Voz grave e sonante. Maquilhagem imaculada e cabelo de quem vive com uma ventoinha de frente, qual Beyoncé. Veste vermelho dos pés à cabeça e, com 1,78 metros de altura, usa uns saltos que desafiam a gravidade. Assim é Cláudia Raia, uma mulher que chega e faz-se notar.

Ama Portugal e os nossos pastéis de nata e, só por causa disso, vai mais um a acompanhar a entrevista e o café. O café, esse, tem que levar água, "que o café português é muito forte". É como a comida. "Nossa, provei uma feijoada ontem, e eu que nem sabia que português tinha feijoada também".

Preocupa-se com a imagem mas não é sua refém. Também sabe que em cada espetáculo perde, pelo menos, um quilo. É que durante o musical "Conserto para dois" (é com 's' mesmo), peça que estreia esta quarta-feira, 22 de janeiro, no Teatro Tivoli BBVA, ela e o marido, o ator Jarbas Homem de Mello, assumem mais de cinco personagens cada um, isto sem intervalo ou pausa para mudar de roupa.

O corpo de Cláudia guarda a memória celular de quem começou, antes de tudo o resto, por ser bailarina. Aos 13 anos foi para Nova Iorque estudar dança e foi também lá, e com essa idade, que percebeu que o mundo não é dos fracos. Foi assediada pelo homem que lhe dava casa, mas muniu-se da força feminina com a qual cresceu para dizer que não e procurar quem lhe faz bem.

Casou aos 18, aos 27 e, agora, aos 52 anos. Em cada um desses momentos há mais do que uma Cláudia. "Mas a minha essência é sempre a mesma", garante, em conversa com a MAGG. Essência essa que a faz falar de sexo e até de ter filhos quando, aos 53 anos, a sociedade espera que ela esteja em casa, desligada do mundo.

Mas Cláudia não desliga. E não deixa que as mulheres desliguem. "Eu noto que as mulheres estão mais empoderadas".

Na peça, tanto Cláudia como Jarbas assumem várias personagens. A Cláudia tem em si também muitas outras pessoas?
Ah, são várias Cláudias aqui dentro. Aliás, com esse tamanhão cabe um monte de gente [risos].

Conhecemos a Cláudia como atriz e, aqui em Portugal, principalmente das novelas. Mas também é bailarina, canta, faz sapateado, é produtora e agora até palestrante. Fala sobre que temas?
As palestras que eu dou são sobre empreendedorismo feminino, algo que eu comecei muito cedo na minha vida. Com 19 anos, olhei para um lado e olhei para o outro, percebi que ninguém produzia musicais e decidi aprender para ser eu a fazer. Foi assim que comecei a minha carreira de produtora, levando vários tombos no início. E é sobre esse caminho que eu falo nas palestras.

Hoje, a mulher tem um lugar que ela não tinha antes. Hoje as mulheres têm uma fala que as pessoas ouvem. Mais não seja porque é politicamente correto escutar. Eu noto que as mulheres estão mais empoderadas, têm mais ideias arrojadas, mudam de ramos, de profissão, criam novas coisas para fazer.

Como a Cláudia fez.
É, como eu também.

E, finalmente, quando vou a uma empresa, abrem-se as portas e a CEO é uma mulher. Antigamente, no máximo a secretária do CEO era uma mulher. Fico muito feliz com isso"

Tem essa necessidade de se reiventar?
Tenho. Eu tenho uma inquietude dentro de mim que é uma inquietude feminina. É por isso que fazemos várias coisas ao mesmo tempo.

São várias mulheres dentro de uma?
É mesmo. Somos multifacetadas e o homem não é capaz de nos seguir. O homem faz uma coisa de cada vez, é um jeito de ser. A mulher não, a mulher está olhando o filho que vai cair na piscina ali, está a dar uma entrevista aqui, está vendo tudo.

