Os leitores perguntam, a psicóloga Sara Ferreira responde. É assim todas as semanas. Saúde, amor, sexo, carreira, filhos — seja qual for o tema, a nossa especialista sabe como ajudar. Para enviar as suas perguntas, procure-nos nos Stories do Instagram da MAGG.

Caro leitor,

Todos nós, seguramente, já ouvimos falar da famosa “zona de conforto”. Na verdade, de conforto essa zona não tem nada; com o tempo, fica mesmo um desconforto difícil de suportar. Mas, pronto, como adoramos acreditar numa boa ilusão, continuemos a chamar-lhe (a esse fértil terreno de santa pasmaceira) a “zona de conforto”.

Bem, cabe perguntar: é do “conforto” ou da falta dele que estamos a falar?

A vida enrola-se nos factos comuns, nas coisas que se repetem, com comportamentos, hábitos, costumes, crenças e parecenças que se aprendem, no caminho rotineiro de todos os dias, no suspiro frustrado e fatigado de todas as noites, nas escolhas (ou desescolhas?) que fizemos e que continuamos a manter no presente (não importa porquê), no ramerrão rotineiro que elegemos (mas que tantas vezes traz o sabor acre do fastio) que nos mantém nessa tal de “zona de conforto”.

É aquela mornidão sensaborona que nos faz (sobre)viver aos dias num previsível marasmo, que por um lado nos parece “aconchegar” mas por outro (lá no fundo) nos dá aquela angustiante sensação de nos estarmos a desperdiçar, de alguma forma, confortáveis nas nossas pantufinhas, mas descalços camuflados com os pés frios de inércia, falta de desafio e (verdadeira) gratificação.

Percebo então, pela sua pergunta, que o leitor quer trocar essas pantufas e aprender a dar corda aos sapatos de corrida, não é?

Bem, para ter uma ideia, olhe aqui o expoente máximo de emoção que a maior parte das pessoas tem na sua vida.

'Tenho medo de sair da minha zona de conforto. Como é que luto contra isso?'

Não há nada de errado em permanecer no sofá a ver sei lá o quê (desde que seja essa a sua ambição máxima na vida).

“Daqui não saio, daqui ninguém me tira!”, dirá o amigo Homer à pulsação diligente da vida (caso esta lhe batesse à porta), ou mesmo, quem sabe, também o dissesse a sua mente (sobretudo, a mente mais resistente… à mudança).

Essa zona-chata-de-conforto da qual gostaria de sair, mas que ao mesmo tempo lhe dá medo de avançar é o que tem criado uma história repetitiva, cujos desenvolvimentos vão ficando debaixo do tapete, é também o que tem tornado a sua vida numa amena aflição e o leitor nem sabe muito bem porquê.

Só há um “pequeno” detalhe: a vida começa onde termina essa inércia!

Sim, esta é uma condição que nos predispõe a uma tendência a fazer o que é fácil, cómodo e conhecido, sem intenção de interromper ciclos viciosos e improdutivos ou de começar algo novo ou desafiador, que demande auto-disciplina, motivação e compromisso. E isso porquê? Porque, basicamente, o nosso cérebro foi feito para economizar energia e algo que nos retire na inércia é interpretado “instintivamente” como algo que cause um dispêndio extra de energia, logo, bad as hell.

Mas aqui entre nós, nisto da poupança dos consumos energéticos e de ter de despender o mínimo de energia mental possível, o Homer Simpson até tem as suas desculpas. Mas… e o leitor?

'Tenho medo de sair da minha zona de conforto. Como é que luto contra isso?'

Meu querido, o cérebro tem a função de filtrar o que nos podemos lembrar e as informações que queremos absorver, portanto, uma pessoa deve direcionar o seu foco sobre o que é essencial para as suas metas se quiser alcançar os seus objetivos de vida. Noutras palavras, o cérebro está programado para poupar energia mental (ativando e reativando os caminhos neurais habituais) e não necessariamente para lhe garantir “sucesso” ou “felicidade”. Estes, como já vimos, costumam estar fora da “zona habitual”, padronizada e de repetições do cérebro, geralmente ativadas “automaticamente” por conta da repetição sucessiva de hábitos, crenças ou rotinas que vamos mantendo ao longo do tempo.

