A empresa Blue Origin anunciou no final de julho que a 22.ª missão da New Shepard iria realizar-se a 4 de agosto. O dia chegou e a cápsula partiu para o espaço esta quinta-feira, 5, com seis passageiros, entre eles o empresário Mário Ferreira, dono da TVI e também da empresa de cruzeiros Douro Azul. A operação já começou e terminou, uma vez que a viagem foi de apenas 10 minutos. Porém, o feito está concretizado: Mário Ferreira é o primeiro português no espaço.

Um pequeno passo para o homem, Mário Ferreira, mas uma gigantesca repercussão no País, que acompanhou a operação nos media e redes sociais. Há fotos e vídeos, registos memoráveis que ficarão para a história, assim como Mário Ferreira, representado por uma caravela, numa alusão aos Descobrimentos levados a cabo pelos portugueses, ao lado do seu nome inscrito no logótipo do sexto voo tripulado da Blue Origin, assim como o dos vários participantes.

Veja em imagens o decorrer da viagem ao espaço de 10 minutos. 

Às 14h50 (hora em Lisboa), 20 minutos depois da hora inicialmente prevista, a cápsula totalmente autónoma, sem nenhum piloto a bordo, partiu do Launch Site One da empresa, no Texas, em direção ao espaço para uma viagem suborbital de pouco mais de 10 minutos vividos entre a descolagem (impulsionada por um propulsor) e a aterragem (suavizada por um paraquedas).

E apesar do reduzido tempo, deu para tudo: para gritar de entusiamo ou para dar segurança, como "os paraquedas estão de fora! Nós não vamos morrer", disse um dos astronautas experimentais, questionar "estamos mesmo a fazer isto?", e para bater palmas no final da missão, depois de a cápsula aterrar pelas 15h07 (hora de Portugal).

Este foi o sexto voo suborbital com tripulantes da Blue Origin (empresa aeroespacial dirigida por Jeff Bezos, empresário que fundou a Amazon) e o primeiro voo espacial do português Mário Ferreira que, finalmente, cumpriu o sonho que começou há 18 anos.

O empresário já tinha comprado uma viagem para ir ao espaço com a empresa Virgin Galactic, mas esta acabou por não se realizar. "Infelizmente tem demorado mais", admitiu à agência Lusa, de acordo com o Eco. O grande dia chegou, mas para tal foi preciso igualmente uma grande preparação.

A preparação

Pode parecer uma coisa simples, andar a levitar no espaço, mas a viagem feita por Mário Ferreira exigiu uma preparação intensa nos meses anteriores.

O empresário teve de dedicar-se aos treinos, mas não aqueles que têm como objetivo perder peso ou tonificar. Aqui, a ideia foi sempre ter o corpo em forma para alcançar a máxima segurança. "São exercícios que têm que ver com a força G que vamos sentir no arranque. Imagine-nos deitados em cima de um foguetão, um rocket, um míssil até digamos, e vamos suportar o nosso peso várias vezes com a força G que vamos sentir", explicou em entrevista à CNN Portugal. 

Na terça-feira, 2, e a dois dias da partida, os treinos continuavam e de forma intensa. "(Na terça-feira) foram 13 horas seguidas, hoje (quarta-feira) umas 12. O treino nesta fase é muito assente nas questões de segurança e repetição de movimentos", disse à agência Lusa.

A preparação de Mário Ferreira foi árdua, envolveu a perda de peso e volume, mas não impede alguns receios.

"Tenho noção de que isto será a coisa mais arriscada que fiz na minha vida", assumiu no programa "Conta-me", da TVI, este sábado, 30 de julho. Mas logo afastou o medo. "Só vou, porque acredito na tecnologia. O que vai acontecer já foi testado. Esta será a sexta missão bem-sucedida que esta nave tem. Vamos fazer testes, dentro da cápsula, em breve. O conceito de medo normalmente tem a ver com aquilo que desconhecemos", disse.

