O que é que acontece quando um neurocientista e um monge budista interpretam o mundo? Foi esse o desafio lançado pela atriz, escritora e comediante Ruby Wax, que passou meses a falar com Gelong Thubten, monge desde os 21 anos, e Ash Ranpura, neurocientista e neurologista clínico.

O resultado é o novo "Ser Humano: Manual de Instruções", um livro divertido e fascinante sobre o que é afinal ser humano. O monge explora o funcionamento da nossa mente, o neurocientista do nosso cérebro. No final, tentam responder a todas as questões relacionadas com evolução, pensamentos, sexo, vícios, corpo, espírito, relacionamento, filhos e muito mais.

O livro chegou às bancas a 21 de janeiro e custa 17,69€

Repleto de histórias, com base em dados científicos e cheio de exercícios práticos de mindfulness, "Ser Humano: Manual de Instruções" quer ser uma espécie de manual para fazer um upgrade à sua mente — da mesma maneira que autorizou recentemente o seu telemóvel para uma versão mais recente.

A MAGG mostra-lhe os exercícios de mindfulness para quem está com problemas no relacionamento, retirados do livro "Ser Humano: Manual de Instruções.

Exercícios de Thubten (o monge)

Estes exercícios pretendem criar uma mudança na nossa atitude ou forma de pensar, o que é uma parte importante da prática de mindfulness.

Exercício 1: Redigir Uma Carta

• Para este exercício, sente-se num lugar tranquilo e medite na sua respiração pelo tempo suficiente para concentrar a mente e focar-se no momento presente.

Gelong Thubten tornou-se monge aos 21 anos de idade, no mosteiro budista tibetano Kagyu Samye Ling, na Escócia. Gelong é um título que significa monge sénior vitalício. Thubten tem agora 46 anos e ensina a prática de mindfulness em empresas como a Google, LinkedIn, Siemens, e em muitas outras organizações por todo o mundo. Também ensina crianças em idade escolar e estudantes de Medicina.

• A seguir, escreva uma carta (não a envie!) à pessoa com quem está a ter dificuldades de relacionamento. Exponha nessa carta como se sente exatamente. Não se reprima.

• Depois disso, escreva uma carta dirigida a si, mas como se fosse escrita pela outra pessoa — não como se ela tivesse lido a sua carta mas apenas expondo todos os seus sentimentos.

• A seguir, dedique algum tempo à leitura de ambas as cartas, tentando gerar compreensão e inclusivamente compaixão por ambas as partes.

• O objetivo deste exercício é obter um panorama geral através da exploração de ambas as partes da história. Está a aprender a ser um observador neutro, ao invés de se envolver em enredos.

• Assim que tiver lido ambas as cartas, sente-se e medite novamente durante algum tempo; não se concentre na respiração e deixe que os sentimentos surjam livremente na sua mente. Não os reprima, vivencie-os apenas.

• Por fim, redija outra carta dirigida ao outro, expressando construtivamente de que forma gostaria que o relacionamento evoluísse no sentido de uma maior harmonia.

Exercício 2: Exercício da Díade

• Esta é uma prática dinâmica que envolve duas pessoas. Pode ser realizada cara a cara ou pelo telefone. Uma díade é um encontro estruturado e intencional, com o objetivo de desenvolver empatia e compaixão. Cada pessoa fala durante cinco minutos sem interrupção.

• A primeira pessoa fala sobre algo difícil que aconteceu naquele dia e de como se sentiu. Devem enumerar tudo o que sentiram na mente e no corpo. A seguir, falam sobre como se sentiram acerca de algo que aconteceu naquele dia, ou recentemente, e pelo qual se sentem gratos.

• Aquele que está a ouvir limita-se a manter o contacto visual (a não ser que o exercício seja realizado pelo telefone), bem como a estar mentalmente presente. Não há lugar a quaisquer interrupções ou comentários, nem mesmo sinais não-verbais; apenas à escuta com empatia. O objetivo é praticar a escuta compassiva.

• Após os cinco minutos, invertem-se os papéis e repete-se o exercício.

• O exercício consiste em escutar com total aceitação e sem nenhum julgamento, sem tentar resolver o problema do outro.

• Oferecer a nossa total atenção a alguém sem julgá-lo é um ato de bondade poderoso.

• No final do exercício, ambos podem conversar sobre o que acharam desta experiência, se assim o desejarem.

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Exercício 3: Troca de Lugar

•   Este exercício ajuda-nos a imaginar como é estar no lugar do outro.

• Imagine alguém específico sentado à sua frente; em alternativa, pode praticar com outro indivíduo, realizando ambos o exercício sentados de frente um para o outro.

• Troque de lugar mentalmente com a outra pessoa; imagine que se transforma nela e que ela se transforma em si.

• Está agora no lugar do outro, a habitar a sua pele.