Fora da zona de conforto está o desafio e o crescimento, e a possibilidade de criar mudança, junto com alguns “esforços” e contrariedades inevitáveis, que podem – sobretudo no início da transição – doer, mas que fazem tão bem (neste artigo descrevo melhor certas “dores de crescimento”).

“Cheguei aos 30 anos e não estou a saber lidar com a vida adulta"
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Esta famosa inércia, já explicada por Newton, pode ser muito sedutora, irresistível, “familiar” e igualmente desastrosa. É a nossa tendência de evitar os medos, a ansiedade ou algum tipo de desgaste. Sendo assim, tendemos a ficar num território onde podemos predizer e controlar os acontecimentos. Que possa garantir um desempenho mais ou menos constante, porém, limitado e com uma pseudo-sensação de segurança.

Bom, vamos lá falar das suas zonas de (des)conforto e como sair delas, porque se para lá ficar ninguém precisa de ajuda, já para sair dela, e se fosse assim tão simples, toda a gente o conseguiria fazer, não é verdade?

Duas questões:

1) Onde está e não quer estar?
2) Onde não está e quer estar?

Talvez este diagrama o ajude a aclarar as ideias.

'Tenho medo de sair da minha zona de conforto. Como é que luto contra isso?'

E então? O que vemos aqui?! Que para passar da "zona de conforto", do que é conhecido, “seguro” e familiar, para a "zona de aprendizagem", onde se lida com os desafios e se explora novas competências, há primeiro que passar pela "zona do medo", do desconhecido.

O desconforto na mudança é devido à passagem obrigatória por esta zona de insegurança. Tal e qual como a passagem pela zona de rebentação das ondas na praia.

A boa notícia é que, com cada mudança realizada, a zona de conforto vai-se tornando cada vez maior, chegando cada vez mais longe, até se tornar numa "zona de superação", de metas e sonhos. E o "medo" deixa de fazer sentido, pois tudo se torna aprendizagem.

As causas mais frequentes que nos fazem ficar na zona de conforto são:

Medo do incerto, do desconhecido

“Aqui sei como estou, mesmo que não esteja bem; ali… sei lá eu como vou ficar; e se mudo para pior?” [violino]

Medo da rejeição, da reprovação, da crítica

“Mas… e se depois não gostam do resultado da “minha versão nova”? E se me rejeitam, abandonam, dão-me p’ra trás e c’us pés e sei lá mais o quê?” [violinissimo]

Medo da incompetência

“E se descubro que não dou para isso? Que fracassei ou que não me oriento, ou que vou fazer más figuras e que vão gozar comigo? Ou que passo por vergonhas e apenas perdi tempo valioso e esforço para coisa nenhuma?” [pesaro, dolore lancinante]

Medo da troca de identidades

“Mas eu sou uma pessoa A (exemplo: tímida, acanhada) e isto obriga-me a ser uma pessoa B (exemplo: que mobiliza as atenções). Não é uma versão melhor de mim, parece ser mesmo outra pessoa, que me cria estranheza e não combina comigo.” [il calvario, temevo di morire!]

Diga-me cá, acenou afirmativamente com a cabeça em mais do que uma? É provável que sim. E por acaso reparou que o denominador comum a todas estas causas é a palavra “medo”?! Esse mesmo medo, enfim, de que me fala na sua questão.

Só para que conste, se falamos de “medo” falamos, portanto, de uma reação visceral, primitiva, treinada desde que nascemos. Mais do que isso, falamos de uma emoção que promove o evitamento. É básico: se tem medo do bicho, não se atira a ele, certo?! Então, de entre o repertório básico de “luta ou fuga”, adivinhe qual é que leva a melhor? A fuga, claro.

Qualquer alteração de paradigma implica sair da zona de conforto e funcionar num domínio de incerteza e pouca segurança, numa zona de falta de experiência, o que se revela para muitos como algo similar a agir no… limiar do pânico!

É o proverbial “isso não é a minha praia!”… Então, se o leitor quer “lutar contra isso”, saindo dessa zona de conforto para poder transpor as potenciais zona de medo > zona de aprendizagem > zona de transformação, terá “simplesmente” que sair da “sua praia”.

Falar da praia de cada um ou da zona de conforto é uma metáfora para designar o ambiente que controlamos, em que as coisas nos são familiares e confortáveis, independentemente de nos serem agradáveis ou não… A zona de conforto, como vimos atrás, representa o que conhecemos e elenca os nossos hábitos e rotinas, as nossas competências e conhecimento, as nossas atitudes ou comportamentos.