Finalmente, quando vou a uma empresa, abrem-se as portas e a CEO é uma mulher. Antigamente, no máximo a secretária do CEO era uma mulher. Fico muito feliz com isso. No Brasil, as mulheres tomaram um lugar bem definitivo. Acho que no mundo até. Mas atenção que o Brasil é extremamente machista e é um sítio onde ainda é difícil não ouvir um "Mas olha quem está na frente desse carro dirigindo mal? É mulher". Mas estão a ser obrigados a render-se.

Disse uma vez que as mulheres existem até aos 30 anos e depois só aos 80. Está numa espécie de buraco negro?
Totalmente. Foi por isso que tive esta vontade de fazer palestra sobre empreendedorismo feminino e um programa chamado "50 e tantas" no meu IGTV.

O que é que se espera de uma mulher de 50 anos?
Não se espera nada, ela acabou. A partir do momento em que entrou na menopausa e não tem óvulos, é como se ela morresse. Depois ela volta em avó, querida, fofa, com 80 anos. Nesse espaço de tempo nada é permitido. "Esse cabelo não é para a sua idade", "Essa roupa não é para a sua idade", "Ah, teve a coragem de se separar e não manter um casamento que já estava falido". Depois separa e não pode voltar a namorar. "Como assim já tem filhos e vai namorar, vai sair à noite, vai nas baladas?".

É por isso que a Cláudia fala de sexo e é notícia.
É, não é normal. Quando você diz que uma mulher de 50 anos ou mais tem hormonas, que tem tesão, que tem tudo o que uma mulher tem, alguém vem e diz que não pode. Mas como assim não pode? As figuras nos livros de ginecologia é que uma mulher de 27 anos já é uma idosa para engravidar. Mas hoje vemos mulheres a engravidar com 56 anos porque optaram por ter primeiro a sua carreira e depois a sua família. Porque não pode ser assim? Tem que ter filhos porque tem prazo de validade? Não. Hoje congela os óvulos e engravida mais tarde.

Que foi o que a Cláudia fez.
Eu fiz sim. O Jarbas não tem filhos e quero deixar essa possibilidade aberta. Mas isso tudo é muito novo e é preciso saber lidar com essa mulher que já não precisa mais dos homens.

Aos 53 anos, Cláudia admite não ter muita paciência para as pessoas da sua idade e, por isso, tem amigos muito jovens

Vê agora uma força nas mulheres que estava adormecida?
Vejo sim e tenho muitas mulheres que me vêm dizer isso. Dizem que se sentem representadas por mim.

Acha que essa força feminina veio muito do movimento #metoo?
Eu acho que nós fomos encaretando, não sei se existe essa palavra aqui, mas dá para perceber. Eu lembro-me que nos anos 80, quando comecei a minha carreira, havia muita liberdade, cada um podia ser e fazer o que queria. Hoje não, hoje é preciso disfarçar, fingir que você é outra coisa. Você põe no Instagram aquilo que você acha correto, não aquilo que você é. Deve ser por isso que eu tenho tantos seguidores, porque a minha geração não é das redes sociais. Trago uma liberdade, uma juventude. Eu sempre me senti um pouco à frente do meu tempo e as portas que eu estou a abrir agora são para os meus filhos e para quem vem aí.

Ao longo da sua carreira e da sua vida, viu muitas mulheres a serem arrastadas em casos de assédio?
Vi. Muitas mesmo. Nós fomos criadas a pensar que a mulher não fala, não reclama e que o homem é que manda.

Eu estava hospedada em casa dessa pessoa, que era da confiança da minha mãe. Mas eu nem duvidei. Quando vi que ele vinha para cima de mim, peguei na coruja de vidro que estava na mesa e atirei na cabeça dele."

Teve que dizer muitas vezes que não?
Sim, muitas vezes. Mas eu nunca tive esse problema e não é porque eu sou melhor do que ninguém, é porque eu vim de uma família de mulheres. Era eu, a minha mãe, minha irmã e minha avó. Como perdi o meu pai muito cedo, quando tinha 4 anos, não tive homens na famílias. Nós tivemos que ser os homens também. Eu aprendi desde cedo a não ficar quieta, a não me porem de lado, a não me assediarem.

