Há coisas em que não há consensos possíveis. No frango assado, por exemplo, jamais se irá convencer um amante do frango da Valenciana, em Campolide, Lisboa, que o do Rio de Mel, em Alvalade, é melhor. Não vale a pena a discussão. Cada um fica com a sua, e amigos como dantes. Com as praias é mais ou menos a mesma coisa. Uns gostam de ondas, outros de areais grandes, há quem goste de praias desertas, outros preferem um bom restaurante de praia, há os que têm recordações que valem para a vida, outros que conhecem aquele mar desde sempre e nunca o irão trocar. Por tudo isto, a MAGG criou o desafio Guerra de Praias, que durará ao longo dos meses de julho e agosto. A ideia é que os vários colaboradores da MAGG defendam, com unhas, dentes e facas afiadas, todas as segundas e sextas-feiras, aquela que é, para cada um, a melhor praia do mundo, a praia da sua vida. Os argumentos vinculam cada um dos autores. Depois da Praia de São Martinho, passamos para a praia preferida da jornalista Marta Cerqueira. Aqui vai:

Existem dois tipos de pessoas no mundo. Aquelas que cresceram com a bravura de fazer praia a norte do país e as que se contentam com pocinhas de água quente mais a sul.

Mas já dizia o Zeca Afonso que "essa mulher lá do Minho, da foice fez espada", numa analogia clara para quem, como eu, percebeu que num saco de praia de quem vive em terras mais altas, um casaquinho de malha é mais imprescindível do que o próprio protetor solar. E não é que não se bronzeie, atenção, é aliás um bronze que dura todo um inverno. Não imaginam o meu espanto quando, numa das primeiras vezes que os meus pais decidiram rumar a sul para nos mostrar que havia praias com água acima dos 15 graus, percebi que metade da pele morena saía assim que chegasse a casa e tomasse um banho. "Oh mãe, a toalha está castanha", gritei eu da casa de banho. A minha mãe abre a porta de rompante e explica-me que, apesar de rápido, aquele bronze era supérfulo, algo que levei como metáfora para a vida.

Escolher uma praia é difícil quando se nasce numa família que faz questão de que tu, muito antes de meter os pés num avião, conheças todos os montes e valados deste País. Os passeios de domingo eram na serra, comigo a lutar contra o enjoo da curva contra curva e o aborrecimento de ter que dividir o banco de trás com um irmão sete anos mais novo, uma diferença de idade que já não dá azo a brincadeiras, mas que não é ainda suficiente para que lhe pudesse mostrar as primeiras SMS do meu recente 3310. E mesmo quando, mais tarde, passámos a atravessar todo um País para fazer férias no Algarve, o regresso era sempre feito de paragens estratégicas.

"Ai vamos parar em Amareleja, é a terra da Maximiana, aquela personagem do Herman". Parêntesis, é também a terra que normalmente atinge recordes de temperatura no verão. Na única foto que tirada nessa tarde, estou eu e o mau irmão a comer um Calippo de morango sentados à sombra de um qualquer chaparro. Também houve o "vamos ver os touros de Barrancos", ou, numa decisão bastante mais feliz, "vamos subir pela costa alentejana", onde experimentei praias com paisagens incríveis e a feijoada de búzios da Tasca do Celso, muito tempo antes de ser preciso ligar com antecedência de vários dias para ter lugar à mesa.

Estas são as ondas perfeitas para os surfistas. É por isso que quem mergulha na Nazaré está pronto para enfrentar o mundo

Não sei se já perceberam que este desenrolar de histórias da minha infância servem apenas para adiar o inevitável. É que escolher uma só praia é mesmo difícil. Podia falar da de Moledo, onde íamos nós e a maioria dos políticos deste país, ou as de Âncora ou Afife, que de tanta concentração de iodo, era tida pelo nosso pediatra como o melhor dos medicamentos. "Um dia de praia por essas bandas equivale a 15 dias no Algarve", dizia ele.

Talvez por isso, durante muitos anos, nunca fizemos mais do que uma hora de viagem para fazer férias de verão. Isso e o facto de estarmos nos anos 90, num carro sem ar condicionado a percorrer uma autoestrada que acabava em Lisboa.

As exceções (que mais tarde passaram a ser regra) aconteciam quando, na loucura, nos aventurávamos em três horas de viagem até chegar na Nazaré e à praia que assumo, finalmente dirão vocês, que esta é a melhor praia do mundo.