Fazer diferente, na ânsia de outros resultados, implica sair da nossa praia… implica aprender outras coisas, mergulhar no desconhecido, arriscar mais. Para uns este mergulho é fantástico, e é sinónimo de desenvolvimento; para outros, é como se lhes puxássemos o tapete, é angustiante, é incerto e dá medo.

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Mas, para todos nós, é cada vez mais preciso!

Em torno da zona de conforto temos uma zona de aprendizagem que nos permite alargar a visão que temos das coisas, experienciar coisas novas, enriquecer os nossos pontos de vista, alargar hábitos e conhecer outras necessidades e realidades. Gravitar para esta área de aprendizagem alarga a nossa experiência, permite-nos aprender e transformar.

Para algumas pessoas mais “treinadas” nestas lides da resiliência e da superação pessoal, este mergulho no desconhecido é sinónimo de desenvolvimento e diversão, são completamente apaixonados por estar consistentemente a descobrir os próximos passos, a fazer diferente, por mais que os saltos que dão resultem num eventual bater com a cabeça na parede.

Neste vídeo que fiz e que poderá ver aqui em baixo, mostro-lhe, passo-a-passo, porque é que “errar” não significa nem deve significar “automaticamente” falhar. Se pensarmos no erro como uma tentativa de aproximação ao que pode dar certo, vemo-lo não como uma falha mas como um passo em frente, no sentido do que pode vir a ser o êxito. Neste vídeo, ofereço-lhe ainda uma mão cheia de dicas para treinar o seu músculo da tolerância ao erro e a fazer dos erros oportunidades de acerto.

Para outras pessoas, porém, errar é algo angustiante e por isso tendem a evitar o mais possível o desconhecido, já que sair da zona de conforto é percecionado como arriscado, gera medo de falhar, medo do embaraço, receio de cair no ridículo, das opiniões dos outros e um ai-quem-me-acuda.

Mas, e se correr bem?

Zona mágica… de aprendizagem (sempre) e transformação!

É difícil acreditar em varinhas de condão e nem o leitor precisará de bolas de cristal, mas arriscar pode revelar-se mágico e trazer-nos novos grandes desafios.

Na verdade, possuirmos algum super poder para alavancar a vida seria fantástico, concorda? E de que forma a terapia nos ajuda a desenvolver (de entre vários outros) esse que eu considero um incrível e maravilhoso super poder para superarmos qualquer batalha que a vida nos apresente? Pode descobrir tudo neste meu outro vídeo, aqui em baixo, e conheça uma das principais “chaves” para conquistar um super poder para desbloquear dentro de si todo o seu potencial.

Gerir os nossos medos ajuda a aumentar a auto-estima e isso dá-nos uma perspetiva diferente sobre a realidade, sobre os objetivos e as metas que queremos abraçar. Não há problema em, de início, nos sentirmos vulneráveis, pouco competentes e sentirmos que é arriscado. Não se pode saber tudo… aprendizagem é isso mesmo!

Em consultório, com muita frequência, eu percebo nas pessoas que por algum motivo estão presas a comportamentos autossabotadores um mecanismo inconsciente que atua nas mais variadas situações quotidianas. E posso dar conta que os pensamentos negativos geralmente estão – literalmente – a bloquear as suas ações. Então, desenvolvemos estratégias para fazer algo que posa calar aquelas ‘vozes’ imediatamente e conseguir ter a ação que tanto precisam naquele momento.

Neste outro vídeo que aqui lhe deixo, em baixo, o leitor irá entender porque é que por vezes acreditamos em coisas e temos como “verdades absolutas” aquilo que foi fruto apenas de um pensamento ou de uma emoção, ou situação momentânea, ou mesmo de um condicionamento precoce, sem que essa “aprendizagem” seja atualmente válida ou mesmo correta ou completa, em especial, se pretender alcançar coisas diferentes das que tem vindo a obter.

Aproveite e descubra ainda neste vídeo que lhe disponibilizo 5 formas eficazes que o(a) ajudarão a proteger a sua mente dos padrões de pensamentos automáticos negativos, caso contrário, eles continuarão a multiplicar-se e a tomar conta da sua vida.

