O boom da cultura pop deu-nos lições que hoje tomamos quase como verdades universais, e uma delas dita que os super-heróis não podem matar porque servem como representação do sentido de justiça que existe em cada um de nós. Mas essa coragem e valentia que vemos no cinema ou nas séries de televisão tem sempre um custo.

Desde relações falhadas a ferimentos graves enquanto tentam salvar o mundo, os desafios por que passam são duros e quase sempre sem um final feliz. Talvez por isso muitos deles vivam isolados, sem amigos e com sérias dúvidas sobre qual deve ser o seu papel num mundo cada vez mais cruel.

Durante vários anos estas personagens foram criadas assim porque não fazia sentido que existissem de outro modo. Até que chegou alguém que entendeu que eles, tal como os humanos, também eram capazes de matar e de ser maus — e não estamos a falar de Deadpool.

É esse conceito de subversão do mito de super-herói que vemos representado em "The Boys", a nova série da Amazon (disponível em Portugal) de quem está toda a gente a falar e que é baseada nos livros de banda desenhada de Garth Ennis.

A história desenrola-se no presente e mostra todas as consequências da existência de super-heróis numa sociedade cada vez mais capitalista, industrializada e mediática.

Neste universo os heróis de capa e com poderes especiais não só não estão criminalizados como há uma indústria que os promove e comercializa. As figuras que noutras obras são a representação máxima do bem, aqui são capazes dos atos mais horríveis como matar, roubar ou violar inocentes.

A série, que chegou à plataforma de streaming a 26 de julho, está repleta de sangue, cenas de sexo explícito e violência. No IMDb é já uma das mais bem avaliadas (9,0) e a crítica não poupa nos elogios.

A revista "Forbes" diz que a série ataca de "forma afiada o Cristianismo nos EUA, que serve apenas como mais um elemento das grandes empresas para promoverem os seus objetivos." Elementos esses, continua a mesma publicação, que simplesmente não estão presentes nos livros de banda desenhada publicados pela Marvel ou pela DC.

Já o "The New York Times" diz que o fator diferenciador da série está no facto de mostrar um mundo que precisa de ser salvo dos super-heróis.

A história serve como crítica à sociedade mediatizada do século XXI

O argumentista de banda desenhada Nuno Duarte, responsável por livros como "O Outro Lado de Z", diz à MAGG que a história vem de um escritor que sempre teve "alguma dificuldade em lidar com super-heróis" e que ficou conhecido por livros de banda desenhada mais violentos e distópicos.

"O fator diferenciador é que o Garth Ennis não se limita aos defeitos das personagens e aplica-os a uma sociedade como a nossa e muito mediatizada — onde cantores, jogadores de futebol e outras estrelas deixam de ser indivíduos e passam a ser produtos."

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Aqui, continua, o super-herói é um produto ou uma marca e isso acaba por trazer ao de cima grandes falhas de caráter devido ao excesso de fama ou simplesmente por uma questão de narcisismo.

Mais do que criticar uma sociedade capitalista, Nuno garante que "The Boys" lança farpas a "um mundo mediático onde a conta de Instagram é muito mais importante do que a ética de cada um."

Já Fernando Dordio, também argumentista de banda desenhada e autor de "O Elixir da Eterna Juventude", diz que o criador da história "subverte os arquétipos das personagens e joga todas as cartas a que as pessoas estão habituadas, mas de outra forma."

É que, em histórias como as da Marvel ou da DC, as figuras mais conhecidas continuam a ter um código de conduta mesmo que já tenham sido mudadas dezenas de vezes.

"O Batman não mata, o Super-Homem também não, a Mulher Maravilha representa o ideal feminino e o Capitão América reflete um ideal de justiça americana" que tem sido transportado para o cinema.

Em "The Boys" é tudo diferente, garante. "Os heróis são corruptos, obcecados com sexo, cometem acidentes de trabalho e fazem coisas que não estamos habituados a ver nestes Deuses na Terra." Apesar de conceder que tudo o que se vê na adaptação para a televisão ser "doentio e errado", diz que a subversão traz algo de novo.

"O humor negro, nojento e de mau gosto provocam o mirone que está em cada espectador, espevitando aquela curiosidade mórbida que pergunta: 'Mas onde é que isto pode ir mais?'", conclui.

A série de oito episódios já está disponível em Portugal através da Amazon Prime Video. O sucesso é tal que a produção, realizada por Eric Kripke ("Sobrenatural"), já foi renovada para uma nova temporada.

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