Mas aconteceu.
Aconteceu quando eu tinha 13 anos e fui para Nova Iorque. Eu estava hospedada em casa dessa pessoa, que era da confiança da minha mãe. Mas eu nem duvidei. Quando vi que ele vinha para cima de mim, peguei na coruja de vidro que estava na mesa e atirei na cabeça dele. Isso é porque eu me defendi desde cedo, porque a minha mãe me criou assim. Eu vim de uma família de mulheres empoderadas e isso muda tudo.

Essa imagem de mulher segura atrai pessoas ou leva a um afastamento?
Afasta os homens principalmente. Eles pensam: "Nossa, que furacão é esse. Deixa eu sair daqui antes que eu seja engolido por essa pessoa". Eu acho que tem que ser muito macho para estar ao lado de uma mulher empoderada. O lado masculino tem que estar forte, mas o lado feminino também. Um homem que não mostre o seu lado feminino é, para mim, muito esquisito.

Casou aos 18, as 27 e aos 52. Os seus homens têm que ter algo em comum?
Hum... São pessoas muito diferentes. Primeiro, o casamento com o Alexandre Frota é uma coisa que não dá nem para falar porque eu tinha 18 anos. Foi uma pessoa importante para mim naquela altura, mas temos maneiras muito diferentes de pensar. Já o Edson, um homem e um pai maravilhoso, percebi logo que tinha os mesmos valores que eu. Foi um casamento muito bem-sucedido, de 17 anos, com dois filhos maravilhosos. Não tem como dizer que não deu certo. E o Jarbas, ainda que completamente diferente do Edson, é também uma pessoa que veio do interior como eu, como o Edson, com uma família amorosa, sabe? Essas características, os valores primários, são parecidos. Mas com o Jarbas eu faço muito mais coisas em comum, porque ele é da área musical como eu.

E isso é bom?
Ah, é muito gostoso. Tenho sempre o meu companheiro comigo, é uma delícia.

E como era a Cláudia aos 18, aos 27 e aos 52?
Ah, eram pessoas diferentes, ainda que com o mesmo foco. Nos anos 80 era a década do exagero. Toda eu era muito brinco, muito cabelo e muito excesso de tudo. Gastava a minha energia para coisas não tão importantes. Já com 27 anos, era uma Cláudia mais limpa desses exageros. Fui mãe duas vezes, que foi o grande turning point na minha vida. Quando a gente é mãe, a gente descobre o que é que veio fazer nesse mundo. É a verdadeira essência da vida. Gerar um filho é uma coisa muito intensa e não é algo que você pode enjoar e não fazer mais. E eu senti isso quando, no ano passado, eu perdi a minha mãe. Ela, com 95 anos, era super lúcida e dinâmica e era a matriarcona da família. Ela pôs-me no lugar dela e os papéis mudam. A sua responsabilidade é maior. Eu amo ser mãe, é o papel da minha vida. Tanto que eu não sossego com os meus dois filhos e acabo sendo mãe de um monte de gente à minha volta.

Mas há uma coisa importante. A mulher casa e passam dois anos já estão perguntando pelos filhos. Porque é que a mulher é obrigada a ter filhos? Começam logo com o "Mas já tem 30 e não tem filhos?". Como assim, gente? Acho que é importante falar sobre isso. A mulher não é obrigada a nada, até porque é uma intervenção muito agressiva na vida da mulher, no corpo, na vida. Se querendo muito já é difícil ser mãe, imagina se quer mais ou menos ou não quer de todo? É um inferno. E às vezes a mulher quer uma coisa que, na verdade, ela não quer. Faz porque é importante para o marido, para a família, mas não porque quer realmente.

Fica-se mais mulher depois de ser mãe, ou o papel de mãe faz esquecer o da mulher?
Não pode esquecer, pelo contrário. Ser mãe é o auge do feminino.

