Quando Romain levou a Luísa ainda bebé a uma consulta na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, e entrou no consultório sozinho, a primeira pergunta da enfermeira foi: "A menina não tem mãe?". A mãe, bem viva e a trabalhar, dá a volta a este tipo de bocas incentivando o namorado a brincar com o assunto. "Gostava que ele respondesse 'Sim, morreu no parto', só para ver a reação das pessoas".

No que diz respeito à maternidade, toda a gente tem uma opinião a dar. Seja sobre a alimentação, sobre a hora a que a criança vai para a cama, quais as melhores fraldas e toalhetes e também sobre quem será o melhor cuidador. Tudo. Pelo menos é essa a opinião das três mães com quem a MAGG falou e que em comum têm o facto de manterem uma carreira ativa e dividirem de forma totalmente igualitária com o marido a educação dos filhos.

Em comum, estas mães têm também uma espécie de bolha que tentam manter impermeável a todos os comentários quanto ao facto de delegarem no pai da criança tarefas que a sociedade tende a ver como competência exclusiva da mãe.

"Eu sou uma boa mãe porque essa é a minha obrigação. O Romain é um bom pai e isso, para quem vê, é algo de fabuloso", conta Nelma Viana, 34 anos, que já perdeu a conta às vezes que lhe lembram "da sorte que tem" em ter um namorado que "não se importa" de partilhar as tarefas.

Quando vão a uma consulta, por exemplo, o médico fala diretamente para si, ignorando completamente a presença do pai. "Cada vez que ele faz uma pergunta, há sempre uma pausa dramática e aquele olhar de 'Uau, ele está mesmo interessado'".

Mas nenhuma bolha é forte o suficiente para que Nelma não sinta "uma culpa gigante" sempre que alguém põe em causa a sua competência enquanto mãe. "Parece que, de repente, falhamos no desígnio que a sociedade nos impôs".

Margarida Vaqueiro Lopes, também de 34 anos, partilha desta vulnerabilidade. "Mesmo sendo uma mulher muito bem resolvida, é claro que os comentários afetam sempre e já foram muitas as vezes em que duvidei de mim e do que era capaz", conta à MAGG. Mas são dúvidas que se dissipam em segundos, assim que olha para Catarina, de quase 3 anos, e a vê a crescer bem, saudável e "uma menina do papá".

Antes de serem pais, as tarefas em casa já eram totalmente igualitárias. Quando foram pais, Margarida e João acordaram que nenhuma carreira era mais importante do que a outra.

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Margarida, jornalista, trabalha até mais tarde e, por isso, até há pouco tempo era o João que a ia pôr e buscar à escola. "A primeira vez que fui eu buscá-la, a educadora perguntou-me quem eu era e até achei isso bem, por questões de segurança. Mas depois, fez questão de, por várias vezes, frisar o facto de nunca me ter visto lá, já com aquele tom de condenação". Margarida duvida que alguma vez dissessem aquilo ao pai de Catarina, tal como também não questionam se o João não pode estar presente em alguma atividade da escola. "Eu, que estive fora em trabalho no Dia da Mãe, levei logo com um: 'Não vai?'", dito com aquele tom condenador com o qual já se habituou a viver.

O mesmo aconteceu num dia em que Margarida ficou de ir buscar Catarina à escola mas ficou presa no trânsito. Ligou a avisar que ia atrasar-se 15 minutos e da escola responderam que a escola fechava às 18 horas, ponto. "Quando o João se atrasa e, às vezes, nem avisa, nunca ninguém lhe diz nada", lembra.

A mãe é mãe, o pai é incrível

Margarida nunca tinha pensado na pressão social que as mães vivem antes de se tornar uma. "É suposto sermos incríveis", garante, numa tarefa que, ainda por cima, nota que é pouco valorizada quando comparada com o apreço dado ao esforço masculino da parentalidade. "O João é um pai extremamente elogiado e eu sou constantemente relembrada sobre a sorte que tenho em tê-lo. Já eu, mãe, não faço mais do que é suposto".

Esta categorização tem tudo que ver com o que é esperado do papel de um homem e de uma mulher na sociedade. Bernardo Coelho, investigador do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), lembra que são esses preconceitos face à dualidade homem/mulher que fazem com que se criem preconceitos quanto ao papel de pai e de mãe. "É suposto a mãe ser cuidadora em primeiro lugar. O pai, espera-se que seja o provedor, o trabalhador", explica à MAGG.

Quando esses papéis se invertem, ou quando apenas se fundem, deixam de corresponder às expetativas criadas para essas pessoas — e é daí que nascem os comentários negativos. "Nunca esquecer que as instituições são feitas de pessoas com esses mesmos preconceitos", refere, numa tentativa de justificar as reações que estas mães já receberam tanto nas escolas como em hospitais.

