Estamos a meio de 2023, mas vamos dar aqui um salto de fé e arriscar dizer que dificilmente existirá uma data tão aguardada este ano no que diz respeito aos cinéfilos. Falamos desta quinta-feira, 20 de julho, dia em que as salas de cinema portuguesas recebem, simultaneamente, dois dos filmes mais esperados dos últimos tempos.

De um lado, "Oppenheimer", a longa-metragem (e, acreditem, é mesmo longa) de Christopher Nolan que explora a vida e carreira do físico norte-americano J. Robert Oppenheimer, conhecido por ser o pai da bomba atómica. Do outro, "Barbie", o filme realizado por Greta Gerwig sobre a boneca mais famosa de sempre, e que tem causado uma febre de merchandising e produtos, com dezenas de marcas a quererem associar-se a esta estreia — basta olhar para a loucura na Zara do Colombo.

"Barbie" VS. "Oppenheimer". 18 filmes icónicos que também partilharam a data de estreia
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É verdade que, à primeira vista, nada une estes filmes além da data de estreia. O que não impediu o frenesim com o fenómeno Barbenheimer, com dezenas de cartazes e memes a juntarem estas obras tão diferentes, mas cuja coincidência no dia em que chegam aos cinemas foi suficiente para inspirar esta corrente.

No entanto, e porque uma sessão dupla no mesmo dia deveria estar fora de hipótese a bem do seu rabo (repetimos, só contando com o filme de Nolan, já iria passar bastante tempo sentado), qual é que vale mais a pena ver primeiro? Para que possa decidir com todos os dados, enviámos dois jornalistas da MAGG até ao cinema para ver "Oppenheimer" e "Barbie", e contamos tudo já a seguir.

Ah, é verdade. Mesmo não querendo revelar tudo, há alguns spoilers a caminho, por isso veja lá da sua vida e não diga que não avisámos.

"Oppenheimer" (Catarina da Eira Ballestero)

Vou já direta ao assunto num tema que pode ajudá-lo a decidir não só qual filme ver primeiro, como a hora da sessão escolhida: "Oppenheimer" tem três horas de duração. Nem mais, nem menos, 180 minutos certinhos. E embora os fãs de Christopher Nolan já estejam habituados a longas-metragens — lá está — longas, o mais recente filme do realizador consegue até ultrapassar "Interstellar", com a duração de 2 horas e 49 minutos. Por isso, esqueça lá meter-se no cinema a seguir às 22 horas, a não ser que tenha dormido uma boa sesta.

Sou uma fã de Nolan? Sou sim senhor, apesar de as minhas altas expetativas com "Oppenheimer" estarem assombradas pelo descarrilar monumental que foi "Tenet", em 2020. Dizem-me que o filme merece uma segunda visita para perceber mais a mensagem e o que raio é que se estava a passar ali, mas o stresse pós-traumático é tal que não quero voltar a lembrar-me de que perdi duas horas e tal da minha vida numa salganhada de saltos no tempo para chegar ao fim e não perceber, afinal, o que era "tenet".

Porém, estava de coração aberto porque, convenhamos, "Oppenheimer" abre com um elenco de luxo. Para além de Cillian Murphy como J. Robert Oppenheimer, temos nomes como Matt Damon, Emily Blunt, Florence Pugh, Robert Downey Jr., Rami Malek, Casey Affleck, Kenneth Branagh e até um Josh Hartnett que surge décadas depois de "Pearl Harbor", com um aspeto tão impecável que percebo o porquê de ter sido o protagonista do único poster que tinha no meu quarto de adolescente.

O filme segue a vida de J. Robert Oppenheimer desde a sua primeira experiência na faculdade até a uma distinção presidencial anos depois da criação da bomba atómica, mas salta entre vários momentos temporais, focando-se em três fulcrais: a criação da bomba atómica no âmbito do Projeto Manhattan, maioritariamente desenvolvida no deserto de Los Alamos; uma espécie de comissão de inquérito ao próprio Oppenheimer, onde este descreve a sua carreira; e ainda numa audição de confirmação de Lewis Strauss (interpretado por Robert Downey Jr.) para integrar o executivo dos Estados Unidos.

Intercalados com outros, estes três destaques passam-se em momentos temporais diferentes, e apesar da escolha de Nolan em filmar a audição e a comissão de inquérito a preto e branco (momento trivia: a Kodak desenvolveu a primeira tecnologia a preto e branco para IMAX, para que as imagens filmadas desta forma não perdessem qualidade em comparação com as a cores), para assim distinguir da ação dita principal, ao início, pode ser um pouco confuso.

