“Tinha o sonho de ser jogador de futebol e fiz toda a minha adolescência na esperança de um dia o ser”, começa por contar Sandro Lima, de 21 anos, à MAGG. Passou por clubes como Sporting Clube de Portugal, União de Leiria, Futebol Clube do Porto, Sporting de Braga, Académica e Boavista. Mas tinha decidido dedicar-se aos estudos — frequentava a licenciatura em Ciências da Comunicação — e encontrava-se a jogar pelo Casa Pia Atlético Clube. Gostava de fazer ginásio, de estar com a família e amigos, de sair à noite. “Fazia o que qualquer rapaz da minha idade faz.”

O jovem natural de Alcobaça recorda ter ido passar a passagem de ano ao Porto e de se ter apercebido que lhe estava a nascer um dente do siso. Foi crescendo juntamente com as dores, até que decidiu arrancá-lo. “Eu já sentia um certo cansaço, de vez em quando suava de noite, mas achei que podia ser da azáfama da faculdade, do ginásio, dos treinos de futebol. No entanto, a partir do momento em que arranquei o dente, os sintomas passaram a ser mais intensos. Comecei a ganhar febre, não conseguia comer nada, comecei a sentir-me muito fraco.

Quando foi diagnosticado com leucemia, Sandro era jogador de futebol no Casa Pia Atlético Clube e estudava Ciências da Comunicação

O local onde estava o dente teimava em não cicatrizar e ganhava muitos coágulos de sangue. Na clínica de medicina dentária onde o tinha arrancado, acharam que Sandro deveria fazer análises. Os resultados vieram alterados e aconselharam-o a ir a um hospital.

Segundo Manuel Brito, diretor do Serviço de Oncologia Pediátrica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o cancro “é o nome dado a várias doenças relacionadas. Acontece quando há células que perdem identidade e começam a dividir-se de forma repetida, colocando em causa integridades anatómicas e ou funcionais da pessoa.”

Do Hospital de Leiria seguiu para os Hospitais da Universidade de Coimbra. “Em Coimbra, o primeiro médico que me viu disse que eu tinha uma pequena anemia. Mas a minha mãe insistiu que não podia ser dado o meu estado e que queria que eu repetisse as análises.” Os segundos resultados, que chegaram na manhã seguinte, diagnosticavam leucemia. Estávamos a 7 de fevereiro de 2017 e Sandro tinha 19 anos.

“Naquele momento o meu sangue congelou. Senti o meu corpo a gelar e percebi que era grave. Sabia o que era leucemia, mas deixei de a entender na altura, ou seja, o conceito que tinha na cabeça parecia que tinha deixado de o saber. Mas a minha reação foi dizer à minha mãe que ia correr tudo bem, para não se preocupar”, recorda. Ficou de imediato internado.

Foi com esta publicação que, a 7 de fevereiro de 2017, Sandro comunicou no Instagram que estava a lutar contra uma leucemia

Segundo Manuel Brito, diretor do Serviço de Oncologia Pediátrica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), a leucemia é um cancro “que se forma nas células que dão origem às células de sangue. Surge normalmente na medula óssea e funciona como um tumor que cresce dentro da medula óssea e que impede o crescimento das células normais do sangue. Na leucemia deixa de haver uma produção normal de plaquetas e por isso há mais facilidade em sangrar, deixa de haver uma produção normal de glóbulos vermelhos em que há mais tendência para a anemia e deixa também de haver uma produção normal de células brancas.”

De acordo com dados facultados pelo médico, nos CHUC, o número de casos de leucemia nesta faixa etária andam à volta dos 12 a 15 por ano, enquanto que no âmbito nacional são cerca de 80.

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Só uns dias mais tarde é que Sandro percebeu a realidade em que se encontrava. “Eu não caí logo nesses momentos iniciais. Sabia que era grave, mas estava com força interior. Passado dois ou três dias é que percebi o que se estava a passar, a realidade que estava a viver, que realmente aquilo iria durar muito tempo, que iria ficar diferente, que iria mudar totalmente. E foi aí que desabei. Chorei muito, tive os meus momentos de revolta.”

