais reais com preocupações e medos também eles muito reais. E que, no fundo, se veem a braços com o dilema de o negócio que lhes põe o pão na mesa não estar a funcionar como devia.

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Por isso, o caminho até ao Mirante da Rocha, em Carnaxide, é feito com alguma apreensão. De frente para a porta, o que vemos é uma esplanada e um interior vazios. Funcionários nem vê-los e ao balcão há apenas uma pessoa — a mesma que me tira a pinta e percebe que o que quero é almoçar e não beber café.

"É só seguir em frente que dá com a sala do restaurante", explica. Erro meu, penso. É que a outra sala está devidamente identificada com letras garrafais e facilmente visíveis assim que se entra no espaço. A sala é ampla, coberta à esquerda por janelas que vão do teto ao chão, e à direita pelas paredes pintadas de um azul-conforto que nunca faz enjoar.

A sala, que antes tinha capacidade para mais de 90 lugares sentados, depois da renovação da produção do programa da TVI foi reduzida para cerca de 50. Desses 50 lugares, 17 estão ocupados e há apenas uma funcionária, Carolina, responsável pelo atendimento.

São 12h44 quando me sento e a primeira impressão é que o ambiente é descontraído e quase familiar, como se o Mirante da Rocha fosse o ponto de encontro para almoços de trabalho. Afinal, há escolas, escritórios e obras perto daquela zona. Mas é preciso passarem dez minutos desde a chegada para que Carolina venha até à mesa e, sem oferecer a ementa para consulta, explique que pratos podem ou não ser pedidos naquela altura. É que alguns já tinham terminado, contou.

A escolha foi rápida até porque a fome apertava, havia mais pessoas a precisar de atendimento e Carolina era só uma. Optámos pela sopa de creme de brócolos, peixe-espada grelhado com legumes salteados e uma água.

A espera pelos pratos prolongou-se até às 13h40 sem que nada pudesse explicar a demora. Afinal, havia apenas 17 pessoas sentadas e algumas delas já atendidas. A confusão começou a ser percetível à medida que Carolina andava para a frente e para trás: havia uma aparente desconexão entre a cozinha, que não parecia ser capaz de acompanhar o ritmo, e sala.

As mesas de grupos não eram servidas ao mesmo tempo, havia mesas por levantar desde que cheguei ao restaurante e quem já tinha acabado os pratos principais esperava agora pelas sobremesas. E Carolina, sempre simpática e disponível, não parava um segundo.

Numa das suas correrias, e ciente da demora na entrega dos pratos, pediu desculpa e trouxe o couvert composto por um cesto de pão e azeitonas. As manteigas, segundo percebi depois, também faziam parte da carta mas tinham de ser pedidas à parte.

O restaurante é muito amplo, tem duas salas e uma esplanada

A cerca 20 minutos das 14 horas, os pratos chegaram à mesa. Trata-se de comida humilde, caseira e de conforto — tudo aquilo que o estômago pede a meio de um dezembro frio e chuvoso. Era boa, mas não era surpreendente. O peixe-espada estava grelhado no ponto e aos legumes salteados talvez faltassem mais sabor, mas é a única crítica possível a uma comida que pretende ser despretensiosa.

O preço (8,50€ pelo menu de prato do dia) parece estar em conformidade com a zona onde está localizado. É que há vários restaurantes concorrentes à volta e a ideia pode ser a de tentar aliciar aqueles que procurem um local agradável e com refeições baratas na pausa para almoço. Só que os longos tempos de espera, também identificados por Ljubomir durante o programa, parecem ainda não ter sido resolvidos.

É depois do almoço, aliás, que percebo que Carolina e Fernando Przybysz, o gerente, se desdobram em várias funções e entre as duas salas do espaço para garantir que tudo acontece sem o mínimo percalço. Só que no dia em que a MAGG decidiu visitar o espaço coincidiu com a ausência de Dalva, mulher de Fernando, devido aos seus problemas de saúde.

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É Fernando que, no final do almoço, pede desculpa pela demora e se justifica com um problema num dos grelhadores: "Sei que foi um dos clientes que mais esperou hoje. Tivemos um problema no grelhador, que não é habitual, e que me obrigou a sair do balcão para a cozinha. Às vezes acontece."

Embora sempre simpático, Fernando assumiu uma posição mais naturalmente defensiva quando me identifiquei como jornalista. Não só não sabia que o seu restaurante seria o próximo episódio do programa (alegadamente, a produção ficou de o contactar a avisar, mas ainda não o tinha feito), como recordou que tinha um contrato assinado que, supostamente, impedia os proprietários de revelar muito sobre o episódio.

"O facto de uma pessoa precisar de ajuda não obriga a que ela tenha de vender a vergonha ou o respeito pelas audiências"

Apesar disso, aceitou sentar-se comigo. Até porque sabe que "quem aceita aparecer na televisão tem de se sujeitar a certas coisas". Durante a conversa, revela que não foi ele quem contactou a produção do "Pesadelo na Cozinha", mas sim uma pessoa amiga que identificou alguns problemas no Mirante da Rocha.

