Entra-se na época de exames e é para os bons resultados escolares que se canalizam as atenções. As atividades desportivas colocam-se de parte. Os pais, regra geral, permitem, porque o tempo não estica e é preciso estudar para ter boas notas. Mas está cientificamente demonstrado que o exercício físico é fundamental para o cérebro, para o desenvolvimento cognitivo e para uma gestão saudável de emoções, tão importante neste período, a que facilmente se associam o stresse, o medo e a ansiedade. Mas será que longas horas de estudo, sem interrupções, promovem uma concentração igualmente prolongada? Importante: não será o desporto uma forma de estimular as boas notas?

O professor e investigador da Faculdade de Motricidade Humana, presidente da Sociedade Portuguesa da Psicologia do Desporto, Duarte Araújo, não vê nenhum motivo para se cessarem as práticas desportivas em épocas de exames. A psicóloga Conceição Teixeira concorda: “É precisamente o contrário. As rotinas são importantes, sobretudo esta de praticar exercício, porque desenvolve aspetos físicos e emocionais fundamentais”, diz a terapeuta especializada em crianças e adolescentes. “Ficam mais bem dispostos, com melhor rendimento, mais capacitados e concentrados. Há o erro de se considerar uma atividade menor, quando devia manter-se mesmo em época de exames”, acrescenta.

Mas porquê? O que é que acontece ao cérebro?

Os ingleses, como refere Duarte Araújo, referem-se ao exercício como “ the best buy” (melhor compra), porque se juntam, numa só atividade, uma série de benefícios, que são relevantes a nível físico e psicológico, condicionando de forma transversal os contextos em que cada indivíduo se insere.

“A atividade física permite-nos conhecer o que está à nossa volta e tem repercussões em todos os contextos. Mantém-nos ativos e com uma solicitação superior de todas as funções através das quais nos desenvolvemos”, refere o investigador. O desenvolvimento das competências estão longe de se cingirem às físicas. O cérebro é altamente influenciado, e, consequentemente, as funções cognitivas e a saúde psicológica.

O desporto ensina que em vez de estarmos focados no que acontece se falharmos, devemos concentrar-nos na tarefa em si e não naquilo que pode correr mal".

Segundo o investigador, vice-presidente do conselho científico da Faculdade Motricidade Humana, a ciência já comprovou que o exercício físico desencadeia no cérebro três acções fundamentais para um bom rendimento escolar — e não só — ao torná-lo mais rápido, preservar as suas capacidades e aumentar a sua elasticidade.

Desencadeia a neurogénese, que faz com que se crie mais massa cinzenta, pelo aumento de células cerebrais. Desencadeia e sinaptogénese, que resulta na criação de mais ligações entre os neurónios e a angiogénese, que aumenta o número e o tamanho das células de que se alimentam os neurónios, fazendo com que eles tenham todos os recursos para funcionaram mais e melhor.

A Confederação Portuguesa do Yoga é responsável pelo programa Yoga e Exames Sem Stress que se reflete na organização de sessões em universidades e escolas na época das provas. Diana Casals, diretora do Departamento Jovem, explica à MAGG que esta prática é importante na redução e gestão do stresse e ansiedade, aumento de concentração, refletindo-se consequentemente num maior aproveitamento escolar e melhores notas.

Nestas sessões, são utilizadas as 14 disciplinas do yoga, com principal destaque para três no sucesso nas notas. Os exercícios respiratórios (pranayama), que permitem tirar maior rendimento da respiração, ao ensinarem a utilizar o pulmão de forma mais eficaz. “Quando há mais oxigénio, há mais vitalidade, energia e maior controlo emocional.” Há a disciplina mais física (os asanas), que fornecem maior autoconfiança e capacidade de superação, fomentando também as capacidades respiratórias através dos movimentos invertidos, em que a cabeça fica virada para baixo. Por último, e muito importante, a meditação (Pratyáhára), que é a “disciplina técnica mais importante”, por fazer um treino forte na capacidade de concentração e de trabalho.”