• Tente explorar como é ser essa pessoa e o que ocorre realmente dentro dela. Que tipo de dificuldades está a atravessar?

• A seguir, pergunte-se como será visto aos olhos do outro. Está a olhar para si através dos olhos dele. Tente vivenciar como poderá ser visto a partir da perspetiva dessa pessoa.

• No final do exercício, volte a si, novamente, e passe algum tempo a olhar para o outro (literalmente ou na imaginação), com um sentido renovado de compreensão e compaixão.

Na foto, Ruby Wax (centro), Gelong Thubten (esquerda) e Ash Ranpura (direita)

Exercícios da Ruby (a autora)

O mindfulness consiste em ter consciência dos próprios pensamentos e sentimentos. No que concerne aos relacionamentos, trata-se de prestar atenção se projetamos em alguém esses pensamentos e sentimentos. Repare se está a atirar com a sua bagagem para cima do outro; ele já tem bagagem própria que chegue.

Os relacionamentos desmoronam quando não existe comunicação — e não me refiro apenas a discutir o que os filhos andam a fazer. Refiro-me a deixar de mostrar interesse pela vida do outro; nessa altura, o vínculo foi quebrado.

Faça sempre perguntas com curiosidade, não interrogadoras, e não se limite a perguntar — escute atentamente as respostas. Esta é uma competência que precisa de ser treinada. Normalmente não conseguimos ficar concentrados mais do que alguns segundos até sermos distraídos por outra coisa. Se escutar o outro como se de uma notícia nova e surpreendente se tratasse, despertará o seu interesse. E o interesse cria conexão.

Exercício 1: Conversa Civilizada

• Este exercício irá ensiná-lo a negociar tranquila e produtivamente.

• Faça-o apenas se ambas as partes concordarem com isso.

Esta é uma oportunidade de expor quaisquer fragilidades que esse relacionamento possa ter. Normalmente, quando começamos a expressar as nossas necessidades, ficamos prisioneiros de um rol de acusações, como «a culpa é tua», seguido de um «não, a culpa é tua» (o que pode continuar indefinidamente).

• Antes de começarem, sentem-se durante alguns minutos e concentrem-se na respiração. Quando se sentirem estáveis, avancem para a primeira etapa.

• Na minha opinião, a não ser que utilizem o mindfulness ou outra prática qualquer, não serão capazes de se escutar um ao outro com clareza quando ficam agitados, pois o nível de stress de ambos estará muito elevado — e o jogo da culpa tomará as rédeas.

• Etapa 1: Ser claro

Um dos elementos do casal expõe o que sente que precisa da relação, sem que o outro o interrompa. Disponham de alguns minutos para isto. (É difícil, pois não somos ensinados ou encorajados a revelar com clareza as nossas necessidades sem termos sentimentos de culpa.) Esta etapa ocorre sem culpabilização ou acusação; os elementos do casal limitam-se a expressar o que sentem. Prestem atenção ao tom e reparem se começa a instalar-se uma queixa ou um lamento.

Nasceu nos Estados Unidos, em 1953, e reside no Reino Unido há mais de 30 anos. É escritora, comediante, atriz, autora de documentários e programas televisivos como “Absolutely Fabulous”. Ruby estudou Psicologia na Universidade de Berkeley, na Califórnia, Psicoterapia e Aconselhamento no Regent’s College, em Londres, e, mais recentemente, Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness na Universidade de Oxford. Na sua obra destacam-se os livros “A Mindfulness Guide for the Frazzled” e “Admirável Mundo São”.

• Etapa 2: Repetir

Durante alguns minutos, e depois de a primeira pessoa se expressar, o outro elemento do casal certifica-se de que ouviu corretamente, de modo a não interpretar mal o que foi dito.

Devem tentar escutar sempre com ouvidos atentos e não com ouvidos de quem já ouviu o mesmo antes. Para uma maior clareza, devem perguntar: «O que eu percebi do que me disseste foi... Está correto?»

Esta não é uma altura para retaliar ou resvalar para acusações, como, por exemplo, «Nunca me ouves», «Não te oiço, porque estás sempre a queixar-te», «Estou sempre a queixar-me, porque não me ouves». A ideia é simplesmente tentar compreender o que o outro está a dizer. Se não conseguir lembrar-se do que disseram (provavelmente porque costumamos não querer ouvir), aponte tudo o que for dito.

• Etapa 3: Utilização da palavra «eu»

Agora, o ouvinte responde expressando como se sente relativamente ao que acabou de escutar. Não utilizem o acusatório «tu», como em: «Tu estás sempre a queixar-te de tudo.» Limitem-se aos sentimentos: «Quando dizes isso, sinto-me desamparado/culpado/zangado/aliviado...»

• Etapa 4: Troca de papéis

Repitam o exercício, invertendo os papéis: o ouvinte passa a falar, o que falou passa a ouvir.

