As vozes das redes sociais não se inibem de comentar a figura do momento. Greta Thunberg, a ativista sueca de 16 anos, encarnou a voz de todos os que querem combater as alterações climáticas, com discursos poderosos, frente a lideres políticos de todo o mundo.

A sua última grande exposição aconteceu na segunda-feira, 23 de setembro, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a ter lugar em Nova Iorque. “Roubaram os meus sonhos e a minha infância com as vossas palavras vazias”, diz a jovem emocionada, acusando os lideres mundiais de traição e de passividade face à crise ambiental. “Como ousam?”, repetiu várias vezes.

Outras frases marcantes saíram deste discurso: “Vocês estão a falhar-nos”; os olhos de todas as gerações futuras estão sobre vocês. E se vocês optarem por nos abandonar, nós nunca vamos perdoar-vos. Não vos vamos deixar escapar com isto. Aqui, agora, é onde traçamos a linha.”

Ninguém ficou indiferente às palavras de Greta Thunberg. E, como sempre, há duas equipas: a que aplaude e a que lhe faz duras criticas. "Devia estar na escola”; “O mediatismo vai roubar-lhe a infância e ter consequências irreversíveis no seu futuro”; “Está a ser alvo de manipulação política” são alguns dos comentários que encontramos.

Mas há pior: há memes a compará-la com raparigas louras do tempo do regime nazi, há análises à sua aparência que concluem que a mãe se alcoolizava pela altura da sua gestação, e houve ainda comentários públicos muito duros, como aquele feito por Michael Knowles, convidado da FoxNews.

O comentador político americano da fação conservadora disse: “O movimento da histeria climática não tem que ver com a ciência. Se fosse sobre ciência, seria liderada por cientistas, e não por políticos e uma criança sueca com doença mental que está a ser explorada pelos seus pais e pela esquerda internacional.” Posteriormente, o canal americano emitiu um pedido de desculpas público.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, terá sido um pouco mais subtil na forma como troçou da sueca. No Twitter partilhou o discurso de Greta Thunberg, dizendo: “Ela parece uma miúda muito feliz com um futuro muito brilhante e maravilhoso pela frente. Tão bom de ver.”

Apesar de ser uma adolescente, a jovem não se deixa ficar. Na mesma rede social alterou a descrição da sua conta, utilizando as mesmas palavras que as do presidente dos Estados Unidos. E, através de tweets, dá resposta ao role de críticas.

“A Greta apenas quer se ouvida e sentir que há mudança de comportamentos”

Falar de mediatismo no caso de Greta Thunberg não é a mesma coisa do que falar na visibilidade de um youtuber adolescente, seguido por milhões de pessoas. A sueca de 16 anos acusa, pressiona e crítica lideres mundiais. Consequentemente, tem de arcar com tudo o que isso acarreta: faz centenas de títulos na comunicação social, vê a sua pessoal vida exploradae, no fundo, deixa de viver o normal dos dias de um adolescente da sua idade.

Mas, como escreveu o humorista Diogo Faro numa publicação de Facebook, Greta não é a primeira a destacar-se ainda jovem. “Mozart compôs a primeira sinfonia aos oito, Joana D’Arc tinha 17 quando se juntou à Guerra dos Cem Anos e mudou a História, Mary Shelley publicou o Frankenstein aos 20.”

Porém, interessa saber: que impacto é que tanto mediatismo pode ter no desenvolvimento de uma adolescente? De acordo com a psicóloga da adolescência Marina Carvalho, também aqui existem dois lados.

No polo positivo, a especialista destaca que “ao abraçar uma causa — sobretudo uma causa como esta — e ao conseguir fazer com que esta atinja a sociedade (indo além da sua família, da sua comunidade)”, Greta Thunberg demonstra “capacidade para seguir as suas convicções, crenças, mostrando a si própria confiança na sua capacidade para seguir em frente com aquilo em que acredita.”

Joana Correia, psicóloga infantil da Clínica da Mente, em Coimbra, nota em Greta Thunberg uma “excelente capacidade de comunicação”, considerando que o discurso na ONU é normal face à situação que vivemos e face à sua idade.

Parece-me que a Greta está muito focada nos seus objetivos e que terá sido devidamente preparada pelos pais para gerir tudo o que venha a ver, ouvir e sentir de natureza hipoteticamente de Bullying. Bullying só o é se for sentido como tal”

“Expressa-se de forma muito empática, com uma boa capacidade de raciocínio e uma excelente capacidade de articulação entre o que sente e o que pensa”, diz. “A sua determinação é outra característica marcante da sua personalidade — e que é muito bem evidenciada nesta temática tão importante para todos nós e que ela abraça com toda a sua convicção.”

Além disso, Marina Carvalho destaca ainda o facto de a jovem ser um exemplo para os outros da sua faixa etária, ao demonstrar que pode ter uma voz, que pode ter as suas crenças, transformando os seus ideais em ações concretas.

Greta Thunberg é a fundadora do movimento das greves das escolas pelo clima. Tudo começou em agosto 2018, quando a ativista de 16 anos começou a faltar às aulas, indo para a frente do Parlamento Sueco, como forma de alertar para a necessidade urgente da proteção do ambiente.

A partir de 9 de setembro, data das eleições legislativas da Suécia, a ativista passou a protestar apenas à sexta-feira, dando origem ao Fridays For Future que, entretanto, ganhou dimensões internacionais: depois de já vários países terem, isoladamente, seguido o exemplo de Thunberg, a 15 de março de 2019, as manifestações escolares decorreram em mais de 2000 cidades por todo o mundo.

