No início do filme “O Sexo e a Cidade 2”, a personagem de Carrie (interpretada por Sarah Jessica Parker) encontrou finalmente o seu final feliz. Depois de anos numa relação conturbada com Mr. Big (Chris Noth), e de até ser abandonada no altar na longa-metragem que se seguiu ao final da série, Carrie estava finalmente casada com o amor da sua vida e tudo corria às mil maravilhas. Isto, claro está, até ter tirado dois dias para trabalhar no seu velho apartamento e ser confrontada com uma ideia do marido, que lhe sugere se não seria benéfico para o casamento de ambos tornar esses dois dias de folga por semana algo permanente.

No filme, a solução acaba por ser abandonada pelo casal, mas não sem antes Carrie ter discutido a sugestão de Mr. Big com as amigas mais próximas. As opiniões dividiram-se: enquanto uma achou a pior ideia do mundo e questionou se ele não estaria a afastar-se, outra achou a sugestão incrível, dado que dava tempo a ambos para as suas atividades e até podia oferecer novo vigor à relação.

E é esta a grande questão: será o espaço num relacionamento algo bem-vindo, que permite ao casal ter tempo para os amigos e para si mesmo, ou é sempre sinónimo de desinteresse, afastamento ou até de uma terceira pessoa? Inês Chiote Rodrigues, psicóloga clínica, é categórica na sua resposta e considera o espaço individual, em que contexto for, bom e positivo.

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Ter tempo para si pode torná-lo num parceiro melhor

Antes de estar numa relação, já esteve sozinho. E independentemente da longevidade do seu atual relacionamento, Inês Chiote Rodrigues reforça que a pessoa que deve querer agradar mais é a si mesmo. “O que se quer numa relação saudável é que, apesar da vida a dois, se tenha noção da vida de cada um. Antes de querermos agradar, apoiar e dar ao outro, é preciso fazê-lo connosco próprios”, diz à MAGG a psicóloga, que alerta para os perigos de se anular ou viver em função de outra pessoa.

Quem nunca morreu de saudades do companheiro depois de apenas dois dias fora que atire a primeira pedra. E por mais ridículo que possa parecer sofrer com a ausência curta de alguém com quem convivemos diariamente, a verdade é que não é assim tão pouco comum.

“Por vezes, quando estão embrenhados nas rotinas do dia a dia, os casais acabam por ter dias iguais, sem grande novidade, habituando-se à companhia um do outro sem a valorizarem”, explica à MAGG a psicóloga Inês Chiote Rodrigues.

Mas quando existe um momento de quebra nessa rotina, como uma viagem de trabalho, por exemplo, tal pode criar saudade e “pode existir uma sensação de falta em relação à outra pessoa, criando uma motivação extra para fazer um plano diferente a dois e até repensar a própria relação”. 

De acordo com a especialista, se não prestar atenção às suas próprias necessidades através de tempo para si (sejam saídas com os amigos, umas horas no centro comercial para renovar o guarda-roupa, uma ida ao cinema ou simplesmente uma tarde em casa para pôr a leitura em dia), a relação pode ressentir-se.

“Quando nos esquecemos de nós e ignoramos as nossas necessidades, isso reflete-se, mais tarde ou mais cedo, na saúde da própria relação”, afirma Inês Chiote Rodrigues, que salienta que “todos nós somos seres com necessidades psicológicas. Precisamos de tempo para entender o que sentimos e o que precisamos para agirmos em conformidade. Quando não o fazemos, chegamos a um ponto de exaustão, dado que existem uma série de carências que precisamos urgentemente de preencher”.

Os amigos, por exemplo, podem ser uma ótima ferramenta para voltar a entrar em contacto consigo mesmo, dado que é provável que algumas destas pessoas o conheçam antes de ter iniciado a sua relação atual.

Mas a psicóloga alerta para as intenções que o levam a querer passar tempo com o seu grupo de amigos. “Se estes encontros forem feitos tendo em conta as necessidades individuais, como a necessidade de lazer e o fortalecimento e manutenção dos laços interpessoais, então são benéficos”, explica Inês Chiote Rodrigues, que avisa que a relação a dois não deve passar para segundo plano em detrimento destes.

Quando o tempo passado com os amigos é desejado “sem existir também uma necessidade de ter momentos a dois e fazer planos em conjunto, mais do que uma preferência pelos amigos, tal pode sinalizar uma insatisfação com a relação que a faz desaparecer da lista de necessidades — e em qualquer relação ambos os elementos precisam de sentir que são importantes um para o outro e que o relacionamento é uma prioridade”.

Há tempo para tudo: para o casal e para o espaço individual

Inês Chiote Rodrigues explica que o espaço num relacionamento é bom, “desde que tenha como objetivo o desenvolvimento da relação connosco mesmos”, e não uma fuga ou a tentativa de evitar uma relação ou pessoa. Tal como salienta a especialista, “todos nós precisamos de sentir que temos uma área delimitada e distinta que só a nós nos pertence”, sendo esta nos permite parar e entrar em contacto connosco. Ainda assim, alerta, "o espaço só é sinónimo de tal quando o ou os elementos do casal tratam esse tempo e espaço precisamente como forma de se afastarem”.

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Por mais que seja assustador ouvir do parceiro que este deseja espaço, a psicóloga clínica salienta que tal não tem de ser algo negativo ou um presságio de desgraça da relação, mas antes uma forma do casal ter tempo para si, individualmente.

Existe um espaço ao qual pertencem ambos os elementos do casal, "e a que corresponde o tempo passado juntos (atividades focadas na relação), os projetos a dois, a partilha e os planos relacionados com o crescimento e amadurecimento da relação”, recorda Inês Chiote Rodrigues. Mas existe também um espaço individual que pertence a cada um dos elementos e a que corresponde o tempo para si mesmo (atividades focadas em si e nas suas próprias necessidades), projetos individuais (profissionalmente, por exemplo) e planos relacionados com o seu desenvolvimento enquanto indivíduo.

(artigo publicado em 2018)