A espera durou três anos. A espera durou 12 anos. A espera foi uma vida inteira. Mas viver também é saber esperar. Os Da Weasel voltaram, enfim, aos palcos. E, com eles, voltou um País inteiro, que não é o mesmo, mas que há-de ter lá dentro ainda um bocadinho de Da Weasel.

A música, para quem assiste, nunca é só música. São memórias, são momentos, são associações que fazemos a acontecimentos que nos marcaram, mortes, amores, desilusões, alegria, dor. Os Da Weasel fazem parte da minha vida, como da vida de milhares de portugueses que cresceram na década de 1990 e, agora nos seus trintas, quarentas e cinquentas, são outros que não os mesmos. Mas que ali, naqueles 90 minutos, no Passeio Marítimo de Algés, talvez se tenham redescoberto, renascido, reencontrado algo que ainda são.

Ter acesso a cultura, em 2022, é infinitamente mais fácil do que em 1995. Para começar, há a internet, a porta para o Mundo, que tudo mudou e democratizou o alcance e a partilha de todo o tipo de conteúdos. Depois, há toda uma nova postura relativamente à música portuguesa e em português, das discográficas, das rádios, dos promotores de espectáculos, do público, o que faz com que seja muito mais fácil ver um concerto de uma banda portuguesa do que era há três décadas. Naquela altura, além de extremamente caros, os concertos eram raros. Quem queria ver um grande nome da música ou ia ao Porto, ou a Lisboa. Quem não tinha possibilidades para isso estava limitado à televisão, à rádio e às lojas de discos.

Cresci em Oliveira de Azeméis, uma pequena cidade do litoral industrial. Perto o suficiente de um grande centro urbano, longe o suficiente de um grande centro urbano, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Nessa altura, reinava o grunge, o rock, os Nirvana, os Pearl Jam, os rapazes giros da escola de cabelos compridos, a imitar o Kurt Cobain e o Eddie Vedder. Eu, que nunca pertenci ao grupo dos fixes da escola, não entendia aquela melancolia, aquelas guitarras, aquelas letras cheias de dor, não entendia o culto. Não era aquilo que eu queria ouvir. Ouvia pop (má) e, sem ter grandes referências do que era o hip hop, reggae, soul, Black Company, Mind da Gap, Kussondulola, Blackout. E os Da Weasel.

"Toda a gente critica o telemóvel do vizinho
Mas no fundo toda a gente queria ter um igualzinho
Toda a gente grita: Todos diferentes todos iguais!
Mas se calhar há uns quantos bacanos a mais"

("Toda a Gente", "3º Capítulo", 1997)

A raiva do hip hop é diferente da tristeza do grunge. Há uma força vital na crítica, na ironia, há uma efervescência no sarcasmo, na cadência frenética das palavras, no poema, uma energia primária e, ao mesmo tempo, uma elegância, que não são comparáveis com outro género musical. "Dúia" terá sido a primeira música que ouvi. Talvez no "Top+", talvez na Antena 3. Depois, "Toda a Gente", numa altura em que um Portugal endinheirado, na antecâmara dessa grande montra para o mundo (será que foi?) que foi a Expo 98, exibia os seus tijolos móveis na mesa do restaurante. A glória fátua da riqueza momentânea, um momento vivido por uma adolescente que sabia que não era ali que queria estar.

"Todo o mundo há-de ouvir
Todo o mundo há-de sentir
Tenho a força de mil homens
Para o que há de vir
Vai haver um outro alguém
Que me ame e trate bem
Vai haver um outro alguém
Que me ouça também
Vai haver um outro alguém
Que faça valer a pena
Vai haver um outro alguém
Que me cante este poema"

("Força", "Re-Definições", 2004)

Os Da Weasel representavam, à distância, a possibilidade de outra realidade. A vida urbana, outras palavras, a cidade. Não sei se nunca calhou ou se me esqueci, mas nunca os vi ao vivo na primeira vida deles. A vida seguiu, eu tinha outros planos, e mudei-me, enfim, para a grande cidade. Para Lisboa, a cidade que encerra em si tantas cidades e que não é só Lisboa. Foram precisos muitos anos (e serão precisos muitos mais) para que eu, estrangeira nesta terra, entendesse que esta cidade é feita de muitas aldeias e de muitas gentes.

Foram precisos muitos anos para entender o que são as duas margens, que a Margem Sul não é só o outro lado do Tejo, e que mesmo ali há várias margens. A contracultura, "os outros", dos quais os Da Weasel fazem parte, a força braçal vs. o capital, o protesto vs. o status quo, a Festa do Avante vs. A Festa do Croquete.

