Eu, Marta Cerqueira, me confesso. Sábado, no auge da minha sede, comprei uma garrafa de água de plástico. Atirem-me pedras na praça pública, acendam uma fogueira, deportem-me para a Guatemala. Não tenho desculpa, mas ainda assim vou tentar explicar.

Fiz para o almoço uma bolonhesa de lentilhas e cogumelos — já me perdoam um bocadinho? — até porque para mim o hashtag é #AnoTodoSemCarne. O raio da bolonhesa ficou mesmo boa, mas logo à primeira garfada senti que tinha exagerado no sal. Mas tudo bem.

O problema deu-se quando, ainda a digerir este repasto vegan, decidi enfiar-me no cinema para ver o "Variações". Percebi que a minha garrafa reutilizável tinha ficado em casa, já tinha pedido um copo de água junto com o café, já tinha até ido beber tipo repuxo da torneira da casa de banho. Mas estava prestes a ficar duas horas fechada numa sala e acabei por ceder a comprar uma garrafa de água de plástico, claro, até porque era a única opção disponível.

Não morreu instantaneamente um golfinho, não houve nenhuma cegonha com a tampa espetada no bico, nem ouvi nenhuma notícia sobre uma baleia a dar à costa com a minha garrafa no estômago. O mundo não acabou porque eu comprei uma garrafa de plástico, mas eu não deixei de me sentir culpada e até envergonhada de ter cedido àquele plástico rápido. Principalmente depois de a Marta Miranda ter decidido contar ao mundo que eu fui a guru da sua entrada neste mundo que há muito precisa da nossa atenção.

Paguei a garrafa com o euro que mais me custou dar e dei por mim a pensar: "Olha se alguém me vê a comprar isto?". É que, de repente, senti nos outros o olhar que eu faço sempre que vejo alguém a beber de palhinha de plástico ou a pôr a cebola, a batata e o tomate em três sacos diferentes no supermercado.

Claro que esses olhares não existiram senão na minha cabeça, assim como a culpa, que rapidamente destruí quando, antes de entrar na sala de cinema, parei e pensei que isto do zero desperdício é suposto ser uma coisa boa e não uma espécie de jogo do Super Mário no qual a cada garrafa de plástico comprada caio na boca daquelas fores comestíveis que saem dos tubos verdes.

Comprei uma garrafa de plástico, é certo, mas nos outros dias uso a minha própria garrafa. Troquei os copos descartáveis para o café que o local de trabalho disponibiliza pela minha própria chávena. Levo os meus sacos reutilizáveis quando vou às compras, compro a granel sempre que posso e montei um ecoponto caseiro. E isso é incrível.

Crónica. A odisseia de dizer não aos sacos de plástico
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Tal como eu, ninguém se pode martirizar por sair da linha verde de vez em quando e, mais importante ainda, não há forma de passar a ser sustentável de um dia para o outro a não ser que vás viver para uma gruta algures na Ilha da Páscoa e, ainda assim, é possível que uma onda arraste uma ou outra rede de pesca.

Quando falamos de mudanças, o importante é que sejam fazíveis. Não vale a pena ambicionar ser vegan se não conseguimos vislumbrar uma refeição sem carne, nem passar a pôr o nosso lixo de um ano dentro de frasquinho, como a Bea Johnson, se atualmente todos os dias levamos dois sacos por dia ao contentor.

No caso da alimentação, o impacto é maior se vinte pessoas diminuírem o consumo de carne do que se umase tornar vegan. E o mesmo acontece nesta luta contra o plástico, na qual o truque é reduzir mas, principalmente, tentar. Mesmo sabendo que vai falhar e comprar uma garrafa de plástico de vez em quando. O importante é não fazê-lo diariamente.

Orgulhe-se porque trocou o copo de café descartável pela chávena ou porque disse que não à palhinha que estavam prestes a enfiar-lhe no mojito. Orgulhe-se porque em vez de um caixote comum, passou a separar os resíduos em papel, plástico e vidro. Orgulhe-se porque em vez de comprar o arroz, a massa e o grão embalado, houve um dia que passou numa loja a granel e decidiu experimentar.

Pode não ser todos os dias, pode não ser todas as vezes que vai às compras, pode não ser todas as vezes que vai beber cocktails com os amigos. Mas uma vez vai ser, e essa vez multiplica-se naturalmente, não só em si como nos outros que, ao verem que diz não à palhinha, começam também eles a sentir a tal vergonha que eu senti ao comprar uma garrafa de plástico.

Hoje, de volta ao trabalho, já fiz o chá no meu termo, já bebi café na minha chávena e já tenho aqui de lado envelopes e um caixa para levar para a reciclagem. E sabem quem é que os leva para o ecoponto? A Marta Miranda, aquela que há um ano não fazia reciclagem e a quem eu lancei o simples desafio: “E se começasses só a separar o plástico do lixo comum?”.

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