Indeciso sobre o que será o jantar hoje? Há sempre um livro com várias sugestões de receitas para escolher. Incapaz de lidar com o stresse diário? Há também vários livros sobre isso e com técnicas práticas para começar a adotar o quanto antes. Com vontade de mudar para uma alimentação mais saudável? Adivinhou, há um livro para isso. Há um livro (na verdade, há vários) para resolver qualquer problema, dúvida existência ou dilema pelo qual esteja a passar.

Mas depois há também os hilariantes, os deprimentes, os disparatados que não só não têm qualquer validade como prometem objetivos concretos através de métodos, à falta de melhor termo, vazios.

É o caso deste "Feitiços de Amor", editado em Portugal pela Farol, e da autoria de Semra Haksever, uma estilista de moda que, em certo momento da sua vida, lançou uma coleção personalizada de velas, poções perfumadas e organizou workshops sobre como fazer feitiços e cerimónias de manifestação à lua para ensinar os seus seguidores a invocar poderes. Com muitas pontinhos de interrogação a surgirem-lhe na cabeça? Nós também.

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Neste livro, de 143 páginas, a autora promete oferecer soluções para tornar a vida dos leitores mais romântica. Como? Através de "poções, rituais e feitiços de fácil execução".

Desde expulsar um ex-companheiro da sua vida a potenciar uma "ajudinha" para ajudar o seu parceiro a "ultrapassar as inibições", vale tudo. E uma das "receitas" sugeridas pela autora surge com o título: "Superpoder nas rapidinhas".

Os pontos de interrogação continuam? Vamos tentar perceber isto juntos.

O "feitiço sexual escaldante"

Se quiser transformar "o seu amado ou a sua amada num fenómeno na cama", a autora diz serem essenciais estas quatro ferramentas: um papel, uma caneta, uma pitada de malagueta em pó e uma vela vermelha. Com o papel e a caneta, terá de escrever o nome do parceiro e polvilhar a malagueta em pó por cima.

Depois disso, escreve a autora, "acenda uma velha vermelha ao lado e prepare-se". Para o quê? Estamos a falar de "um fenómeno" de que dimensões? E se não acontecer nada, podemos reclamar? A quem? Há quem acredite nisto? Se sim, porquê? Mais pontinhos de interrogação.

A "benção do deslize do dedo para aplicações de encontros"

Este segmento do livro começa assim: "As aplicações de encontros para telemóveis podem dar trabalho." Oi? Como disse? É, literalmente, instalar a aplicação e começar a fazer swipe. Não cansa, é imediato e é exatamente o tipo de experiência que os utilizadores destas plataformas procuram. Se isso depois dá azo a relações profundas ou não, é indiferente.

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Mas o problema da autora é outro. "Com tanto por onde escolher, pouco se aproveita", como se andar ao swipe de um lado para o outro fosse como ir ao supermercado à procura do melhor desconto. O objetivo, portanto, é "abençoar com compaixão os deslizes do dedo no ecrã e permitir que isso abra caminho até algumas relações plenas de magia." O Luís de Matos está solteiro? Ehehehe, piada fácil. Mas só assim se torna tolerável...

Vamos à "receita" sugerida pela autora: uma pitada de de pimenta-da-jamaica, uma pitada de tomilho seco, cinco cravos-da-índia inteiros, cinco gotas de óleo essencial de rosa, almofariz e pilão e um disco de carvão quente e prato resistente ao calor. Enquanto junta todos esses ingredientes, deve dizer em voz alta o tipo da pessoa que gostaria de conhecer — mas devagar, e com poucos critérios para que — seja lá quem for — seja capaz de registar o seu pedido, tal e qual um café.

O "banho de chamamento do amor"

Se não quiser ir para o Tinder, vá para a casa de banho. Não somos nós que o dizemos, mas sim Semra Hawksever: "Visualize a água a agir como um enorme íman que atrai o amor para si." Aqui nem precisa de tentar procurar o par perfeito. Basta tomar banho em água misturada com dez gotas de óleo de lavanda, cinco gotas de óleo de jasmim e uma mão-cheia de pétalas de rosa. Ah, e velas, claro.

"Quando sair do banho, perceba que a água que escoa está a levar o pessimismo e a deixar espaço para o positivismo e a luz". Ok.

O "feitiço para expulsar um ex"

Este "feitiço" serve para cortar todas as "ligações emocionais quando já não desejar que determinada pessoa ocupe o seu pensamento". E se antes isso fazia-se através da quebra de laços através das redes sociais (nunca o botão de bloquear deu tanto jeito), agora isso não chega. Que ideia estúpida, essa de limitar o contacto com uma pessoa que nos fez mal.

A autora sugere um método infalível: pôr a imagem da pessoa, mas também vale o nome — é engraçado ver que por vezes há um rigor extremo nas "receitas", enquanto noutras é como der jeito —  no centro de um pano preto e, de seguida, juntar sal preto com a mão não dominante.

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Porque é que não pode ser a mão dominante? E tem de ser com a mão? Não se pode deitar diretamente para o pano? Porquê? Incomoda quem? Tantos detalhes cansam uma pessoa.

"Cosa o pano com uma agulha e a linha, despeça-se e enterre-o longe de sua casa". Tenho para mim que este livro é uma estratégia cuidadosamente engendrada da autora para pregar partidas aos amigos, filmar e partilhar os vídeos embaraçosos no YouTube. Nesse processo, calhou alguém ter visto e pensar: "Podíamos fazer dinheiro com isto." E fizeram, porque um livro é um best seller.

O "superpoder nas rapidinhas"

Esta é sugestão para quem quiser dar uma "ajudinha ao parceiro a ultrapassar as suas inibições na cama". Como? Com um cristal de quartzo fumado e um cristal de cornaliza vermelha. E faz-se assim. Aprenda, estimado leitor: "Coloque os dois cristais debaixo das almofadas antes de irem para a cama e a noite será uma loucura."

A haver loucura, só se for das pontadas que sentir de cada vez que a cabeça roçar na almofada e bater num dos cristais.

Enfim.