Ok, é fácil perceber que Oppenheimer está a recordar a sua vida na comissão de inquérito, ou seja, num momento mais no futuro, mas é preciso entrar na lógica para entender outros dos momentos temporais e como tudo se interliga. Mas não desista, ao contrário da salganhada de "Tenet", vai tudo fazer sentido.

O filme é uma total experiência visual e de som, e vale todos os euros a mais a pagar para ser visto em IMAX. Nolan é um mestre no que diz respeito aos timings sonoros, e se num momento estamos a antever que vamos ficar surdos durante o teste da bomba em Los Alamos — até porque já sentimos as cadeiras do cinema tremer momentos antes —, e com uma antecipação brutal com a banda sonora e o relógio em contagem decrescente para o lançamento, ficamos com o coração em suspenso quando o mesmo chega ao zero. Num momento de total mestria, a sala fica em total silêncio, um silêncio mais alto que qualquer explosão. Mas ela chega.

Ao contrário de outros filmes do realizador, em que nos sentimos a viajar na maionese (vamos recordar o momento em que o espaço era afinal a parede do quarto da filha de Matthew McConaughey em "Interstellar" ou como chegar ao sonho dentro de um sonho que está dentro de um sonho no interior de outro sonho em "A Origem"), é relativamente fácil acompanhar a ação de "Oppenheimer", com mais ou menos conhecimentos de física. 

E desengane-se se acha que este é apenas e só um filme sobre a criação da bomba atómica. Mesmo depois de vermos o sucesso do projeto e a detonação nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki — e do conflito interior consequente que isto causa ao Pai da Bomba Atómica, como Oppenheimer foi apelidado pela revista "Time" —, a ação da longa-metragem consegue fazer-nos entrar numa espécie de novo filme, que segue então as jogadas de bastidores para descredibilizar o cientista.

É nesta fase do filme que Emily Blunt, que interpreta Kitty Oppenheimer, a mulher do físico, rouba completamente as atenções com as respostas certeiras, irónicas e assertivas numa cena de interrogatório. A atriz não tem dezenas de cenas até então, mas este é o momento dela e duvidamos que não mereça uma nomeação aos Óscares por esta sua interpretação.

No elenco dito secundário, o desempenho de Robert Downey Jr. é também brilhante e mostra que o ator é muito mais que o "Homem de Ferro", e é impossível ficar indiferente ao desespero interior representado no rosto de Florence Pugh ou ao também monólogo de Rami Malek que, embora com uma curta participação, deixa o seu marco neste filme.

Quanto a Cillian Murphy, faltam-nos adjetivos para caracterizar uma interpretação brilhante de um homem que não tem a certeza sobre se não terá destruído o mundo. Um desempenho que faz-nos esquecer os outros conhecidos papéis do ator e acreditar que estamos mesmo perante o atormentado Oppenheimer. E sim, a frase final do filme no diálogo com Einstein, numa cena a que voltamos durante as três horas e que é finalmente desvendada na ponta final da obra de Nolan, ainda nos está na cabeça. E também não temos a certeza da resposta, o maior cliffhanger de todos os tempos, que vai muito além de uma simples longa-metragem.

"Oppenheimer" é, sem dúvida, o filme do ano, um claro vencedor de Óscares e, acima de tudo, um murro no estômago. E estão mas é malucos se não forem a correr para o cinema. 

Pipocas: sim, mas cuidado para não as deixar cair quando a explosão finalmente for audível
Ver com: amigos com bexigas grandes (são 3 horas sem intervalo, caramba)
Estrelitas do filme: 5 (é o filme do ano, amigos)

"Barbie" (João Valadares)

barbie
créditos: Twitter

Enquanto seres humanos, temos a necessidade de arrumar tudo aquilo que se atravessa no nosso caminho em caixinhas. E eu, não sendo um extraterrestre, decidi colocar "Barbie" dentro de uma caixa cor-de-rosa e forrada com glitter, que chutei para canto, mesmo antes de ver o filme. Trocando por miúdos, e para quem não tem paciência para analogias, a lógica é esta: sempre achei a boneca glamorosa, mas insuficientemente interessante para se constituir como mote de um filme envolvente ou até revolucionário.

Mesmo com Margot Robbie e Ryan Gosling nos papéis principais e com a mestria de Greta Gerwig esparramada na realização e no guião, as expectativas eram poucas. Não estamos a dizer que estes nomes sonantes da indústria, aos quais se juntam outros, como America Ferrera, Emma Mackey e Michael Cera, não tenham jeito para a coisa, porque já nos mostraram do que são capazes em diversas ocasiões – olá, "Eu, Tonya", "La La Land" e "Lady Bird" –, mas porque, mais uma vez, continuávamos a percecionar a Barbie enquanto um bocado de plástico obsoleto e não como matéria para uma obra cinematográfica.

