Porque é que as mulheres têm de corresponder às expectativas da sociedade? A pergunta continua a fazer sentido em 2020, e repete-se em "Mulherzinhas", a sétima adaptação para cinema do livro de Louisa May Alcott, que se desenrola em meados de 1868. Nomeado para o Óscar de Melhor Filme, a produção de Greta Gerwig conta com com Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh e Eliza Scanlen nos papéis principais e chega a Portugal esta quinta-feira, 30 de janeiro.

Olhando para o elenco, ao qual se junta ainda Meryl Streep e Laura Dern, seria de pensar que os problemas típicos por que passam quaisquer realizadores no momento de fazer um filme envolvessem os atores, cada um com as suas manias e feitios. Ou até mesmo a adequação dos protagonistas à roupa da época.

É verdade que um dos desafios dos estúdios da Sony foi manter o orçamento do filme abaixo dos 40 milhões de dólares (o que equivale a cerca de 36 milhões de euros), especialmente com grandes nomes do cinema a fazer parte do elenco. No entanto, e para surpresa de muitos, esta não foi a principal dificuldade.

As dificuldades em rodar "Mulherzinhas" estiveram diretamente relacionadas com as críticas às adaptações anteriores. É que em meados de 2017, a BBC estreou em televisão uma série com base no romance de Louisa May Alcott e embora as opiniões tenham sido relativamente positivas, houve quem criticasse o cenário em que as cenas foram gravadas — especialmente as que envolviam neve.

Segundo a revista "Cinema Blend", espectadores e críticos acusaram a equipa de produção da série de usar "neve falsa de má qualidade" que, durante as gravações, "tinha um movimento ascendente em vez de um descendente" que distraía os mais atentos.

Foi por isso que, segundo revela ao "The Hollywood Reporter" Amy Pascal, produtora executiva dos estúdios da Sony, neste novo filme a equipa de produção tentou trazer o máximo do realismo às cenas em exteriores. E a maior dificuldade foi mesmo a variabilidade e imprevisibilidade do tempo.

"O aspeto mais difícil e duro das filmagens foi esperar pelos momentos de neve. Era a única coisa que não conseguíamos controlar e, por isso, tínhamos várias aplicações meteorológicas que usávamos constantemente. Lembro-me de que houve dias em que andámos a correr atrás da neve, literalmente", explica a produtora.

Mais do que respeitar todos os detalhes de uma histórica de época, como é a de Louisa May Alcott, foi trazer para ponto grande todos os elementos cénicos que já fazem parte do imaginário dos fãs. E isso só seria possível se o inverno, o frio e a neve estivessem constantemente presentes. Porque foi assim que a história original foi criada e só assim fazia sentido que fosse adaptada mais uma vez.

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No entanto, nem sempre foi fácil e houve momentos em que os responsáveis pelo projeto se questionaram acerca do objetivo final do filme. De que forma é que esta adaptação poderia distinguir-se das restantes? E será que iria valer a pena? Foram só algumas das dúvidas que passaram pela cabeça da produtora durante todo o processo de gravação.

"Pensa-se um bocadinho nisso todos os dias enquanto se está a criar um novo filme, certo? É esse o desafio de querer fazer sempre tudo bem. Estamos sempre na esperança de que não venhamos a esquecer qual o objetivo principal. Felizmente, tive a sorte de ter a Greta Gerwig ao meu lado e, juntas, recordámos o objetivo final diariamente", revela.

Mas a produção de "Mulherzinhas" ficou marcada por um acidente ainda antes de as câmaras começarem a gravar. É que durante a recolha de locais para as filmagens, Amy Pascal caiu e partiu o tornozelo — o que a obrigou a estar ausente do processo durante as primeiras semanas. "Aconteceu imediatamente [a fratura do tornozelo] antes de começarmos a gravar. Fui operada em Boston e nas primeiras semanas falava com a Greta através do Apple Watch até que cheguei aos estúdios numa cadeira de rodas."

No entanto, o esforço parece ter compensado. É que apesar de Greta Gerwig não ter conseguido a nomeação para os Óscares na categoria de Melhor Realizador, facto que levou vários especialistas a criticar a Academia por só nomear homens para esse prémio, a verdade é que "Mulherzinhas" já é considerado um dos filmes mais interessantes do ano.

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É a revista "New Yorker", aliás, que diz que este é capaz de ser o melhor filme alguma vez realizado por uma mulher americana. “Embora não seja possível prever se a passagem do tempo virá a ser cruel ou gentil com ‘Mulherzinhas’, de Gerwig, este pode simplesmente ser o melhor filme alguma vez feito por uma mulher americana. E como qualquer boa americana, a violência nunca está longe da história. E embora este seja um filme familiar, há muitos beliscões e socos que são dados pelos membros do clã March”, lê-se.

Já o “The New Republic” elogia a inteligência da adaptação de Greta Gerwig, que dá corpo a um filme feminista e refrescante. “A adaptação de Gerwig ao texto de Louisa May Alcott é inteligente, fugaz, refrescante, senão radical, e tão orgânico nas suas convicções feministas como na representação da união através do amor.”

"As Mulherzinhas" estreia-se nas salas de cinema portuguesas já esta quinta-feira, 30 de janeiro, numa altura em que já se encontra nomeado para o Óscar de Melhor Filme, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Guarda-Roupa e Melhor Banda Sonora.