Fez radioterapia e quimioterapia, esta última sempre semanalmente. Mas um ano depois, a doença voltou a aparecer numas análises. “Quando me foi diagnosticada novamente [a leucemia] fiquei muito triste, super desiludido, porque uma pessoa nunca está à espera de uma recaída. Foi muito difícil.” Sandro Lima teve de ser novamente internado e a opção do transplante de medula óssea ficou em cima da mesa. A operação teve de ser adiada para Sandro realizar um novo tratamento de imunoterapia que “correu bem”. O transplante aconteceu em outubro de 2018 e foi mais uma fase complicada devido a uma infeção que apanhou.

Sandro recebeu um transplante de medula óssea em outubro de 2018. Durante esse processo que teve algumas complicações, perdeu 18 quilos

No total, o jovem já esteve internado cerca de seis meses. Sandro Lima admite que, inicialmente, se foi ocupando com séries, filmes, música ou livros, mas com os sintomas que começam a aparecer dos tratamentos de quimioterapia, a vontade é de apenas dormir. “Não consegues ouvir ninguém, depois os vómitos, a diarreia."

Receber um diagnóstico de cancro nunca é fácil, e em idades mais precoces não é diferente. “É muito difícil porque é uma vida totalmente diferente, ainda para mais numa leucemia que exige muitos tratamentos e muito internamentos.”

E para Sandro foi muito difícil assistir a todas as transformações que o seu corpo sofreu. “A medicação transforma-nos. Deixei de ser eu completamente. Inchei muito, as minhas feições mudaram e isto foi das coisas que mais me custou, sem dúvida. A parte de não te reconheceres a ti próprio é muito difícil. Depois o ficar careca... não é propriamente o problema em ficar careca, mas sim ser aquele momento em que realmente percebes ‘ok, estou realmente doente’.”

Sandro Lima fez radioterapia e quimioterapia. Um ano depois, a doença voltou a aparecer numas análises

Em 2018, foram diagnosticadas cerca de 60 crianças e adolescentes com cancro no Serviço de Oncologia Pediátrica dos CHUC. “Há uma tendência para o aumento do número de casos de cancro que pode atingir 1% ao ano. Contudo, em Portugal, não se traduziu num aumento do número de casos nos últimos anos, devido à diminuição dos nascimentos, que também resultou numa diminuição da população pediátrica”, explica o diretor Manuel Brito.

Quando soube que tinha leucemia, Sandro decidiu ir partilhando a sua experiência nas redes sociais, nomeadamente no Instagram. “Foi algo intuitivo, não foi algo pensado. Eu era uma pessoa muito extrovertida, saudável, fazia desporto e nunca se pensa numa realidade destas. A partir do momento em que comecei a partilhar e vejo que tem um alcance muito grande senti que podia alertar as pessoas e também ajudar quem estivesse na mesma situação. Também senti necessidade de conhecer outros casos.”

De acordo com dados da Acreditar — Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro, em Portugal, o cancro em crianças e jovens é raro.

— Anualmente são diagnosticadas cerca de 400 crianças com cancro;

— Nesta faixa etária, a taxa de cura ronda, atualmente, os 80%, uma percentagem que é superior à da maioria dos casos em adultos.

O intuito acaba por ser o de mostrar a sua realidade, mas também dar esperança a outras pessoas. “É fazer com que as pessoas percebam que, apesar de o cancro ser algo muito difícil, não é impossível de vencer. É preciso é ter muita força e fé e acreditar sempre.” Atualmente, apesar de ter de continuar a ser vigiado e do receio que a doença volte, Sandro sente-se “bem”.

Tem muitos sonhos que quer concretizar. Quer conhecer o mundo, outras realidades e ajudar outras pessoas. “Quero voltar a fazer desporto — não digo de forma profissional — mas gostava de ter uma vida ativa, de ter o meu trabalho, mas acima de tudo de ter saúde. Porque acho que uma pessoa com saúde é o que quiser, mesmo. Além disso, também acho que não devemos fazer planos porque os planos saem sempre furados.”

O jovem de 21 anos não tem dúvidas em afirmar que existe um Sandro antes e depois do diagnóstico de leucemia aos 19 anos. “Acho que mudou tudo. Nunca mais voltamos a ser as mesmas pessoas, mas isso não significa que seja mau. No meu caso foi para melhor. Sinto que sou uma pessoa muito mais humana, que valoriza coisas muito mais essenciais, como a vida, os valores. Coisas que não se pagam, que muitas das vezes não damos valor e que damos sempre como um dado adquirido”, finaliza.