O impacto do desporto nos processos cognitivos é grande. E há três consequências maiores que jogam muito a favor de um aluno: ao praticar atividade física, ele tornar-se-à mais atento, será capaz de concentrar-se e de gerir essa mesma atenção por diferentes tarefas, conseguindo “transitar de uma para a outra” com maior facilidade, como explica Duarte Araújo. Desenvolve a memória de trabalho — a de curto prazo — necessária para se realizarem as tarefas no momento, mais ampla e presente. Terá ainda uma forte flexibilidade dos seus recursos cognitivos, o que significa que será capaz de organizar o tempo de forma eficiente, racionalizar de forma objetiva os assuntos, planificar e encaixar todas as atividades no dia, estando concentrado nas “suas competências e não na possibilidade de falhar”.

“O desporto ensina que em vez de estarmos focados no que acontece se falharmos, devemos concentrar-nos na tarefa em si e não naquilo que pode correr mal”, explica Duarte Araújo. Esta aprendizagem não fica no campo de futebol, de basquete ou de ténis. A criança, adolescente ou jovem, leva-a para a sala de aula. “Sermos capazes de pensar naquilo que estudámos será muito mais eficaz do que pensar nas consequências de uma má nota.”

O exercício físico assume também uma importância crucial na época das provas escolares, porque tem um efeito regulador nas emoções, evitando que estas se tornem disfuncionais, com défices ou excessos. Ajuda a saber lidar com os cenários negativos, que nascem do medo de falhar. Dentro destes sentimentos, são comuns o stresse e a ansiedade. O exercício ajuda a regular a fisiologia do sistema nervoso mantendo o bom funcionamento de neuromediadores como a dopamina (ligada à concentração e motivação), a noradrenalina (relacionada com a adrenalina, como se fosse o seu contrapeso) e, sobretudo, a serotonina, ligada à regulação da depressão e aumento da felicidade.

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De forma não isolada, porque todas as componentes do corpo estão ligadas e influenciam-se, há ainda que considerar os benefícios psicológicos do desporto numa criança ou adolescente. Basta pensar que a atividade física implica uma progressão que é visível. O adolescente aprende a driblar, mas aprende também a melhor forma de utilizar o corpo para tirar o melhor partido deste movimento.

A confiança e a mestria são, assim, trabalhadas: “A percepção evidente da progressão reforça a noção de que conseguimos atingir o objectivo que queremos atingir. Não só [a atividade física] ajuda a regular o sistema nervoso, como, a nível psicológico, ensina a ultrapassar os objectivos que temos pela frente. Somos responsáveis pela nossa  própria superação, por alcançarmos objetivos, vermos formas de ter sucesso naquilo a que nos propomos”, refere o investigador.

A psicóloga Conceição Teixeira nota que os alunos que treinam futebol à noite “dormem bem e estão bem”. Acredita que o desporto tem um fator “de protecção em relação à ansiedade, ao stresse, ao funcionar como escape para estes sentimentos.”

Mas todos os exercícios são iguais?

Todo e qualquer tipo de exercício é válido e saudável. De acordo com Conceição Teixeira e Duarte Araújo, aquilo que interessa é que o jovem goste e tenha prazer na sua realização. Todos os desportos têm vantagens. Todos ajudam a gerir as emoções, desenvolvem as capacidades cognitivas e neuronais. Todos desenvolvem o corpo e a consciência do mesmo.

No entanto, diferentes desportos poderão também potenciar diferentes competências. A lógica é simples de entender. “Os desportos coletivos com bola tendem a facilitar muito aspetos de estratégia ou de tomada de decisão. Também ajudam a pensar com o corpo todo. Por exemplo: mais do que saber driblar, é saber como é que o drible me permite ultrapassar o adversário. Na corrida, aprende-se a gerir os ritmos da atividade, a gerir o esforço ao longo de determinado tempo, que são competências muito importantes”, diz Duarte Araújo.

Segundo o investigador, idealmente praticar-se-iam diferentes modalidades para estimular capacidades distintas, de forma e tirar partido de todos os seus benefícios, quer cognitivos, quer físicos.

“A alternância de modalidades tem vários benefícios, até para o corpo, reduzindo-se a ocorrência de lesões e permitindo uma robustez física maior, uma vez que o corpo é solicitado de diferentes formas.”