Cláudia começou a trabalhar numa produtora televisiva através de um "amigo" — já vai perceber o porquê das aspas. Ao final de apenas alguns dias, começou a notar que era tratada de forma diferente. Na altura tinha um filho de apenas 16 meses, razão pela qual acordou com a empresa um horário das 9 às 17 horas.

"Cada vez que se aproximavam as 17 horas, o meu coordenador — o "amigo" que me levou para trabalhar com ele —, vinha pedir mais trabalho e respondia mal quando eu dizia que tinha que sair às 17 horas", conta à MAGG a ex-redatora e produtora de conteúdos na produtora.

Esse foi o início de vários episódios que decorreram durante seis meses: "Fui maltratada em frente a colegas, dava-me sempre mais trabalho a mim do que aos outros oito ou dez jornalistas que trabalhavam para o mesmo programa", recorda Cláudia, de 48 anos. O programa em causa chamava-se "Agora Nós", da RTP, produzido naquela época pela produtora.

A situação durou seis meses, mas podia ter-se prolongado no tempo — só acabou porque a RTP decidiu assumir a produção do programa e a produtora viu-se obrigada a despedir todos os funcionários. "Só vim embora por causa disso, e não porque sofria de bullying", refere.

Foram meses em que Cláudia Gouveia teve de aguentar maus tratos em frente a colegas, ou emails constantes — inclusive de madrugada —, com conteúdo agressivo e depreciativo. "Havia colegas que me perguntavam: mas porque é que estás a aguentar isto? Eu limitava-me a aguentar porque sabia que se fizesse isso [apresentar queixa] era eu que era despedida e não ele".

Cláudia foi vítima de mobbing, isto é, bullying no local de trabalho. A definição é mais extensa: "É sempre um comportamento que em princípio uma pessoa exerce sobre outra", explica Maria José Chambel, psicóloga do trabalho e das organizações e professora associada na faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. "É voluntário, portanto consciente, e tem em vista prejudicar outra pessoa, utilizando na maior parte das vezes algum poder. Pode ser o poder hierárquico, por isso maior parte dos casos são exercidos pela chefia, no entanto não é exclusivo".

O conceito é novo, a prática nem por isso. Há vários anos que o bullying no trabalho acontece, mas se antigamente era relativizado ou até considerado como normal, hoje em dia estamos mais sensibilizados para a problemática. Por vezes acontece entre colegas de trabalho, embora, de acordo com a professora, seja mais frequente entre pessoas de diferentes níveis hierárquicos, graus de conhecimento ou com diferente pode para exercer pressão.

O mobbing pode ainda estar relacionado com comportamentos cuja intensidade de gravidade é divergente: "Falar com uma pessoa aos gritos é já um comportamento de mobbing", adianta a Maria José Chambel.

"Quando as pessoas se sentem discriminadas já é um sinal de bullying. Porque a discriminação já é uma forma de assédio. Não valorizar o que a pessoa tem a dizer, desprezá-la, evitar o contacto, não passar toda a informação ou todas as coisas necessárias para desenvolver bem o trabalho enquanto isso é feito a outras pessoas", refere a professora.

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"Fiz medicação psiquiátrica por ter sintomas depressivos"

O mobbing pode ter consequências graves para as vítimas no que diz respeito à condição mental. "Há pessoas mais vulneráveis, diferentes, ou que pertencem a um grupo minoritário e [os agressores] vão aproveitar essas características para fazer com que os outros também tenham uma imagem denegrida daquela pessoa, que vai acabar por se sentir isolada e, por não ter escape, não consegue ter uma alternativa para a sua vida", refere a professora Maria José Chambel.

No caso de Sara (nome fictício) que trabalhou com key account manager numa empresa, desde o início que se sentiu desrespeitada, bem como que a chefia punha em causa o seu trabalho ao "passar atestados de ignorância", como refere. Além disso, ainda tinha que lidar com "diversos comentários em relação ao género: as mulheres eram sempre inferiores aos homens".

Tudo isso contribuiu para que a segurança que tinha em si e no seu trabalho se perdesse. De repente, já não conseguia acreditar no seu profissionalismo, dedicação e valor.

Apesar de ter partilhado a situação com outras pessoas, apercebeu-se de alguma desvalorização por aquilo que estava a passar: "No sentido em que, se agisse e me queixasse a alguém superior hierarquicamente, iria ter represálias. A solução seria ignorar e não deixar que me afetasse, pois o bully era alguém muito próximo do CEO", recorda Sara.

O bullying no trabalho juntou-se a outros motivos pessoais que fizeram com que a certa altura Sara fosse diagnosticada com um quadro compatível com uma perturbação de ansiedade, tendo até de fazer medicação psiquiátrica devido aos sintomas depressivos. Acabou por sair da empresa por mútuo acordo.

Como sair do mobbing?

Por muito que uma vítima sinalize uma situação de bullying no trabalho e queira sair da mesma, este pode ser um processo mais difícil por estarem vários fatores em jogo: desde o encargo com os filhos, a dificuldade em encontrar um novo emprego ou até mesmo a pressão mental.

Contudo, há vários meios a que uma vítima de mobbing pode recorrer. "Consultar imediatamente o departamento de recursos humanos da empresa e juntos encontrarem uma solução. Se vir que efetivamente não está a acontecer nada, deverá fazer uma queixa na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)", indica a professora Maria José Chambel.

Há ainda outro procedimento que não deve ser descartado: a ajuda psicológica. Sara tinha um quadro e ansiedade, tal como Cláudia da produtora, que durante meses não conseguiu ter conseguiu dormir e ainda hoje toma antidepressivos.

"Afetou muito a minha autoestima e fiquei mesmo traumatizada com aquilo porque sempre fui uma pessoa forte e depois desse episódio sinto que me tornei numa pessoa muito mais frágil", conta Cláudia à MAGG.

O mobbing está regulamentado, é considerado um crime e é punido por lei. O problema está no facto de muitas situações serem difíceis de comprovar, mas a queixa pode ser a solução, evitando danos maiores na condição psicológica.