Lhakpa Sherpa tem 45 anos e incontáveis quilómetros percorridos nas montanhas. Foi a primeira mulher nepalesa a escalar o monte Everest, com mais de oito mil metros, na primavera de 2000. Voltou a fazê-lo mais oito vezes, incluindo oito meses depois de ter o primeiro filho e quando estava grávida de dois meses. Vinte anos depois, Sherpa quer voltar ao cume da montanha mais alta do mundo — mesmo que não haja uma única marca interessada em patrociná-la.

Em 2016 a alpinista nepalesa conseguiu o recorde mundial de escaladas de maior sucesso no Monte Everest para uma mulher com sete subidas, e recebeu o certificado de recorde do Guinness

Mas já lá vamos. Lhakpa cresceu em Balakharka, uma vila na região de Makalu, no Nepal. Tem 11 irmãos, e tal como muitos deles, assim como alguns primos, tinha 15 anos quando começou a subir a montanha para ajudar um tio a transportar equipamentos turísticos.

Hoje, esta é uma prática enraizada na família: um dos irmãos, Mingma Gelu Sherpa, guia uma expedição em Catmandu. O mais velho chegou ao topo da montanha dez vezes, outro oito e o mais novo cinco. Já a irmã conseguiu alcançar o cume uma vez.

O gosto pela escalada e as conquistas que alcançou levam Sherpa a querer mais uma: escalar de novo a montanha mais alta do mundo na primavera de 2020, mesmo sabendo que este é um plano ambicioso.

"Todos os atletas radicais são loucos", diz ao jornal "The Guardian". "Mas eu quero mostrar ao mundo que consigo fazer isso. Quero mostrar às mulheres que se parecem comigo que elas também conseguem".

Mas voltar a repetir o que aconteceu há 20 anos não é fácil. Isto porque não tem patrocínios, é mãe solteira de três filhas (uma delas é já adulta e resulta de uma relação antiga), e os recursos para pagar os treinos e as viagens são escassos.

Para fazer face às despesas, Sherpa lava pratos no supermercado Whole Foods, nos Estados Unidos, onde está a viver desde 2002, ganha o salário mínimo e vai para o trabalho a pé já que não consegue suportar as despesas de um carro.

A mudança para os Estados Unidos aconteceu depois de conhecer o marido na montanha. A relação foi conturbada, marcada pela violência doméstica, e muitos anos de escalada ficaram perdidos por causa deste relacionamento. Ainda assim, a sua dedicação persiste: mesmo a educar duas crianças sem ajudas, mesmo sem patrocínios, Sherpa garante que vai voltar a subir o Evarest.

"Eu tenho orgulho nela, mas estou preocupada", conta Shiny, a filha de 13 anos de Sherpa, ao jornal, acrescentando que é difícil quando a mãe está numa expedição — que acontecem normalmente em maio e têm uma duração de mais de dois meses.

A preocupação da adolescente tem um propósito: é que em cada temporada de escalada, seis a dez alpinistas morrem na montanha, de acordo com o mesmo jornal.

Esta é uma realidade que Lhakpa Sherpa conhece bem. Já viu pessoas a morrem no Everest devido a avalanches, a quedas ou ao ar rarefeito da zona morta. Durante a entrevista ao "The Guardian", Sherpa refere que os alpinistas passam por vezes por corpos mortos, devendo haver mais de 100 na montanha.

"Eu vou, mas eu sei que vou voltar. Eu tenho de voltar para casa", diz Lhakpa, enquanto olha para Shiny.

Mas é a família Sherpa que mantém as escaladas na montanha, ao fazer expedições com turistas. Muitos acham até que é uma tarefa simples, ideia que Lhakpa contraria. "Se não houvesse nenhum Sherpa", diz ao jornal britânico, "ninguém poderia subir o Everest".

Porque é que Lhakpa Sherpa não tem patrocinadores?

Talvez a diferença esteja nos seguidores de Instagram, onde atletas com vários fãs — e por vezes menos conquistas do que Sherpa — conseguem equipamentos gratuitos. Só isto daria uma grande ajuda à alpinista, já que alguns dos seus materiais têm muitos anos e estão gastos.

O "The Guardian" sugere que a principal razão para não ter apoios pode estar relacionada com o facto de "Lhakpa não ser tradicionalmente comercializável e as marcas desejam ter o máximo de visibilidade", acrescentando à equação o facto de ser uma mulher de cor e de meia idade, mãe solteira imigrante e ser conhecida por subir mais devagar nas encostas mais baixas, apesar de o fazer a conselho dos Médicos da Queda de Gelo.

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No seu caso os treinos são feitos no trabalho que mantém para pagar as contas — e quando sai em expedição corre o risco de não conseguir pagar a casa. É por isso que sempre que volta arranja o máximo de trabalhos que consegue, seja no supermercado ou a limpar casas.

"Eu nunca lhes falo sobre o Everest", diz ao jornal, acrescentando que um dia um dos patrões percebeu que a mulher que lhe limpava o chão era uma atleta de renome mundial.

Tudo o que Lhakpa deseja é conseguir um patrocínio para a subida histórica em 2020, ter tempo para treinar, construir um negócio de guia de expedições — que até já tem nome, Cloudscape Climbing —  passar a vida nas montanhas sem ter de lavar pratos, ter um livro e um documentário sobre sua vida e, por fim, conseguir dinheiro para que as filhas possam ir para a faculdade. "Estes não são sonhos rápidos", confessa ao jornal. "São sonhos longos".