Mário Ferreira foi bem acompanhado: dos tripulantes ao vinho do Porto

Coby Cotton, cofundador do canal DudePerfect no YouTube; Vanessa O’Brian, montanhista, exploradora, e ex-executiva de negócios; o especialista em tecnologia Clint Kelly III; a engenheira Sara Sabry; e Steve Young, CEO da Young’s Communications. Eis os companheiros de aventura de Mário Ferreira ao espaço a bordo da 22.ª missão da New Shepard, todos personalidades de diferentes áreas e com algo em comum: posições de relevo que lhes permitiram ter o dinheiro para comparar o bilhete de ida e volta ao espaço.

O valor da viagem não foi revelado, Mário Ferreira disse apenas que "é confidencial, mas nada próximo das asneiras que se têm lido em alguns jornais" (sendo que a imprensa fala de um valor entre os 195 mil a 293 mil euros), mas milhares terão sido. E isto só por 10 minutos, porque 90 minutos através da Virgin Galactic podem custar 450 mil dólares (cerca de 440 mil euros).

Mas regressamos aos milionários (além de Mário Ferreira). Coby Cotton — com quem Mário Ferreira criou uma ligação especial e com quem treinou grande parte da tarde desta terça-feira, 2 — é milionário na conta bancária e no canal de YouTube DudePerfect, no qual soma quase 60 milhões de seguidores. O conteúdo de sucesso? O que fazer no Qatar (no fundo, o que ele andou a fazer), quais os estereótipos de uma noite de jogos com amigos ou como é um campo de batalha debaixo de água.

A diversão que tem sempre presente nos vídeos do canal irá para o espaço com Coby Cotton vai levar, mas esse não será o foco fora da Terra. "Todos aqueles que já foram diziam sempre 'olhem mais pela janela'. Apesar de querer dar cambalhotas e fazer outras palermices, quero, mais que tudo, olhar pela janela", afirmou à CNN Portugal.

Além dos cinco companheiros de viagem, Mário Ferreira fez-se acompanhar de uma garrafa de vinho do Porto da Taylor’s, que foi autorizado a levar. "A grande surpresa foi conseguir autorização para levar ao espaço uma garrafa de vinho do Porto Vintage de 50 cl, com rolha de cortiça, vamos ver como se vai comportar o vinho sujeito a grandes forças G e ausência de gravidade", explicou o empresário no Instagram dias antes de partir.

Mário Ferreira adicionou assim à viagem turística um toque experimental, para ver como é que as forças do espaço alteram "sabor, cor, e se existirão outras alterações químicas ou moleculares", explicou à agência Lusa.

Os sonhos não ficam por aqui

Mário Ferreira cumpriu o desejo de conhecer a sensação da microgravidade, mas acredita que as viagens espaciais vão além do que viveu neste dia histórico: 4 de agosto.

"Este é para mim o primeiro voo daquilo que eu acredito será o futuro das viagens ao espaço. As empresas que tenho conhecido, incluindo esta, têm programas em curso muito interessantes e que não são ficção cientifica", disse à agência Lusa, citado pela RTP.

Para ajudar à realização destes progressos, a veia de empresário que foi e voltou consigo do espaço está já a fervilhar e Mário Ferreira já admitiu que pondera investir na indústria aeroespacial. Diz-se “muito atento a grandes possibilidades que o pioneirismo destes programas têm em muitas áreas” e dá alguns exemplos sobre aquelas em que pensa contribuir: "Telecomunicações muito mais acessíveis até ao turismo espacial, e obviamente apoio a experiências científicas e desenvolvimento de produtos e materiais".

10 minutos no espaço, fugido aos problemas na Terra

Mário Ferreira partiu para o espaço quase um mês depois de ter sido constituído arguido no caso "Ferry", que envolve suspeitas de crime de fraude fiscal qualificada e branqueamento no negócio da compra e venda do navio Atlântida.

O empresário é presidente do grupo Pluris Investiments, que detém a Douro Azul, de cruzeiros no Douro, empresa que está a ser investigada pela Autoridade Tributária.

Em causa está a compra do navio Atlântida ao Estado português, através dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, por pouco mais de oito milhões a uma empresa de Mário Ferreira, "transação efetuada com recurso a outra jurisdição, de modo a diminuir os lucros tributáveis em Portugal", segundo a Autoridade Tributária. O caso terá ocorrido entre 2014 e 2016.