Há três coisas que importa esclarecer antes de ir diretamente ao tema. Coisa número 1: sou filho de professores, já reformados, que fizeram toda a carreira na escola pública, entre o ensino preparatório e secundário. Coisa número 2: desde a primeira classe, e até o quarto ano da faculdade, sempre estudei no ensino público. Coisa número 3: tenho dois filhos em idade escolar, o mais velho, que frequenta o oitavo ano, está no ensino público, e o mais novo, que entrou este ano para a escola, anda no semi-público.

Digo isto de forma preventiva, porque já sei que o tema “professores” e “escola pública” gera sempre aqueles comentários de gente que acha que os outros não percebem nada dos assuntos (ainda que eles não conheçam “os outros”) e que eles é que estão sempre informados sobre tudo e sabem sempre tudo sobre os temas em que estão envolvidos.

Mas vamos lá.

Por mais reformas que se tenham feito nas mais variadas legislaturas, chegámos a 2019 e parece que a escola pública continua a viver em 1996. É verdadeiramente assustadora a ineficiência da gestão das escolas públicas. Gestão a todos os níveis, sendo o mais gritante de todos a forma demorada, atabalhoada e ineficaz como se continua a fazer a colocação dos professores.

No ano letivo passado, a turma atual do meu filho esteve seis meses sem professora de Português. E porquê? Porque esteve de baixa. E esteve de baixa porquê? Porque fez uma luxação no pulso. Foi operada? Não. Andou com gesso? Não. Fez uma luxação no pulso. Seis meses de baixa. E quem é que a substituiu? Ninguém.

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Este ano, o meu filho vai na quarta semana de aulas. Continua sem professor atribuído a duas disciplinas. A Português já tem professora, mas está de baixa. Volta para a semana. A diretora de turma é a professora de Inglês, mas está de baixa. A substituta chegou na semana passada, vinda de Aveiro, e estará na escola por um período indeterminado. Na reunião de início do ano que teve com os pais dos alunos, assumiu o papel de diretora de turma interina e não prevê ficar ali por muito tempo, como a própria informou, ou seja, o nível de compromisso que tem para com a função é a esperada.

Ao longo da reunião, lá foi debitando as normas da escola, perante um tédio evidente de uma série de pais que sabiam muito mais sobre a escola do que a própria professora. Nada contra a senhora, coitada, que caiu de pára-quedas numa escola, que nem sequer ganha o suficiente para alugar uma casa em Lisboa, e que herdou uma pasta de direção de uma turma que sabe que não será dela por muito tempo. Ela está a fazer o que pode.

Como é que em 2019, com um mundo digitalizado, em que se conseguem construir sites com capacidade para milhões de entradas diárias de utilizadores, continua a não existir uma plataforma digital do Estado que permita uma gestão rápida e eficiente para a colocação dos professores? Como é que se demoram meses a substituir e a colocar professores? Como é que nunca se encontrou um programa informático eficiente e moderno que permita trabalhar este tema com antecipação para que as escolas públicas arranquem com os quadros completos? Como é que nos dias de hoje as escolas públicas continuam a não ter autonomia para resolver os seus próprios problemas, sem terem de esperar pelo Estado pesadão e ineficiente, que arrasta as suas decisões pelos corredores da burocracia? Como é que nenhum Governo conseguiu resolver este flagelo, que afeta todos os dias centenas de milhares de crianças?

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No início dos anos 2000, o Ministério das Finanças debatia-se com um problema que custava, diretamente, milhares de milhões de euros ao Estado português: a fuga aos impostos. Era a rebaldaria total. Não havia faturas para nada, ninguém declarava nada, era facílimo encontrar formas de não pagar imposto. A economia paralela tirava dos cofres do Estado dinheiro que poderia ser usado para investir no desenvolvimento do País. Até que chegou ao governo Paulo Macedo, debaixo de uma fortíssima contestação pública, porque iria ganhar mais do que o Presidente da República. Paulo Macedo reformou a máquina fiscal e resgatou milhões de euros perdidos na tal economia paralela. Houve vontade política e houve um homem com a coragem, as ideias e a motivação para mudar as coisas. Fez acontecer, contra a ideia instituída de que era impossível resolver aquele problema, enraizado na nossa cultura.

Quase 20 anos depois, continua a não haver quem faça o mesmo pela Educação, um ministro, um governo que olhe para a ineficiência do sistema público de Educação, identifique os problemas, encontre as soluções e consiga implementá-las, mesmo contra as mais do que esperadas contestações sindicais, contra a cultura instalada de desresponsabilização, contra uma suposta descentralização de poder pelas associações regionais de Educação que claramente não funcionam.