Uma mulher assim segura, também tem as suas fragilidades?
Claro que tenho, e que bom que eu tenho. A maturidade ajuda nesse processo. Vai falando 50% menos, ouve mais, não gasta a sua energia com coisas desnecessárias. E começa a dar valor ao que não era valorizado, do tipo acordar de mãe. Damos isso como garantido, mas quantas pessoas não acordam? "Obrigada por ter acordado, obrigada por ver esse dia lindo, obrigada por ter encontrado você que é uma pessoa que eu não conhecia". São essas pequenas coisas que parecem quotidianas, mas que não são. Não é mais um dia, é um dia a menos.

No Instagram, tanto publica fotografias semi nua como relatos do seu dia a dia. 
Gente, eu sou assim, eu não vou ser de outro jeito. Os meus clubes de fãs são todos de jovens adolescentes e eu pergunto: "O que é que vocês querem comigo? Eu sou velha já". Eles me dizem que eu sou uma inspiração. É impressionante.

Tem tendência a dar-se com pessoas mais novas?
Muito. Eu amo pessoas mais novas. Eu tenho vários amigos muito jovens, porque eu tenho esse jeito meio adolescente.

E talvez porque não se identifique com as pessoas da sua idade.
É, são muito quietas [risos]. Mas eu adoro usar o Instagram, porque é uma forma de controlar o que é publicado sobre nós. No Brasil há muitos paparazzi, eles brotam de debaixo do sofá se for preciso. No meu Instagram eu mostro aquilo que eu quero, mostro o meu dia a dia e é isso que as pessoas gostam de ver. A vida como ela é.

Cláudia está em Portugal com o marido, Jarbas Homem de Mello, para apresentar a peça 'Conserto para Dois'

A imagem é uma coisa importante para si?
É, porque a minha profissão exige isso. Mas, na verdade, eu fui criada com uma alimentação saudável. A minha mãe, por exemplo, tomava toda a manhã um suco verde feito com água, limão e três verduras. No dia seguinte era gema de ovo com fígado cru. Não tem como não ter  músculo, não ter força. Eu fui criada assim. É que, primeiro que tudo, eu sou bailarina, então a minha cabeça é de bailarina, o meu jeito é de bailarina, até a forma como eu penso é de atleta.

Até a própria peça que leva agora a cena é atlética.
É, completamente.

E como faz essa gestão de vida saudável com a vontade de comer, que sei que é muita? [risos]
É uma loucura. Estamos aqui na luta. Mas conto com os cinco espetáculos que faço por semana e em cada um deles eu perco, pelo menos, um quilo.

Qual é a sua rotina?
Faço ioga, malho três a quatro vezes por semana e faço aula de ballet todas as semanas. A minha vida é muito física. É óbvio que hoje, por ter uma memória muscular de muitos anos, o meu treino é menor e mais fácil. No início eu estava construindo, agora eu mantenho.

Faz questão de estar sempre arranjada?
Eu gosto, sim. Mas não é para ninguém, é para mim. Eu gosto de me vestir, de me maquilhar. Mas na rua, eu só ponho um protetor solar, um gloss e saio. Mas vou para a academia super arrumada, sempre foi assim.

O espelho é sempre seu amigo?
É, mas porque encontrei um equilíbrio. É óbvio que eu não vou querer ter a cara que eu tinha com 20 anos — até porque agora eu acho que estou mais bonita do que eu era.

É óbvio que eu vejo uma foto minha e vejo marcas, vejo rugas, mas está ok. São as marcas da minha vida. É fácil? Não, não é fácil. Tem que se ir trabalhando e gostando dessa beleza em qualquer idade. É que é muito triste ver alguém querendo ter 20 anos tendo 50.

Com que idade é que se sente?
Não me sinto com 53 anos. Antes do meu aniversário, em dezembro, eu dizia: "Gente, como é que eu cheguei aqui? Ninguém me avisou" [risos]. A única hora que eu percebo a diferença da idade é quando eu não durmo. Demoro mais a recuperar, mas eu continuo andando. Esta noite, por exemplo, eu dormi três horas. Mas eu vou.