Foi em setembro de 2004 que Joana Cipriano, 8 anos, saiu de casa, em Portimão, para comprar um pacote de leite à mercearia. Nunca mais foi vista. Leonor Cipriano, a mãe, recorreu à comunicação social para tentar encontrar a filha e o País comoveu-se com a dor e o desespero de alguém que, à partida, parecia apenas uma vítima das circunstâncias horríveis da vida.

Um ano depois, Leonor foi condenada pelo assassinato da filha juntamente com o irmão, João Cipriano, com quem mantinha alegadamente uma relação incestuosa. Foi o primeiro caso de homicídio em Portugal a ser condenado sem alguma vez o corpo da vítima ter sido encontrado.

A 7 de fevereiro, cerca de 14 anos depois da acusação, Leonor saiu em liberdade condicional e manteve tudo aquilo que disse durante as investigações da Polícia Judiciária — que era inocente, que nunca tinha feito mal à filha e que a acusação tinha sido feita sem base em provas.

Mas pouco ou nada mais se soube de Leonor depois de ter saído do Estabelecimento Prisional de Odemira, onde cumpriu grande parte da sua pena. Para onde tinha ido, com quem e como se tinha reconciliado com o facto de o País não ter esquecido o seu nome?

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Numa primeira entrevista exclusiva concedida a Ana Paula Félix, jornalista da SIC, para o programa "Linha Aberta", emitido esta segunda-feira, 4 de março, Leonor respondeu a tudo. Mas chegar até ela foi tudo menos fácil, e os entraves começaram logo de início, explica a jornalista que contou a conversa tal como ela terá acontecido.

Leonor Cipriano vive agora no Alentejo, numa vila pacata onde procura levar uma vida mais reservada. A casa é partilhada com uma mulher de quem se aproximou na prisão e que, segundo Ana Paula Félix, age como se fosse a sua guardiã.

"A relação entre elas é de amizade e noto que aquela senhora com quem Leonor vive tem uma necessidade muito grande de a proteger. Parece-me que é ela que faz a triagem e ajuda Leonor a decidir com quem deve falar. Passar essa senhora e chegar à fala com Leonor é muito complicado", revelou a jornalista durante o programa.

A conversa, que não pôde ser gravada, foi feita à porta de casa e diz a jornalista que encontrou em Leonor uma pessoa calma, com muita mágoa e que continua a dizer que está inocente.

"Acredito que a Joana está viva e que se tivesse o dinheiro dos McCann nunca teria sido presa", terá dito Leonor à jornalista da SIC, e não tem dúvidas de que a sua próxima grande luta é provar que sempre esteve inocente.

Questionada por Hernâni Carvalho, o apresentador do programa, e Maria Cunha Louro, psicóloga forense, acerca da reação de Leonor cada vez que o nome de Joana era mencionado, Ana Paula Félix revelou que nunca virou a cara e sempre pareceu muito segura de si.

"Leonor estava muito tranquila e emocionou-se várias vezes sempre que se falava de Joana", conta. Mas apesar de o seu nome dificilmente ser esquecido um pouco por todo o País, a jornalista da SIC registou alguma surpresa quando se apercebeu que, naquela pequena vila, toda a gente tinha aceite Leonor.

"Curiosamente, todos os vizinhos gostam muito dela e sentem necessidade de a proteger. Ela terá criado ali um laço muito forte", o que poderá ter a ver com o facto de a mulher com quem vive também ser muito respeitada no bairro.

Depois de 14 anos de pena, Leonor Cipriano saiu em liberdade condicional

"Durante a entrevista ela [Leonor] disse-me que quer apenas trabalhar e que a pessoa com quem está a viver foi a única que mostrou disponibilidade em ajudá-la. É uma amizade que ganhou na prisão."

Mas foi também na prisão que Leonor procurou reintegrar-se na sociedade. Para isso fez um curso de bombeiro, cozinha, pintura, jardinagem, e conseguiu concluir o nono ano de escolaridade. O próximo passo, segundo revelou a Ana Paula Félix, passa por esperar que seja chamada para qualquer trabalho depois de se ter inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional.

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"Além de recomeçar a minha vida, quero demonstrar que estou inocente e algumas pessoas terão de responder sobre tudo aquilo que disseram sobre mim durante as investigações", terá dito Leonor à jornalista. Mas a mágoa de Leonor não se resume, apenas, à condenação.

É que os seus filhos mais novos, Rúben e Laura, foram-se afastando gradualmente da mãe depois de ter sido condenada, em 2004, e hoje querem tirar Cipriano do nome. Em conversa com a jornalista da SIC, Leonor diz que depois de perder o contacto com os filhos terá sido a sua ex-sogra a incentivar esta atitude.