Vamos a exemplos práticos. A comunicação entre professores e pais continua a ser feita maioritariamente através de uma caderneta em papel, que qualquer aluno pode “perder” quando lhe dá jeito, em que uma assinatura pode ser falsificada e em que o controlo de cada pai pode ser facilmente controlado pelo aluno. Existe a plataforma Inovar, que permite aos pais terem algumas informações sobre o que se passa com os filhos, onde estão os horários, testes marcados, sumários, registos de faltas. Pergunta: quantos pais conhecem a plataforma? Quantos pais usam efetivamente a plataforma? E com que frequência? Há dados sobre isso? Para que as coisas funcionem é preciso saber comunicá-las, é preciso explicar as vantagens, trazer os utilizadores para a plataforma. Não basta fazer e pronto, agora desenrasquem-se. Não é isso que acontece com as instituições privadas, por uma razão: é que os privados têm de ter resultados e se não os têm há coisas que necessariamente têm de ser alteradas, há consequências diretas de atos ineficazes.

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Mas a plataforma Inovar dá-nos o básico, o mínimo indispensável, mas eu, como pai, não quero só isso. Quero mais. Quero poder ter informações mais concretas sobre como é que a escola está a correr ao meu filho, como é que ele se está a relacionar com os professores, como é que ele se comporta nas aulas, como é que ele interage com os outros alunos. Quero poder fazer perguntas aos professores (e os pais não têm acesso aos mails dos professores, sabe-se lá porquê), mas o único contacto que tenho é o de um diretor de turma que me atende uma vez por semana, durante 45 minutos. Não aceito o argumento de que se todos os pais quisessem falar todos os dias com todos os professores eles não teriam tempo para dar aulas. Cabe às escolas, ao governo, ao Estado, encontrar uma solução que me permita aceder a essas informações. E porque não me limito a exigir, quero contribuir para a solução.

Porque é que não existe uma plataforma digital integrada, onde estão pais, professores e alunos, que vive num site e numa versão app mobile, com notificações sobre aquilo que é mais importante para os pais e os alunos? É esse o mundo em que vivemos, não é o mundo das cadernetas de papel. Eu gostava de receber uma notificação push da app escolar a dizer que o meu filho vai ter teste de Inglês daí a uma semana, ou que faltou à aula de inglês, ou que teve um registo de mau comportamento. E quero poder ter a opção de responder de volta, de comunicar diretamente, e na hora, com o professor, o diretor de turma, a direção da escola. Eu quero uma plataforma em que os pais possam ser informados de conflitos graves ou situações de violência física e psicológica, sem ter de esperar (e rezar) que o meu filho me conte. Eu quero uma plataforma, a que o meu filho também tem acesso, em que ele possa comunicar à escola que está a ser vítima de abusos por parte de um colega, e, assim, a escola poder procurar entender o que se passa. Eu quero uma plataforma que ajude a resolver os grandes problemas, as grandes ineficiências das escolas públicas. E não é assim tão difícil pensar, estruturar e criar essa plataforma. Implementá-la, isso sim, é duro, exige vontade política, vontade de ir à luta contra os de sempre, mas tendo sempre em mente que quem vai ganhar com isso são os nossos filhos.

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Uma vez mais, a questão do dinheiro. Qual é o investimento para isto? Quantas pessoas a mais terão de entrar nos quadros das escolas? Como é que se monitoriza isto? Quantas pessoas teriam de existir nas escolas para que isto fosse eficiente e real? Muitas. Muitas mais do que aquelas que existem hoje. E é para isso que todos pagamos impostos. A Educação, a par da Saúde e da Segurança, devem ser as principais prioridades e funções do Estado. Otimizando custos, retirando o Estado de onde ele só anda a gastar dinheiro (como nas TAP desta vida, nos transportes, nas comunicações e em tantos outros setores) é possível canalizar dinheiro para onde ele deve estar, no que é verdadeiramente importante: a Educação.

É frequente, hoje, demonizarem-se as redes sociais, a tecnologia, os telemóveis, e há muita razão em muitas das coisas que são ditas. Mas o digital tem o outro lado, o lado que nos facilita a vida, o lado que nos leva até ao telemóvel, à nossa mão, informação relevante que acrescenta valor à nossa vida. Os filhos são, devem ser, e serão sempre a prioridade de qualquer pai. Se há coisa em que eu gostava que a tecnologia fosse intrusiva era em relação à vida escolar do meu filho. Mas nestas coisas não basta ter as ideias, não basta ter a vontade, não basta ter o poder, é preciso muito mais do que isso para derrubar a máquina instalada.