Mais do que ter insultado 80% da população portuguesa, ao ter dito, perante um grupo de jornalistas estrangeiros, que o atual primeiro-ministro vinha "de de um país profundo, urbano-rural, com comportamentos rurais", o presidente da República fez um comentário inqualificável, racista e xenófobo, sobre o ex-líder de governo.

Sobre António Costa, filho do escritor Orlando Costa, nascido em Moçambique e com ascendência goesa, e da jornalista Maria Antónia Palla, disse que este era "lento" por ser "oriental". Marcelo Rebelo de Sousa, chefe de Estado de Portugal, esse país que, como os moderados tanto gostam de dizer, "levou novos mundos ao mundo", proferiu um dislate, uma ofensa, uma barbaridade, digna não de ter sido dita na véspera dos 50 anos do 25 de abril, mas sim da inauguração da Exposição do Mundo Português. 

Uma tristeza, uma ofensa para António Costa, uma ofensa para os orientais. Só um rural armado em cosmopolita como Marcelo Rebelo de Sousa (como são, de resto, todos os rurais do eixo Lisboa-Cascais que, do alto da sua sobranceria e provincianismo mascarados de snobismo, olham para todos os que não são da sua cor ou falam a mesma língua como a criadagem), acha que "os orientais são lentos". Aliás, basta ir a uma qualquer rua de Mumbai, Banguecoque, Tóquio ou Pequim para perceber a lentidão a que aquela gente se move.

Os comportamentos erráticos e as declarações despropositadas, ofensivas e mal-educadas de Marcelo Rebelo de Sousa levantam uma questão que, para mim, é mais do que óbvia mas que os comentadores, especialistas e jornalistas que se dedicam a fazer cobertura de temas políticos têm pudor em abordar: a saúde mental do presidente da República.

As mudanças de comportamento de Marcelo Rebelo de Sousa aparentam sinais do início de um processo de demência. Os primeiros sinais de um declínio das capacidades cognitivas, espelhados nestas verborreias inesperadas, nesta ausência de filtro, no comportamento imprevisível, não podem nem devem ser confundidos com jogadas políticas. É impossível que alguém se sinta tão empoderado ao ponto de, à frente de um conjunto de jornalistas de todo o mundo, insulte em simultâneo e de forma tão leve e até bem humorada, o atual e o anterior primeiro-ministro.

O problema são as consequências, que não as há. Imaginem que uma qualquer outra figura pública, política ou não, dizia que António Costa era "lento" porque "oriental". Racismo e xenofobia seriam as menores das acusações. Quanto à questão da "ruralidade" de Luís Montenegro, curiosamente houve mais indignação, não só porque Luís Montenegro não é de um Portugal mesmo rural como também – e felizmente – a descentralização da liderança política, espelhada não só em Montenegro como também no líder da oposição Pedro Nuno Santos (que é, curiosamente, da mesma região) e mesmo Rui Rocha, de Braga, acabam por apaziguar o capitalocentrismo.

Espanta-me a leveza com que os dislates de Marcelo Rebelo de Sousa são recebidos. O quase encolher de ombros, o sorriso de incómodo, as críticas que não vão além da espuma dos dias. É alarmante que, por força do cansaço, dos disparates atrás de disparates com que nos tem brindado nos últimos dois anos, altura em que começaram os comportamentos mais erráticos, opinion makers olhem para Marcelo com um paradoxal respeito medroso e desvalorização, como se Marcelo fosse aquele tio inconveniente que, depois de dois copos de vinho, diz uns disparates à mesa da ceia de Natal.

Não é. É o presidente da República e precisa de ser escrutinado. Algo se passa ali. Não assobiem para o lado.