Na fronteira que separa os dois mundos do Cais Sodré, em Lisboa, há um novo bar. Chama-se Desordem e, de um lado, tem como vizinhos os espaços de diversão noturna que competem pelos clientes, oferecendo baldes com álcool a preços muito baixos; do outro, a faceta mais sofisticada desta zona de Lisboa, onde há hotéis, restaurantes e bares mais luxuosos.

A localização não podia ir mais ao encontro do que este espaço pretende ser. É que é, precisamente, o meio que caracteriza o Desordem: “A ideia era conseguirmos puxar a qualidade de bares de cocktail para um espaço que não é exclusivamente de cocktails. A nossa ideia foi criar um meio termo de tudo: não deixamos de ser um bar no Cais Sodré, não deixamos de ser uma coisa mais cool, jovem, com rotação de clientes, mas também não deixamos de ter um lado mais sofisticado, ainda que num registo muito descontraído”, conta à MAGG Luís Gasparinho, um dos sócios e gerente do bar.

Aberto desde o início de setembro, está ainda num processo de soft opening. Há detalhes a afinar, mas a ideia daquilo que se quer está mais ou menos fechada desde os tempos em que o novo bar foi idealizado, há dois anos. Os irmãos Luís e Hugo Gasparinho juntaram-se aos amigos António Carrilho e Rui Jácome (os dois últimos, sócios do restaurante Sauvage, em Lisboa) para formarem o quarteto responsável pela abertura do espaço do Cais Sodré.

Com obras de Salvador Colaço nas paredes, o espaço tem 38 lugares sentados e uma extensa carta de bebidas mais populares e terá uma mais reduzida de cocktails de autor

As paredes cinzentas, que remetem para um imaginário industrial e para os ritmos da cidade, condizem e contrastam com os sofás de veludo azul petróleo dispostos na mezzanine. Esta foi também a cor escolhida para a porta e para a grande coluna que segura o prédio. O balcão de mármore, no andar de baixo, é branco com nuances cinzentas.

Para corresponder a esta ideia de meio termo, que junta o elegante ao discreto, no Desordem não existem apontamentos demasiado vistosos, à exceção de dois pormenores: os duas obras assinadas por Salvador Colaço, logo à entrada, e os néons ultra instagramáveis — ainda só há um (mais virão) na casa de banho, onde, a cor de rosa choque, com a mensagem: “It’s not you, it’s tequila”.

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“Queremos que isto funcione como uma espécie de galeria de arte, com obras, à venda, sempre a rodar”, diz Luís Gasparinho, enquanto nos explica a origem das peças. Ainda que a grande obra, no mesmo tom azul característico do Desordem, faça parte da decoração permanente do bar, a que está na parede em frente, em amarelo, está para venda. “Estamos a tentar que haja sempre arte nas paredes de artistas nacionais, seja de fotografia ou de pintura. A ideia é fazermos uma espécie de curadoria de arte e de dois em dois meses, ou de três em três meses, ter artistas a mudar.”

O néon da casa de banho é só o primeiro dos que vão ser afixados no Desordem

Com 38 lugares sentados, a neutralidade estética do Desordem tem como objetivo chegar a uma clientela transversal, mas talvez um pouco mais madura do que aquela que dá primazia aos preços baixos e não à qualidade do produto. Mas esta imparcialidade não será sinónimo de uma seriedade que pouco condiz com a vida noturna de Lisboa. Segundo Luís Gasparinho, aquilo que se deseja é que quem aqui entra se sinta tão confortável e animado quanto as fardas — em forma de camisa — da marca RVCA, com que a equipa do Desordem está vestida.

Este aspeto também será refletido na programação musical, ainda por vir. A mesa do DJ já está a ser instalada para que outro tipo de eventos aqui possam decorrer. Apesar do momento que precede o jantar puxar mais a vontade por um copo, este será também um bom ponto de encontro para a diversão de final de tarde, pós-laboral: entre as 18 e as 22 horas, de segunda a sexta-feira, há uma espécie de happy hour de quatro cocktails à escolha do bar a 5€.

Apesar do ambiente neutro, o Desordem apostou num requinte descontraído. Todas as peças do espaço, excepto os sofás da mezzanine, foram construídos de raiz

“Na programação tanto podemos ter jazz, rock, house ou outra vertente da eletrónica. Estamos abertos a todos os estilos. Queremos criar um mood o mais transversal possível, para termos os clientes mais comerciais da cerveja, à malta ligada à música, arte, hotelaria, bartenders. No fundo, queremos criar quase um microclube muito abrangente para que toda a gente se possa sentir confortável."

Nos comandos do bar está João Sancheira, antigo sub-chef de bar do restaurante 100 Maneiras, do chef Ljubomir Stanisic. Está neste momento em processo de elaboração de uma carta de cocktails de autor, que ficará disponível ao público ainda este mês, com dez opções diferentes.

A sua visão para o Desordem coaduna-se com a de Luís Gasparinho. “Queremos ter o primor dos melhores bares de cocktail na cidade, mas fundir com outras características de outros bares normais”, conta. "Queremos tirar as formalidades. Queremos que toda a gente que entre seja cliente da casa. Ser jovial. Daí o nome Desordem — queremos agitar as águas nesse sentido."

Da esquerda para a direita: Luís Gasparinho, Hugo Gasparinho, Rui Jácome e António Carrilho

Apesar de uma postura muito “cocktails and fun” e de concordar com o posicionamento do Desordem, refere-nos que um dos pontos diferenciadores do espaço passa por dar aos clientes o melhor serviço possível, o que inclui uma oferta que utiliza produtos de gama elevada, onde a sazonalidade e localidade são dois pontos a considerar. O gelo, diz-nos João Sancheira, é todo trabalhado no espaço, contando com uma lapidação específica e uma transparência que poucas vezes vemos neste constituinte da bebida.

Além da lista com a oferta de autor, o Desordem tem ainda uma carta com uma oferta abrangente onde se reúnem todos os clássicos — desde a margarita, ao negroni ou mojito. Do laboratório de bebidas nascem as criações de João Sancheira, que nos avança que será possível provar, por exemplo, o milk punch de meloa, um cocktail que, depois de um processo complexo que inclui uma fermentação de 24 horas de uma bebida láctea, resulta num produto onde há meloa, limão, gin e ainda um xarope de açúcar feito de raiz. "Só não fazemos o álcool", diz o chef de bar, numa alusão à artesanalidade da bebida. Como complemento, as opções terão um elemento que poderia ser meramente decorativo, mas que aqui é comestível.

Embora a bebida seja um elemento fundamental, está longe de ser o único pormenor valorizado — todos os detalhes da arte das bebidas contam. Por isso, os copos aqui também são também protagonistas importantes e diferentes daquilo a que estamos habituados a ver: pela sua convivência com o universo da mixologia e do bartending, João Sancheira tem acesso a materiais originais e únicos, que aqui chegam antes de irem para o mercado — alguns antes até de serem postos à venda.

Bebidas de qualidade, um ambiente descontraído, onde todos se sintam bem. Sem ordem de prioridades, é esta a fórmula deste Desordem. "Uma boa bebida, é como um jantar: a bebida pode estar muito boa, mas se estiver um ambiente de funeral à mesa não nos sabe tão bem", remata João Sancheira.