Assim, caríssimo leitor, se tem medo de sair da sua zona de conforto e quer saber como é que pode lutar contra isso, eu diria que necessária e inevitavelmente terá de ir além de sua zona de conforto (ou melhor, de estagnação) e começar a agir agora mesmo.

A “magia” de facto só acontece quando enfrenta os seus medos. Já agora, aqui para nós:

- Como se relaciona com os seus medos?
- Interpreta-os como um sinal de Stop?
- Deseja que se dissolvam antes mesmo de avançar?
- Constituem um impedimento a fazer diferente?

Convido-o a ler o seu medo como uma emoção adaptativa face à possibilidade de mudança. É simplesmente um sensor que dá conta que algo está em transformação. Sentir medo não é sinal de ausência de preparação ou de caminho errado. Quando quebramos uma rotina, instalamos um novo comportamento, desafiamos a nossa zona de conforto, podemos contar com o medo. 

E é aí que crescemos, que nos fortalecemos e caminhamos para um lugar melhor.

Se sair da sua zona de conforto lhe parece uma tarefa impossível ou complexa, considere as razões para dar este passo. As grandes oportunidades estão fora da nossa zona de conforto. Hoje é um bom dia... experimente!

Sair da zona de conforto permite-lhe:

- Descobrir potencialidades suas até então desconhecidas
- Maior flexibilidade e adaptação
- Aumento da auto-confiança
- Vivência de novas emoções e sensações
- Aumento da criatividade e inteligência
- Desenvolvimento de competências emocionais e sociais
- Experiências mais intensas no presente
- Eliminar medos

E vai ver que, quantas mais vezes se desafiar a sair da zona de conforto, menos desconfortável a situação se torna. Não quer dizer que a zona de conforto desapareça ou fique mais pequena, mas muda significativamente.

É difícil descrever quanto potencial alguém tem quando essa pessoa só pensa e faz as mesmas coisas todos os dias, sem sair da zona de conforto.

A vida pode ser mais ou menos, mas pode ser incrível e excelente, também! O que seria a sua definição pessoal de "excelente"?

- O leitor investe tanto tempo em perguntar-se como seria a sua vida ideal quanto o tempo que gasta a reclamar do que acha que está errado?
- Você sabe o que procura? Sabe como pretende conseguir? Passa tempo a estruturar estes anseios?
- O que você mudaria para se sentir mais vivo, expansivo, conectado ou auto-confiante?
- Como seria se se desse a liberdade de viver o que realmente quer?

Sabe, a grande mentira que contamos no dia 1 de abril (e todos os outros 364 dias do ano) é esta: não partimos para a ação e alimentamo-nos de promessas de mudança nunca cumpridas.

Pior: por exemplo, quando olha para o colega que foi promovido, o parente bem-sucedido, a irmã que casou, o vizinho com uma saúde de ferro e tenta convencer-se que são todos uns “sortudos”. Sabemos que não são, eles fazem por isso, eles lutaram por algo (tal como o leitor quer “lutar” para sair da sua zona de conforto), mas talvez estivesse pré-ocupado demais em reclamar e ir adiando sistematicamente as suas promessas.

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Os obstáculos que encontra não são desculpa para adiar a sua vida. Eles são a sua vida. De verdade. Para lhe ensinar a ser quem é. Cada vez mais. E o tempo não espera por ninguém. É igual para todos.

Portanto, pare de esperar até que…por exemplo, perca 5 quilos… ou ganhe 5 quilos; até que… tenha tido filhos… ou que os filhos saiam de casa; até que se case ou que se divorcie; até sexta-feira à noite… ou segunda-feira de manhã… até ao próximo verão, outono, inverno… para voltar a viver o novo, antes que morra. Decidindo que não há melhor hora para ser feliz do que agora!

Lembre-se, a vida dá-se para quem se dá a ela.

Então, porque não atender a esse impulso de transformação que bate à sua porta? Será que a zona de conforto é tão agradável que o impede de investir tempo, esforço, dinheiro num sonho realmente significativo?

A sua capacidade de superação e satisfação com os resultados é diretamente proporcional à sua capacidade de abraçar o desconforto. Não é possível crescer e evoluir sem ousar desafiar-se e alargar a sua zona de conforto.

Por tudo isso, ouse abraçar a novidade, ouse trocar a dúvida por confiança, ouse priorizar-se e ouse ser feliz.

Até para a semana!