• Etapa 5: Resolução

Discutam sobre o que cada um pode fazer para acomodar as necessidades do outro, deixando que as ideias circulem livremente. Perguntem-se o que seria preciso emocional, física e financeiramente para satisfazer as necessidades um do outro. Se ambos tomarem uma decisão, discutam quem fará o quê. Se ambos decidirem que gostariam de viajar, decidam quem escolhe o hotel. Quem faz as reservas? Quem planeia como chegar ao destino? É melhor definirem as regras agora, antes que caiam em hábitos antigos.

• Etapa 6: Revisão

Digam um ao outro como se sentiram com o exercício, tentando ser positivos. Digam coisas como «Gostei da forma como lidaste com aquilo quando começou a ficar conturbado», em vez de «Por uma vez, conseguiste não tagarelar».

Nota: Se a determinado momento, durante o exercício, perceberem que as coisas estão a caminhar em direção à rotina habitual ou que as emoções estão a escalar, façam uma pausa. Cheguem a acordo sobre uma altura em que possam tentar novamente o exercício ou procurem um terapeuta que saiba como manter a estabilidade quando os parceiros têm conflitos.

Exercício 2: Utilizar os Olhos como Uma Âncora

Ash Ranpura é neurocientista e neurologista clínico. Tirou o bacharelato em Neurobiologia Molecular em Yale, formou-se em Medicina no Medical College of Ohio e doutorou-se em Neu- rociência Cognitiva na University College London, onde também ministrou cursos de mestrado em Estatística e Métodos de Investigação. Conduziu investigações sobre aprendizagem e autismo na University of California, em São Francisco, antes de regressar a Yale para completar a especialidade como médico neurologista. Enquanto médico, observa pacientes com distúrbios pouco comuns, que se enquadram entre as disciplinas de Neurologia e Psiquiatria, e já tratou tudo, desde parasitas no cérebro a paralisia histérica.

Se está com alguém que o enfurece, pode utilizar os seus sentidos como uma âncora para arrefecer os ânimos e evitar retaliar ou explodir. Utilizo o meu sentido da visão quando estou prestes a rebentar. Concentro a minha atenção num traço do rosto da pessoa: sobrancelha, narina (concentre-se na região perto dos olhos, para que sintam que está a prestar atenção). Ao concentrar-se na forma, cor, textura, densidade da sobrancelha, fica em modo de deteção, e pensamentos como «Detesto esta pessoa», «Ele está a mentir», «Ela está a enganar-me», «Quero o divórcio...» dissipar-se-ão. Sempre que sentir que está prestes a explodir, concentre-se na sobrancelha do seu interlocutor.

Também pode fazer isto prestando atenção ao som da voz do outro, em vez do conteúdo real das suas palavras. Ouça-o como escutaria uma música ou um som ambiente, o volume, o tom, as notas, a qualidade e o silêncio entre as notas. Fique com a música, não com a letra. Quanto mais enfurecidos ficarem, mais a conversa se assemelhará a uma ópera ou a um local de construção. Se conseguir manter a atmosfera estável, ao focar-se na visão ou no som, no final, não terão nada com que retaliar.

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Exercício 3: Quem Sou Eu?

Cada um de nós é constituído por muitas personas. A minha lista é interminável: a personagem que desempenho pode mudar centenas de vezes por dia em função da situação. Eis alguns dos rótulos que dei a algumas das minhas personalidades:

— a vítima;

— a agressora;

— a executora;

— a otimista;

— a pessimista;

— a exausta;

— a indefesa;

— a progenitora;

— a criança.

• Tome nota de algumas das suas personas. Não analise o motivo por que as tem, apenas familiarize-se com elas. Com a consciência que advém da prática de mindfulness, consegue indicar qual é a personagem que está a desempenhar em qualquer altura. Se conseguir observar o seu papel, não ficará à mercê deste — estará ao comando. Quando sabe onde tem a mente, pode decidir se quer manter o papel ou alterá-lo para alguém mais adequado.

• Com o correr do tempo, tornar-se-á mais fácil reconhecer e aceitar as próprias personas negativas e positivas, bem como as personas dos outros. Quanto mais se conhecer a si próprio, melhor compreenderá os outros. Se, por exemplo, estiverem em modo diabólico, opte por mudar para o seu modo adorável e, então, o outro mudará para o seu próprio modo adorável (assim se espera, pelo menos).

• Faço isto com o Ed. Se eu estiver num estado implicativo e o informar disso, ele sabe que não deve dizer-me que a caldeira está estragada e que precisa de arranjo. O Ed sabe que fico furiosa. Se lhe disser que estou numa persona simpática, ele sabe que é a altura oportuna para me dar más notícias. Até é possível que eu responda: «Caldeira avariada? O que importa isso?»