À Carolina foi-lhe dado um mês de vida pelos médicos

“Sentia-me perfeitamente normal. Emagreci cerca de cinco quilos, mas associei ao facto de ter mudado de escola. Também tinha uma nódoa negra numa perna que demorou cerca de 15 dias a desaparecer, mas pensei que tinha batido em algum sítio e andava à espera que passasse”, começa por relatar Carolina Figueiredo, de 22 anos, à MAGG.

Foi a permanência da nódoa negra e a insistência da mãe que fizeram com que a jovem natural de Oliveira do Hospital acabasse por fazer análises gerais. “Eu sentia-me bem”, reforça. Tinha 17 anos quando lhe foi diagnosticado um Linfoma de Hodgkin. “As únicas palavras do médico foram: ‘Tens cancro. Aproveita muito bem a tua vida porque tens um mês de vida’. Ele próprio ficou muito chocado com o meu estado de saúde. O único órgão que não estava afetado era o fígado, de resto estavam todos.

Carolina tinha 17 anos quando lhe foi diagnosticado um Linfoma de Hodgkin

Um linfoma é um cancro que surge nos gânglios do sistema linfático e que é capaz de invadir todos os tecidos do organismo. De acordo com o médico Manuel Brito, o Linfoma de Hodgkin “é um cancro que tem origem nos gânglios e tem características diferentes de outros tipos de cancro. O que tem de diferente é que, por exemplo, o Linfoma de Hodgkin habitualmente evolui por contiguidade, ou seja, evolui de um gânglio para o gânglio contíguo, podendo invadir qualquer tecido ou órgão mas sempre por contiguidade".

Nos CHUC, são diagnosticados por ano cerca de dez casos de linfoma em crianças e jovens. O tipo de cancro mais comum nesta faixa etária é a leucemia linfoblástica aguda, sendo que, especificamente nos adolescentes, os linfomas são os mais diagnosticados e o mais frequente é o Linfoma de Hodgkin.

Carolina tinha uma vida “normal”: era estudante e tinhas as ocupações “ditas normais de uma adolescente”. A jovem recorda que, no momento em que ouviu aquelas palavras, nunca pensou na morte. “A pergunta que fiz ao médico foi: ‘E o meu cabelo?’. Senti uma vontade enorme de lutar contra o que me estava acontecer. Naquele instante pensei em como é que me iria olhar ao espelho sem cabelo.”

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Seguiu-se uma fase de tratamentos. Durante nove meses seguidos, Carolina fez quimioterapia e radioterapia. “Foram tempos horríveis. Os tratamentos eram muito fortes e ficava totalmente de rastos. Perder o cabelo foi muito doloroso. A minha vida era hospital e cama. Não conseguia fazer rigorosamente nada. Basicamente deixei de fazer tudo. A minha vida eram as viagens para o hospital, que tinha de ir todos os dias, incluindo fins de semana e feriados.”

O médico Manuel Brito refere que a radioterapia é um tratamento cada vez menos utilizado, sendo reservada para casos que não têm uma resposta adequada à quimioterapia ou para situações específicas nas quais têm uma indicação absoluta. “A radioterapia tem efeitos secundários que são particularmente marcantes em fases de crescimento, como é o caso de crianças e adolescentes — embora existam casos onde é fundamental — e que nos adultos não são tão importantes”, explica.

Com o tempo, a dor da perda do cabelo foi perdendo força. “Com o passar do tempo e com tanto sofrimento pelo qual estava a passar, o cair do cabelo foi apenas um detalhe.” Durante oito meses “esteve bem”, mas acabou por ter uma recaída em 2015 e desde aí que tem estado sempre em tratamentos — cerca de cinco anos.

Carolina Figueiredo está grávida e prepara-se para ser mãe de um menino, algo que lhe foi dito que seria impossível de acontecer

Sinto que cresci mais rápido. A minha mentalidade mudou completamente. Eu tinha uma vida normal, todas as minhas rotinas como todas as adolescentes e de um dia para o outro deixei tudo e comecei a viver para o hospital.”

Atualmente, a jovem de 22 anos está “estável” e “está tudo controlado”. Grávida, prepara-se para ser mãe de um menino, algo que lhe foi dito que seria impossível de acontecer. “Os médicos sempre me disseram que seria impossível engravidar. Fiquei muito revoltada, porque o meu sonho é ser mãe, mas nunca aceitei essa ideia. Até porque nada é impossível e agora mais do que nunca tenho a prova disso.” Para o futuro deseja ter “bastante saúde” para poder acompanhar o crescimento do filho.

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