"Foi uma pessoa que já nos conhecia há algum tempo que fez a inscrição porque achou que estávamos com umas dificuldades. Não sei se o fez como brincadeira, até porque nunca cheguei a perguntar a razão, mas não disse que não. Não fiquei chateado porque uma ajuda é sempre uma mais-valia, seja ela pouca ou muita", admite.

E embora admita que tenha ficado com um restaurante "mais agradável e mais bonito", diz que esperava mais. "Infelizmente, as pessoas nuca estão satisfeitas com o que têm e querem sempre mais. E não é que eu não tenha gostado. Mas pelo programa que é e pela repercussão que tem, o que fizeram aqui foi muito básico", diz apontando o dedo à remodelação "superficial" que a produção fez.

"As mesas têm mais do que a minha idade, os móveis são velhos. A produção podia ter deixado as coisas mais modernas. O teto tem muitas brechas que não foram emendadas. Puseram só os candeeiros, as cortinas nas janelas, trocaram as toalhas e pintaram as paredes de azul", explica.

Por já conhecer o formato, Fernando sabia exatamente o que esperar. Mas nem por isso deixar de ficar surpreendido com algumas das coisas que aconteceram durante as gravações e que agora, dois meses depois (o episódio foi gravado em outubro), o levam a acreditar que "há muita encenação porque tem de ser assim".

"Estou nesta casa há dois anos e nunca caiu nada de dentro de um frigorífico. Naquele dia, caiu um tabuleiro assim que abri a porta e ele começou aos gritos. Isto mostra-me que há coisas montadas para acontecer alguma coisa. Entendo que seja normal, porque é preciso que haja polémica, só que neste caso a coisa podia ter dado para o torto", explica.

As paredes foram pintadas de azul e janelas amplas foram cobertas com umas cortinas brancas

E continua: "Se tivesse sido a minha mulher, que tem vários problemas de saúde, a abrir o frigorífico e o tabuleiro lhe tivesse caído em cima da perna, eles iam todos para a rua. Não tenha dúvidas. O facto de uma pessoa precisar de ajuda não obriga a que tenha de vender a vergonha ou o respeito pelas audiências. É nesse sentido que digo que o programa nunca é completamente verdadeiro."

Sem ainda ter visto as imagens finais do programa, e admitindo que não o vai ver no domingo, 22 de dezembro, garante que não houve polémicas enquanto Ljubomir esteve no seu restaurante. Principalmente porque, segundo conta, percebeu desde muito cedo que tinha de se controlar e entrar no jogo.

"Estive no restaurante de Ljubomir e já comi melhor em hotéis de três estrelas"

"O que ele faz é vir aqui comer e dizer que é tudo merda. Tudo em modo de gravação. Nunca temos um momento a sós com ele longe das câmaras. Em vez de ele oferecer uma ajuda e de conversar honestamente connosco, a única coisa que faz é empurrar alguém que já está abalado com a situação financeira do restaurante, para depois estender a mão e dizer que nos vai tirar da lama", e diz Fernando que foi isso que mais o surpreendeu.

"Nunca há uma ajuda dele enquanto pessoa. Ele está sempre como o chef do 'Pesadelo da Cozinha' e o que Ljubomir faz é chamar os outros merdas e ir-se embora", lamenta. Embora Fernando conte que Ljubomir deixou algumas sugestões para a carta, garante que os novos pratos são muito diferentes daquilo que já era feito no restaurante e que, entretanto, foram melhorados.

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No comunicado de imprensa enviado às redações, a TVI diz que o chef sugeriu "uma ementa mais tradicional com caldo verde, feijoada de choco, açorda com ovas, peixe marinado, mexilhões marinados e leite creme". Durante a visita da MAGG, não encontrámos nenhuma destas opções a serem servidas.

"Tudo o que ele comeu era uma merda para ele. É óbvio que uma pessoa que tem um paladar acima do resto das pessoas da Terra vai achar isso. Eu não acho. Aliás, estive no restaurante de Ljubomir e já comi melhor em hotéis de três estrelas."

Fernando diz ter a vida mais ou menos estabilizada, mas admite que a situação financeira do restaurante não está bem. E culpa a renda que considera ser elevada e o consumo pouco eficiente de eletricidade que atribui ao facto de os equipamentos serem muito velhos.

"O pior mês foi novembro e nada teve que ver com programa. O cozinheiro que apareceu no programa já foi embora porque não aguentou a pressão do serviço", e isso tem obrigado o gerente a procurar cozinheiros que sejam capazes de aguentar a exigência da cozinha para conseguir estabilizar o funcionamento do espaço.

Por ser uma pessoa que só se arrepende das decisões que não tomou, não está arrependido de ter participado no programa embora não poupe nas críticas a Ljubomir e à produção. E recorda uma situação em específico que o deixou sem reação.

"Quando reportámos os problemas do restaurante à produção, disse que a nossa casa de banho, por estar localizada na parte de baixo e não ter janelas, costuma cheirar muito mal se não tivermos cuidado. O chef foi lá abaixo e subiu aos berros a dizer que aquilo cheirava mal", conta.

E continua, perplexo: "Se relatámos esse problema e ele, depois de ter ido lá abaixo, teve aquela reação, eu só pergunto: está aqui a fazer o quê, afinal? A solução que a produção arranjou foi pôr uma vela la em baixo. É a chamar-me otário, não é? Só pode."