Nazaré dos seus encantos

Foram os meus avós que a descobriram, ainda eu era um projeto. Só que sem carta nem carro, elaborou-se o plano de férias perfeito e que perpetuou na família durante vários anos. Funcionava assim: os meus pais iam levá-los, passavam lá o fim de semana e, uma semana depois, eram os meus tios que desciam com o objetivo de aproveitar a praia e, no regresso, trazer a família toda para cima.

Eu, primeira filha, primeira sobrinha e primeira neta, tive a sorte de ser também a primeira a ter o privilégio de ir com os meus pais e só voltar com os meus tios, passando assim com os meus avós aquela que era a melhor semana do ano.

Guerra de praias #08. A Praia de São Martinho do Porto é a melhor do mundo
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Os dois tinham uma padaria e acordar depois das 6h30 da manhã era mentira, mesmo durante as férias. Então era ver-nos na praia, ainda de casaco, com as gaivotas na areia e a retroescavadora a fazer a limpeza das algas. O meu avô ficava encarregue dos mergulhos, uma vez que a minha avó guarda até hoje o segredo de manter o cabelo impecavelmente penteado, nem que, para isso, a água do mar não ultrapasse a altura dos tornozelos. Mas cá entre nós, acho que nem uma das ondas do McNamara tinha força contra a laca Elvive, a sua eterna e grande aliada.

Quando o sol começava a queimar, recolhiamo-nos ao hotel, de onde saíamos para almoçar no Ribamar, restaurante de gente das nossas terras minhotas e que davam aquela sensação de casa, mesmo quando a ideia é fugir dela. Não era preciso marcar, reservar ou avisar de alguma mudança de horário. Fosse qual fosse a refeição, ninguém se sentava naquela mesa de esquina junto à janela a não ser o Zé das Barbas e a Norinha. E eu lá ia, de mão dada com os dois, a pensar na sorte que tinha naqueles dias em que eles eram só meus.

Acho que de tarde voltávamos à praia, mas não tenho a certeza. Sei sim que, ou na areia ou no calçadão junto à praia, tinha sempre direito a uma "bolachinhaaaaaa americanaaaaaa", apregoada numa música que ainda hoje tenho presente como as que ouço de manhã na rádio e ficam o dia todo na cabeça. Era na verdade uma espécie de bolachas "Belgas" em tamanho XL e com metade do sabor. Mas era o melhor lanche do mundo.

Guerra de Praias #02. A Praia da Comporta é a melhor do mundo
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Foi na Nazaré que o meu pai me ensinou a jogar raquetes e onde eu ensinei o meu irmão a jogar, assim que percebi que ele já podia com o peso da raquete. Foi na Nazaré que fiz as primeiras amizades de verão e com as quais trocava cartas durante o resto do ano. Foi na Nazaré que fiz o meu primeiro tereré e que bebi o meu primeiro shot, quando de repente passei dos oito aos 13 anos e jogar às raquetes já não era assim tão interessante.

Já tive uma Nazaré em família, já lá levei amigos, já lá passei uma passagem de ano de pés na areia e até já fui a dois. E seja qual for a companhia, sabem que vão ter que levar comigo a apontar para todo o lado. "Olha, é ali o Salva Vidas, o bar do tal primeiro shot", ou "era naquele cabeleireiro que a minha avó ia reforçar a mise" ou ainda um "é ali que se apanha o ascensor para o Sítio". Novo parêntesis. Uma terra que tem um sítio que se chama Sítio é como ser hipster antes de o ser.

Mulheres de sete saias, sotaque inconfundível e cartazes a arrendar chambres, rooms e zimmers. Um clássico da Nazaré.

Aponto para as paredes brancas e amarelas do Ribamar e digo, com a segurança de quem faz da comida um parte importante da sua vida, que, já mesmo sem o Zé e a Norinha naquela mesa sagrada à janela, é ali que se come o melhor peixe assado de todo o Portugal.

E apesar deste ataque de saudosismo, sei admitir as imperfeições. Tem ondas gigantes para quem quer mergulhar? Tem. Tem bolachas secas à venda na praia, em vez de gulosas bolas de Berlim. Tem? Tem dias em que o nevoeiro nem levanta? Tem.

Admito que a Nazaré possa não ser a melhor praia do mundo, mas é a melhor do meu.