"Muda o teu número, eu mudei o meu,
Muda o teu número, eu mudei o meu,
Muda o teu número, eu mudei o meu,
Muda o teu Mundo que eu mudei o meu."

("Mundos Mudos", "Amor, Escárnio e Maldizer", 2007)

Desamores e música, força motriz e catalisador. Cada um tem a sua banda sonora, a música ao som da qual chorou na almofada. A canção do coração partido, a melodia do desalento. "Mundos Mudos" é o som da minha alma desfeita ("muda o teu número, eu mudei o meu"), mas o bom de viver é que a dor se vai desvanecendo e, se tivermos sabedoria para isso, e a música for boa, continuaremos a apreciá-la por aquilo que ela é: uma criação que nos (co)moveu. Que nos fez parar ou seguir em frente. A raiva é mais forte do que a dor. Faz mexer. Sempre me impediu de ficar parada. De me conformar.

"Todo o mundo há-de ouvir
Todo o mundo há-de sentir
Tenho a força de mil homens
Para o que há de vir
Vai haver um outro alguém
Que me ame e trate bem
Vai haver um outro alguém
Que me ouça também
Vai haver um outro alguém
Que faça valer a pena
Vai haver um outro alguém
Que me cante este poema"

("Força", "Re-Definições", 2004)

Eu não era para ter estado neste NOS Alive, ou em qualquer outro festival. Viver com ataques de pânico e com transtorno de ansiedade generalizado implica abdicar, nem sempre por vontade, de sítios com multidões, de grandes espaços abertos, de tudo aquilo que fuja ao nosso controlo. Essa tem sido a minha vida desde 2017 e também a minha luta. Depois do hiato da pandemia (um paraíso para quem sofre destas fobias sociais), impunha-se escolher: voltar a viver ou morrer aos poucos, ainda que metaforicamente. E eu escolhi viver. Eu queria muito poder testemunhar este regresso dos Da Weasel, que pretensiosamente comparo a um regresso meu. O regresso à vida, a vitória sobre os medos e os fantasmas, o poder voltar a abraçar e a beijar amigos, conhecidos e colegas, estar horas no meio de pessoas sem fugir para o abraço viciante da solidão.

Este sábado, antes do concerto, a banda deu uma conferência na sala de imprensa. Um espaço ao ar livre, com uma esplanada, um sítio para descansar das horas infinitas (e do calor inclemente. Tanto calor nestes quatro dias!) a palmilhar o recinto. Sentei-me no chão, pernas cruzadas, à frente das câmaras dos repórteres de imagem. E, de repente, eu tinha 15 anos. E eles ali estavam, de quinas ao peito, homens feitos nos seus 40 anos, mas a sorrir como se o tempo não tivesse passado. E eu sorri também, e os meus colegas também sorriam, e havia uma energia eletrizante no ar, uma alegria quase pueril, uma expectativa feliz.

"Eles amanhã não se mexem!", dizia eu à minha colega Carla Ventura, também nós afogueadas de tanto salto ao longo de 90 minutos. Já não temos 15 anos, mas podemos ter 15 anos, se ter 15 anos significar continuar a ser inconformado.

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A tuga acredita em predestinação, no Fado, no "tinha que ser". O sebastianismo não se nos descola da pele, tanta vezes nos impedindo de avançar por caminhos mais luminosos e racionais. A nossa ciclotimia fez-nos, século sim, século não, década sim, década não, viver em euforia ou em tragédia, em marasmo ou em sobressalto, possantes na conquista, amedrontados na derrota. O regresso dos Da Weasel - digo eu, a portuguesa, que acredito no misticismo desta Nação, ora tão gloriosa ora tão patética - estava predestinado. Eles voltaram para nos relembrarmos de que estamos vivos. De que podemos ser o que fomos, com outra sabedoria. De que podemos não cruzar os braços, de que podemos não aceitar.

"Nós não temos que, mas podemos se,
dá me tempo para que, te mostre quem sou
o toque acusou, fez-se música cantou
Para te mostrar quem sou uoh uoh uooh"

("Toque-Toque", "Amor, Escárnio e Maldizer", 2007)

Nota final: um agradecimento especial ao July (fotoverdiano), que, durante estes quatro dias, foi também companheiro de trabalho no NOS Alive. Ele também faz parte da história dos Da Weasel.