Quando tinha 10 anos, a minha avó disse-me que passava o dia a pensar. Vítima de uma vida solitária, revelou-me de forma dramática que durante dias não falava com ninguém mas que a sua cabeça não parava. Lá dentro, não conseguia deixar de refletir sobre tudo, desde as coisas mais insignificantes até às mais importantes. Em jeito de alerta, disse-me que não fosse assim. Ela sabia que aquilo era um problema e tinha medo que um dia a sua cabeça não aguentasse mais.

Nunca mais me esqueci daquela conversa, sobretudo quando, anos mais tarde, ela foi diagnosticada com demência. No auge da minha adolescência, achei que afinal ela tinha razão — pensar demais era um problema e podia trazer graves consequências para a saúde. Tal como qualquer outro órgão, também a cabeça precisa de descanso. E se estivermos sempre a pensar, isso não acontece.

Escusado será dizer que nunca fui capaz de pôr isto em prática. Não sei se é hereditário ou apenas uma questão de personalidade, mas a verdade é que sempre fui um ser pensante. Refletir sobre as coisas faz parte de mim, criar conversas na minha cabeça também. E isso não precisa de ser algo negativo. Ou será que precisa?

Recordei-me desta conversa com a minha avó quando, ontem à noite, alguém me disse que eu pensava demais.

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Não foi dito num sentido negativo — apenas uma espécie de momento de análise à minha personalidade. Hoje, a caminho do trabalho, dei por mim a refletir (só podia) sobre aquela conversa. Mas afinal o que é isso de pensar demais? Onde é que se traça a linha daquilo que é saudável ou não é saudável? Até onde é que podemos ir na análise do mundo, de nós e dos outros?

Eu gosto de pensar. E nem sempre é think outside of the box, é dentro da box mesmo. Gosto de pensar sobre mim, sobre os meus próprios traços de personalidade, tentar desconstruir-me enquanto pessoa. Perceber que valores, pensamentos e ideias é que estão gravadas em mim, fruto da minha educação, dos meus pais ou dos meus amigos. Gosto de refletir sobre o passado, o presente e às vezes o futuro, entender em que caminho me encontro, onde gostaria de chegar e o que é que há para mudar — que possa de facto ser mudado, claro.

Também gosto de pensar sobre os outros. Sobre a família e amigos, sobre os seus lados bons e maus, sobre o que foram e o que são hoje, o que é que lhes está a acontecer neste momento e de que forma é que influenciam a minha vida. E porque como já disse sou de facto um ser pensante, faço o mesmo com os colegas de trabalho ou com os estranhos com que me cruzo na rua.

Não menos importante, também gosto de pensar sobre a sociedade, o mundo em que vivemos e para aonde estamos a caminhar. Das coisas mais simples às mais complexas, uma parte importante da minha construção enquanto ser adveio dessa análise. Passamos tanto tempo concentrados nas relações falhadas, nas discussões no trabalho e na roupa de cama que é preciso mudar que às vezes nos esquecemos de coisas tão essenciais como perceber que as alterações climáticas são uma realidade e nós continuamos sem reciclar. Que queremos ser mais saudáveis mas continuamos a beber demais nos finais de tarde depois do trabalho. Que queremos ter amigos fieis mas se calhar andamos a falhar com uns quantos.

Eu sou um ser pensante. E detesto que me respondam a isto com frases como "carpe diem", "o que tiver que acontecer, acontecerá" ou "depois logo se vê". Sim, eu aproveito o dia. Sim, o que tiver que acontecer, acontecerá. Sim, em muitos casos, depois logo se vê. Mas podem deixar-me refletir um bocadinho sobre o assunto?

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Também gosto de refletir sobre o que estou a viver naquele preciso momento para apreciá-lo. Também gosto de pensar que o que tiver de acontecer, acontece, mas se conseguir controlar algumas variáveis também vou fazê-lo. E depois logo se vê, claro. Mas no que eu puder trabalhar hoje para o amanhã ser melhor, eu trabalho. Posso pensar um bocadinho sobre isso?

Hoje o editorial é um bocadinho diferente. Ponderei falar da polémica das touradas, do ridículo de só agora ser possível casar logo após o divórcio — e da discriminação que existia entre homens e mulheres —, ou até do tempo descontrolado. Acabou por sair isto. Para todos os seres pensantes desse lado, saibam que não estão sozinhos.

Não sei se pensar é mau. Não consegui entender ainda quem é mais feliz, se os seres pensantes ou os não pensantes. Também não cheguei a nenhuma conclusão ainda sobre onde é que se traça essa linha do saudável ou não saudável. Sei apenas que prefiro pensar a não pensar em coisa nenhuma. Ao final do dia, pelo menos pensei sobre alguma coisa. 

E para refletir só mais um bocadinho, esta semana contamos-lhe a história da escola mais democrática do mundo. As crianças vão às aulas quando querem, têm tanto poder de decisão quanto o diretor e podem escolher aquilo que querem aprender. Um modelo a adotar em Portugal?

Também pedimos a um piloto que nos revelasse 15 segredos sobre as viagens de avião — quem diria que as melhores aterragens não são as mais suaves —, explicamos-lhe por que motivos anda a sonhar que está grávida e damos-lhe 25 soluções para diminuir o plástico lá em casa.

Mas há mais. 97% da comunidade científica acredita nas alterações climáticas. Então, o que é que defendem os outros 3%? Reunimos as teorias mais populares e falámos com especialistas para entender se algum destes argumentos faz sentido. Já a psicóloga Sara Ferreira recebeu uma pergunta de uma leitora que queria saber como podia distinguir a tristeza da depressão. A resposta está neste artigo.

Quais são as melhores e piores fontes de proteína? Como é que o amor verdadeiro e o assédio mataram o programa "Catfish"? O que é um plano de parto e o que é que as mulheres podem decidir no momento do nascimento de um filho? Há muito para refletir esta semana.