Depois de 1h54 de filme, cheguei a uma conclusão (e vou usar a frase mais cliché da história para simplificá-la): o problema não és tu, Barbie, sou eu. Sim, admito que estava redondamente enganado no que diz respeito a este projeto, que consegue ser um pouco mais do que leve e cómico, ainda que o seu objetivo primordial seja, invariavelmente, fazer-nos rir – de nós, dos outros, da sociedade, do mundo. E, agora, ultrapassado o nosso arco de redenção, é hora de saber de que é que este se trata.

A trama move-se tendo a vida perfeita da Barbie Estereotipada, a quem Margot Robbie veste a pele (com o brio a que nos tem habituado), como fio condutor. A boneca está feliz e contente no seu mundo utópico e de plástico com uma rotina imutável. Todos os dias acorda esbelta – não se engane, porque não vai ver Margot Robbie descabelada –, cumprimenta as outras Barbies e passa o dia com Ken, brilhantemente interpretado por Ryan Gosling, cujo trabalho é, apenas e só, estar na praia (e, vá, tentar com que esta demonstre uma pinga de interesse por si).

Estaria a cometer um erro crasso se não deixasse umas palavras de apreço à estética visual do filme, que, por si só, já faz valer a pena vê-lo no grande ecrã. As Casas de Sonho da Barbieland foram construídas impecavelmente e fazem qualquer um regressar à infância, aquela altura em que era impossível não desejarmos ter a sorte de viver numa versão em ponto grande das casas em que as nossas bonecas moravam. E nem vamos falar das festas animadas que lá têm lugar, que contribuem para o adensar dessa fantasia – o único ponto fraco é não haver cocktails (reais, pelo menos).

Mas porque a vida não é perfeita, também a de Barbie tem os dias contados para deixar de ser, já que começa a ter pensamentos sobre a morte, que não consegue reprimir. A partir daqui, o seu quotidiano na Barbieland deixa de ter aquele encanto e acontece algo gravíssimo: deixa de conseguir andar em bicos de pés (#escandaloso). É aqui que a boneca, na companhia de Ken, embarca numa aventura até ao mundo real para tentar resolver o problema, acabando por perceber que, de facto, há coisas piores.

Isto porque, em Los Angeles, nos Estados Unidos, Barbie descobre o advento das sociedades patriarcais, onde as mulheres são assoladas por vários problemas, que vão da dificuldade em deterem posições de poder à busca incessante pela perfeição. Afinal, ao contrário do que ouvimos no início do filme, através da voz cativante de Helen Mirren, a narradora, nem as milhentas Barbies lançadas conseguiram resolver "os problemas do feminismo e de igualdade de direitos".

Esta sátira amarga, que permeia todo o filme, é de louvar, porque mostra que Greta Gerwig não tem medo de pisar os calcanhares seja a quem for. Até porque, ao criticar a narrativa de empoderamento feminino capitalista que as empresas levam a cabo, colocando a emancipação das mulheres em produtos e slogans só com o objetivo fazer uns trocos, está a pôr a própria Mattel em cheque.

É seguro dizer que, no geral, a comédia, que casa na perfeição com a chuva de críticas, é um dos pontos mais fortes do filme. E há certas piadas que fizeram com que ficássemos lavados em lágrimas (assim como grande parte da sala de cinema). Por isso, nem me deixem começar a falar do momento em que a boneca chora, depois de ser chamada de fascista, ou de quando as Barbies dizem o que é que se deve fazer para engatar os Kens, porque isso dava pano para mangas, meus amigos.

Se vai ser presenteado com uma nomeação para os Óscares? Não sabemos se vale isso tudo. Mas, voltando ao início, uma coisa é certa: tenho de arrumar este filme noutra caixinha. É que "Barbie" não é (só) uma mistura de cor-de-rosa e glitter. É, por outro lado, uma visão caricatural de tudo aquilo que nos rodeia, complementada com momentos de glamour (menção honrosa a Jacqueline Durran, que não podia ter criado looks mais perfeitos) e uma banda sonora que, não estivesse eu num cinema, ter-me-ia feito tirar o pé do chão.

Pipocas: doces, de preferência com M&M's, já que a sátira é amarga e vai precisar de adoçar a boca.
Ver com: aquele amigo que gosta de mandar piadas à pai.
Estrelitas do filme: 4, até porque não somos de mandar gargalhadas à toa e fartámo-nos de rir.