Mas o pior, lembra Margarida, é quando os comentários chegam de pessoas próximas, muitas vezes de mães. "Ainda na semana passada, uma amiga da minha idade perguntou-me, com estas palavras : 'Como é que consegues ter uma carreira e ser mãe?'". E ainda que este tenha sido um comentário recente, os julgamentos à conjugação que faz entre carreira e maternidade começaram pouco depois de Catarina nascer.

"Fui numa viagem de trabalho para o Brasil quando a Catarina tinha 8 meses. Claro que me custou imenso, não vou negar, mas sabia que ela estava bem, com o pai", conta. Mas não se safou de ouvir uma amiga, também ela mãe, mas que não se separou da filha até que fizesse 3 anos, a usar a palavra "coitadinha" ou de lhe perguntar várias vezes se a separação estaria a custar muito. "Eu percebo que há famílias diferentes, dinâmicas diferentes, mulheres diferentes. Mas só peço uma coisa: não me julguem".

Maternidade pouco apoiada

Bernardo Coelho lembra que ainda que cada uma dessas mães tenha o poder de mudar as mentalidades ao seu redor, não é essa a sua função. "Este é um problema coletivo e deve ser tratado como tal", refere o sociólogo, que lembra que só as políticas públicas têm o poder de mudar alguma coisa.

"A licença parental devia ser mais alargada e mais bem paga", reforça. Ainda assim, de acordo com um novo diploma, os pais passam a ter 20 dias úteis de licença obrigatória (e não os atuais 15 que constam na lei) após o nascimento do bebé. Dias que podem vir a ser gozados de forma seguida ou interpolada, e até às primeiras 6 semanas de vida do recém-nascido. Além disso, na Assembleia da República discute-se o alargamento do período de licença por nascimento de filho, graças a uma petição com mais de 21 mil assinaturas que pede o alargamento da licença até um ano e paga a 100%.

Outro dos problemas identificados pelo especialista em questões de género está na diferença salarial entre homens e mulheres. "Se um casal tiver que abdicar de um ordenado para que um dos pais fique em casa com o filho, é a mulher que abdica uma vez que, ganhando menos, a perda global é menor", explica.

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Além disso, Bernando Coelho lembra que a sociedade não pode demorar tanto tempo a adaptar-se às novas realidades. É o caso dos horários das escolas. "A escola pública fecha às 15 horas e, com sorte, têm atividades extra curriculares, pagas à parte, até às 17 ou 18 horas. E quem não sai a essa hora? Ou quem vive na cidade que demora imenso tempo em deslocações?", questiona, ainda que as respostas tenham tendência a demorar a surgir.

Joana Pratas, consultora de comunicação, mudou-se de Lisboa para o Douro antes dos filhos nascerem, mas não é por viver no campo que tem a vida facilitada. "Como viajo bastante em trabalho, eles andam sempre atrás de mim. É isso, ou ficam com o pai".

Joana, João, Teresa e António vivem uma dinâmica familiar que nem sempre é compreendida pelos outros

E se nem nas grandes cidades esta dinâmica é visto com a normalidade esperada, imaginemos isso numa aldeia do Tabuaço. "Sinto que sou muitas vezes olhada de lado, não só porque sou freelancer e as pessoas acham que eu não trabalho, mas também porque veem o meu marido João a fazer aquilo que, aparentemente, não é suposto", conta.

É João quem vai muitas vezes buscar a Teresa, de 6 anos, e o António, de 4, à escola ou à natação. "De tal maneira que há uns tempos, quando fui eu levar a Teresa à natação, uma das mães disse, várias vezes: 'Olha a mãe da Teresinha', com aquela entoação do "Afinal a Teresinha tem mãe'".

Joana já brinca com a situação e, para evitar comentários, é ela que se chega à frente e conta às vizinhas que, por exemplo, é o João quem cozinha em casa ou que é ele quem fica com os miúdos quando sai em trabalho. "Com menos de um mês de vida, a Teresa ficou com o pai uma noite porque eu tive que estar fora e ainda hoje isso é algo comum na nossa rotina", explica.

O que não quer dizer que para os outros seja normal. Esta semana, Joana tem um jantar e é João que vai ficar com o António e a Teresa em casa. Num post do Facebook sobre o evento, Joana marca a sua presença e um amigo comenta: "Casal moderno, o marido fica em casa com as crianças", com três pontos de exclamação, a dar aquela entoação dúbia entre a surpresa e a crítica.

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