A 24 de maio estudantes de 1664 cidades, de 125 países, voltaram a protestar. A próxima ação está marcada para 27 de setembro.

A especialista da Clínica da Mente prevê para Greta um futuro brilhante, tal como Trump, mas sem ironias. "Sendo a Greta uma adolescente com 16 anos a viver esta temática com esta intensidade, prevê-se que a sua crença na defesa destes ideais seja cada vez mais forte, não medindo esforços para a manifestar, podendo assim vir a tornar-se um Ídolo e líder a nível Mundial, movendo multidões."

Ao falar publicamente sobre a síndrome de Asperger Greta Thunberg também ajuda a levantar o preconceito sobre esta forma mais leve de autismo. “Isto pode contribuir para diminuir o estigma que existe sobre este tipo de condição”, diz Marina Carvalho. "Quando uma pessoa assume que tem uma dificuldade, está a contribuir para diminuir o estigma e mostrar acima de tudo que são todas diferentes e que mesmo sendo, podem atingir os seus objetivos e causas.”

Joana Correia corrobora a ideia: "Com este fenómeno, consegue-se paralelamente desmistificar o estigma que muitas vezes se desenvolve em torno da Síndrome de Asperger, rotulando-o de incapacidade e discriminação, substituindo-o por este exemplo de força, coragem e determinação corporizados na Greta."

A própria síndrome poderá ter contribuído para a assertividade do seu discurso. “A síndrome de Asperger afeta a forma pela qual a criança percebe o mundo e interage com as pessoas, mas não é incapacitante. São crianças com níveis de inteligência média ou acima da média e não apresentam dificuldades a nível da aprendizagem, podendo eventualmente ter alguns problemas a nível da linguagem, o que não me parece ser o caso da Greta”, diz Joana Correia.

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“No caso da Greta, é visível a forma como ela se mostra desafiadora e defensora dos seus ideais, seja com políticos, entidades ou com a comunicação social onde a Síndrome de Asperger não é, de todo, notória. A Greta apenas quer se ouvida e sentir que há mudança de comportamentos.  Ela está focada num assunto de uma importância tão relevante nos dias de hoje, tão atual, que lhe permite explorar e dedicar-se, de corpo e alma.”

Para a psicóloga de Coimbra o discurso em causa não terá sido fabricado. “Será um discurso com base no que pensa e sente”, considera.

A família, a escola e a cultura (no fundo, o meio em que crescemos) influenciam a forma como vemos o mundo, explica a psicóloga, acrescentando ainda que existe sempre o fator hereditariedade. “No caso desta menina, há evidencias de ter crescido num meio muito sensível ao tema alterações climáticas e os seus perigos para a Humanidade e para o futuro do planeta, pelo que o resultado esperado seria o de ser também sensível a esta temática, sensibilizando o mundo para a proteção do mesmo, o que felizmente se veio a verificar.”

"Bullying só o é se for sentido como tal”

Agora, o lado menos bom. Apesar de tudo, Greta Thunberd tem 16 anos. É uma adolescente e está a formar-se enquanto pessoa. A norma diz-nos que, com esta idade, as vivencias se fazem na escola, junto dos amigos, da família. No caso da sueca, há diferenças: dá entrevistas, prepara discursos que depois declama para sociedades inteiras ouvirem.

O resultado menos bom da causa que defende, apontado por Marina Carvalho, tem que ver com dois pontos: alterações de rotina e exposição mediática. "O impacto negativo está relacionado com as alterações de rotina — em contexto escolar, de amizades e familiar — que estão por detrás deste tipo de ações." No entanto, ressalva que a força deste abalo depende de uma "maior ou menor flexibilidade cognitiva."

"Este impacto vem de comentários, criticas e julgamentos não estão sob o controlo de quem desenvolve estas ações, portanto é impossível evitarmos aquilo que não depende de nós."

Porém, segundo a psicóloga, o mediatismo será a consequência mais forte na vida da sueca. "Sabemos que pode envolver críticas e muitos outros aspetos negativos", diz. "Este impacto vem de comentários, criticas e julgamentos que não estão sob o controlo de quem desenvolve estas ações, portanto é impossível evitarmos aquilo que não depende de nós."

Sendo um inevitabilidade, a questão chave passará, então, por "preparar estes jovens para estas questões, ajudando-os a lidar com este tipo de comentário." O importante será conseguir reunir um equilíbrio entre o direito de dar a sua opinião, a levar as suas ações avante, e estratégias que não impactem negativamente o seu desenvolvimento e formação.

“Este equilíbrio é conseguido pelo núcleo mais próximo desta pessoa: família, escola, comunidade e a maneira como todos se podem organizar para ajudar a gerir os aspetos negativos da exposição, sendo um auxilio para ajudar a enfrentar as barreiras que possam surgir."

Joana Correia acredita que Greta Thunbrg tem o apoio de que precisa, estando, consequentemente, preparada para lidar com a adversidade do mediatismo. “Parece-me que a Greta está muito focada nos seus objetivos e que terá sido devidamente preparada pelos pais para gerir tudo o que venha a ver, ouvir e sentir de natureza hipoteticamente de bullying. Bullying só o é se for sentido como tal”, diz.

É que, segundo a mesma especialista, acima dos efeitos colaterais destas ações, está a importância daquilo que defende. “A determinação da Greta para sensibilizar o mundo para a necessidade de cuidarmos do meio ambiente e de o pouparmos de todas as agressões de que tem sido alvo ao longo do tempo é um argumento tão forte tão importante, que não me parece que existam ações da comunicação social que possam fazer parar esta sua nobre causa.”