João Couto, 28 anos, é o autor e intérprete de “Quarto para Um”, uma das 20 canções em competição na 58ª edição do Festival da Canção, na RTP, cuja final se realiza a 9 de março, data em que se vai apurar o artista que irá representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção 2024 em maio, em Malmö, na Suécia.

De vender merchandising a participar no Festival da Canção. Nena é uma das candidatas
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O cantor, um dos seis artistas que foram apurados no âmbito da livre submissão que esteve aberta ao público entre agosto e outubro do ano passado, marcou presença no evento de apresentação do programa de entretenimento da RTP, no Musicbox, em Lisboa. “Tinha esta coisa na minha bucketlist. Ter entrado nesta edição por livre submissão é uma vitória enorme, porque de certa forma já passei por uma fase de escrutínio. Já é uma vitória enorme eu estar aqui e poder viver isto da maneira que estou a viver e a sentir que aquilo que as pessoas vão ver no dia 2 de março [dia da segunda semifinal] vai ser uma visão mesmo completa de quem é o João Couto. Isso é muito entusiasmante”, realça, em entrevista à MAGG.

Para o cantor, o que as pessoas vão ver no Festival da Canção deste ano é o “culminar de todo o trabalho” que tem feito até agora. João Couto já queria apresentar a sua canção, “Quarto para Um”, “há imenso tempo”. “Muito resumidamente, é o tipo de música pop que eu gostava que se fizesse mais em Portugal”, descreve.

Além de autor, também é João que vai interpretar a música no festival. “A canção é tão pessoal, é uma coisa mesmo próxima e inspirada em algo que me aconteceu, que eu só me imaginava a mim a cantá-la”, explica.

O cantor estava a trabalhar a canção para o seu próximo álbum, que “se tudo correr bem vai sair este ano”, sendo que “Quarto para Um” será o primeiro single do mesmo, e “ia lançá-la de qualquer forma”. “O festival é o melhor lançamento de single que eu podia pedir”, brincou. João compôs a canção em 2022  e chegou mesmo a pensar em ao Festival da Canção 2023.

“Eu estava quase a carregar no send [“enviar”, em português] e disse: ‘não, isto não está bom o suficiente. Falta aqui qualquer coisa. E havia realmente qualquer coisa que faltava na música, porque durante o intervalo de tempo entre o não enviar e o enviar no ano seguinte eu mudei cenas, ao ponto de aquele medo e aquela ansiedade que eu tive de: ‘ai falta qualquer coisa, ainda não está no ponto’ ter desaparecido por completo este ano. Esta é das minhas melhores canções. Eu estou tão confiante e tão feliz com esta música, que o amor que eu tenho por ela quase que basta”, diz à MAGG.

Além disso, João não esconde ser fã de alguns artistas com quem está a concorrer no Festival da Canção 2024. “Há malta aqui a concorrer comigo este ano de quem eu sou o fã número um. É malta de quem eu ouvia a música deles e pensava: ‘seu filho da mãe, como é que tu te atreves?’. E eu quero fazer música tão boa quanto este pessoal”, admite.

O cantor contou à MAGG como está a ser participar pela segunda vez nesta competição, visto que, em 2019, foi chamado a interpretar “O Jantar”, de Pedro Pode, substituindo Marlon que desistiu por motivos pessoais. “Eu adorei essa experiência, foi uma experiência da qual nunca me vou esquecer e estou imensamente grato com aquilo que vivi no Festival da Canção em 2019, mas fiquei com a sensação de que vivi aquela experiência a 75%. Fiquei sempre a pensar: ‘há aqui qualquer coisa que me falta’. (...) Fiquei com aquela sensação: ‘gostava de voltar em outros termos’”, diz.

Além disso, referiu que no seu projeto a solo é “autor” de todas as suas músicas. “Há uma grande diferença quando eu canto uma música que outra pessoa escreveu e quando eu escrevo. Vir agora ao festival como autor e como pessoa que tem a visão completa da canção, não só a nível musical mas a nível estético e tudo, era uma coisa que eu invejava muito à malta que era compositora no festival”, esclarece.

"Naquele momento, eu estava mesmo: ‘eu acho que vou parar a música’"

Foi com a sua participação no Festival da Canção em 2019 que o cantor conheceu e ficou “amigo” de Pedro Pode, que acabou a produzir o álbum “Boa Sorte”, que lançou em 2021. “O Pedro, e vou dizer isto até ao dia em que a minha carreira acabar, foi a pessoa que basicamente pôs um desfibrilador na minha carreira. Naquele momento, eu estava mesmo: ‘eu acho que vou parar a música’. Ele fez-me acreditar em mim e fez-me evoluir de uma maneira... Sinto que sou muito melhor compositor e artista do que aquilo que era em 2018/2019”, admite.

Este pensamento surgiu, devido a ter “chegado a uma altura em que sentia que estava sempre a escrever a mesma canção”. “Sentia que estava sempre a escrever sobre as mesmas coisas, que tudo soava a uma canção que já tinha feito antes e senti que estagnei completamente artisticamente. Foi uma mistura disso, acompanhado de uma sensação de que, se eu não lançasse mais nada, as pessoas não iam sentir a minha falta. Foi aquele tempo de aprendizagem de perceber que obviamente é sempre bom que as pessoas esperem por nós, nós queremos isso, mas que devia fazer música porque é o que me faz feliz e o que me torna uma pessoa mais completa. Quando eu pus a prioridade nisso e não nas expectativas das pessoas, muita coisa mudou”, explica.

“Além disso, ter vindo ao festival em 2019 também me abriu muito os olhos, no sentido em que eu olhei à minha volta e pensei: ‘meu Deus, eu estou cinco anos atrasado de toda a gente que está aqui. Eu tenho de dar à perna’. E tive de perguntar a mim próprio: ‘o que é que tu ouves? O que é que tu gostas? O que é que tu gostavas que fosse a música em Portugal neste momento? Trabalha para isso’. Quando tive esta conversa comigo próprio, comecei a escrever muito melhor e a partir daí tornou-se menos sobre corresponder a expectativas de números e de streamings, e mais sobre corresponder a expectativas artísticas. Quando isso aconteceu, revitalizei-me”, continua.

Em 2021, João Couto lançou o álbum “Boa Sorte” e revela que o feedback “foi muito, muito positivo”. “Eu senti que podia ter corrido mal, no sentido em que houve diferenças substanciais face ao primeiro. O primeiro foi um álbum mais clássico, mais uma homenagem às minhas inspirações de quando era miúdo, como Rui Veloso, Jorge Palma, toda aquela escola de uma canção clássica pop-rock portuguesa. Ainda tenho esse lado, esse miúdo nunca vai desaparecer, mas há um João que eu não estava a permitir que aparecesse nas minhas músicas”, diz.

“Eu queria muito que ele começasse a aparecer, ele apareceu nesse álbum e senti que, mais do que aumentar o meu público imenso, eu conquistei o público que eu queria. É uma coisa que eu aconselho a todos os artistas: perguntem a vocês próprios se vocês querem mais público ou se querem mudar o vosso público. Eu percebi naquela altura que eu queria mudar o meu público. Eu queria que o meu público fosse um que tivesse muita atenção ao detalhe, que fosse muito conectado com o que se está a passar agora, que não tivesse qualquer julgamento no que toca a género musical e que fosse pela música ser orelhuda, eficaz e fixe, mas depois vai ler as letras e perceber: ‘ah ele está a dizer isto e aquilo e é interessante’. Porque eu sou este tipo de ouvinte”, explica.

Assim, quando João percebeu que o “Boa Sorte” se tornou um álbum “especial para muitas pessoas”, foi uma “missão cumprida”. Para o próximo, quer dar ainda mais a conhecer “o João que as pessoas não conhecem”.

Dias antes do evento de apresentação do Festival da Canção 2024, João Couto anunciou que se ia afastar do Twitter por “selfcare”, ou seja, para o seu bem-estar. “Eu acho que vou entrar no modo de: eu tenho uma visão artística muito específica para esta música e que eu quero que seja cumprida a 200%. Obviamente é muito importante para mim que o pessoal goste da música, mas eu não quero que seja afetada pelas pessoas dizerem: ‘eu acho que ele vai fazer uma atuação assim, vai fazer uma atuação assado’, e eu pensar: ‘se calhar eu devia fazer uma atuação daquela forma’. Nem é uma questão de fugir de comentários maus, aliás até é fugir de comentários bons também, porque eu não quero que os comentários bons me deixem demasiado confortável. Não quero entrar em piloto automático. O Festival da Canção deu-me uma chance de poder apresentar uma música como esta e deram-me uma chance de poder voltar. E há malta que não tem segundas oportunidades em coisas como estas e a mim foi-me dada essa sorte, esse privilégio. Eu vou encarar isto muito a sério, por isso é que não quero muitas forças exteriores, com todo o respeito a essas forças exteriores”, explica.

"Eu era um miúdo deslumbrado que tinha uma guitarra e cantava, achava que a música era só isso. O ‘Ídolos’ foi aquele banho de realidade"

João Couto participou e venceu a sexta edição do “Ídolos”, em 2015, quando tinha 19 anos. Após o programa, como tinha ainda um ano de licenciatura pela frente, quis terminá-la e “viver a vida”, de forma a poder escrever as suas canções. “Quando tens 19 anos, tu és um idiota. Tu não sabes de nada, de nada. Pelo menos eu não sabia de nada, há malta que com 19 anos sabe muito mais da vida do que eu com 28. Eu tinha de saber quem eu era e é um processo que eu ainda estou a trabalhar”, contou.

“Quando eu saí do ‘Ídolos’, pensei: ‘ora bem, há aqui duas vias que posso seguir. Posso tentar ter uma coisa muito rápida e ter logo muito público porque tenho esta exposição, ou posso construir uma carreira estável que vai crescendo gradualmente, correndo o risco que vai ter muitos anos, muito estagnados e muito lentos'. Hoje em dia, é muito difícil ser-se impaciente e eu tive os meus momentos de impaciência, confesso. Eu optei pela segunda opção, porque pensei: ‘eu quero, daqui a 20, 30 ou 40 anos, estar a fazer isto e não quero nunca ter uma subida muito grande e ter uma queda de tal ordem vertiginosa que eu fique completamente desligado da música. A música é uma paixão para mim e é uma coisa que eu faço muito do coração, é a razão pela qual tenho amigos, pela qual abria a boca no recreio, eu não falava com ninguém por não ter coragem”, diz à MAGG.

“Num mundo em que estamos todos a olhar para os números das redes sociais e para os números de streaming, há pessoal que não compreende esta decisão, mas a verdade é uma: estamos em 2024 e eu ainda estou aqui com a minha canção, a fazer o meu trabalho, escrevo todas as minhas canções, visualizo todo o meu trabalho e sou um artista independente, sou autossuficiente. Até agora está a correr como eu imaginei”, reforça, acrescentando que “houve momentos, certamente”, em que se arrependeu da sua escolha.

“Mais no sentido em que eu olhava para outro pessoal que tinha começado na mesma altura que eu ou mais ou menos da mesma forma que eu, via-os a escalar muito rápido e eu ficava com inveja, não há outra palavra. Ficava com inveja, porque pensava: ‘porque é que esta pessoa está a fazer esta cena tão fixe e eu não estou?’. E isso assolou-me a cabeça. Foi preciso eu crescer, porque lá está eu era um puto com 19, 20, 21 anos, mas agora tenho 28 e eu só tenho inveja de um artista se ele fizer uma canção que eu fique: ‘filho da mãe’. Isso para mim é o que eu quero que seja o meu barómetro. Se tem o dobro ou o triplo daquilo que eu tenho ou enche mais salas do que eu, eu não quero saber. Se fez uma canção que eu invejo, isso é o que importa para mim, o que me mantém ativo na música e uma formiguinha trabalhadora”, reflete.

Da experiência no “Ídolos”, João Couto percebeu a grande diferença de “cantar na televisão e de cantar em público”, visto que há uma “maior conexão” na segunda. “Foi uma escola, fez-me perceber coisas aparentemente banais, mas que depois no final fizeram sentido, nomeadamente como reagir em câmara, como comportar-me em entrevistas, em tantas que dei na altura. Eu era um miúdo deslumbrado que tinha uma guitarra e cantava, achava que a música era só isso. O ‘Ídolos’ foi aquele banho de realidade: ‘não, não. Música pop não é só isso, é o que tu vestes, o que tu usas, como circulas em palco, tudo isso importa’”, esclarece.

Créditos das fotos: @indieror, @dotdesign.pt, Nuno Furet, @by_anabrandao, @echoes.agency