Os leitores perguntam, a psicóloga Sara Ferreira responde. É assim todas as semanas. Saúde, amor, sexo, carreira, filhos — seja qual for o tema, a nossa especialista sabe como ajudar. Para enviar as suas perguntas, procure-nos nos Stories do Instagram da MAGG.

Querido leitor,

Uma das maiores dores que os seres humanos podem enfrentar são as dores emocionais ligadas às separações de relacionamentos. Isso pode deixar-nos muito aflitos e sem saber ao certo o que fazer.

O que mais abunda na internet são “dicas rápidas” e 100% superficiais sobre porque é tão difícil esquecer um amor e como esquecer um ex, mas eu como gosto de fazer as coisas sem ser pela rama, hoje ofereço-lhe uma explicação mais profunda e mais completa sobre isso. Portanto, se quiser saber aquilo que *realmente* precisa saber sobre isso, acho que vai valer a pena acompanhar-me nestas linhas até ao final. 

Não espere, porém, que após ler este texto, amanhã (literalmente) já tenha conseguido esquecer ou parar de sofrer com esse seu “primeiro amor” (porque o que hoje lhe indico aqui é fruto de um processo, e não de um "passe de mágica" que ocorra do dia para a noite). No entanto, vou apresentar-lhe alguns caminhos que poderão acelerar e muito esse processo e, principalmente, entendimentos que poderão ajudá-lo a tornar esse mesmo processo bem mais fácil e produtivo. Interessado? Quer saber mais? Então, vamos embora!

Para começar, uma das maiores trapaças que nos podem dizer é a seguinte: “Arranja outra pessoa que o(a) esqueces logo” ou “um amor cura-se com outro amor”. Já vamos perceber melhor porque é que isso não passa de uma grotesca mentira. Mas por agora, diga-me cá, quantas vezes bloqueou e desbloqueou um(a) “ex” das suas redes sociais, por exemplo, e mesmo tendo terminado uma relação com uma pessoa, continua a segui-la e a querer saber o que ela faz ou deixa de fazer com sua vida? Não se assuste. Todas essas reações são a-bso-lu-ta-men-te normais. Senão vejamos.

Quando nós terminamos um relacionamento, muitos sentimentos de dor emocional são desengatilhados dentro de nós, e para que possa entender a sequência da minha explicação, primeiro, vai precisar de entender o que são esses “gatilhos emocionais”. E tanto melhor é começar a fazê-lo agora que me pergunta porque é que “sempre que acabo um relacionamento sofro pelo meu primeiro amor?”, ou seja, neste momento em que gostaria de esquecer ou deixar de se lembrar dessa pessoa de forma tão dolorida.

Em algum momento, aquela história de amor (o seu primeiro amor) acaba. Não vou descrever os motivos (até porque não os adivinho), mas acaba. E porque é que o seu amor não acaba juntamente com a partida da pessoa? Porque o amor havia ganho uma força tão grande que se tornou ele próprio a sua vida.

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Caríssimo, na verdade, acho que essa sua pergunta é uma das mais feitas e das menos respondidas. Vou arriscar-me a fazer isso. Mas, como disse antes, dando-lhe a versão menos colorida e superficial das coisas. E porquê?

Porque o amor, como qualquer outra coisa na vida, é uma história que tem dois níveis, o real e o imaginário (ou romantizado).

Na versão romantizada, a sua dificuldade ligada ao facto de “Porque é que sempre que acabo um relacionamento sofro pelo meu primeiro amor?” far-me-ia dizer que tal sucede por conta do tecido delicado no qual uma história de amor começa e termina. Aqui, as explicações gravitariam em torno de tudo o que nesse seu “primeiro amor”permeou em termos de sonhos, esperanças, frustrações, idealizações e um sereno estar só. Essas imagens costumam estar contaminadas por ideias míticas, romances épicos, padrões culturais e contos de fadas.

Neste suposto conto de fadas, o leitor teria um papel perfeito, bem sincronizado e cheio de força. Neste tipo de narrativa, cada movimento, sentimento e intenção tinha um contexto, atores principais e secundários e o cenário ideal. Seguindo por aí, a conclusão a que iríamos chegar é que o motivo do seu sofrimento por este amor, se deve, em resumo (e abreviando o fim da história…previsível…) à efeméride inesperada! Ou seja, em que repente, de um momento para outro é expulso do elenco, fica desorientado, deslocado e sentindo-se desamparado. E, no fim de contas, a origem do seu sofrimento emocional está em que, de um momento para o outro, basicamente é testada a sua capacidade de viver quase numa outra cidade ou vale encantado.

Quer agora a verdade dos factos? Ou a versão real deste tipo de sofrimento de amor? Continue comigo (não perde pela demora).

O real é o que acontece de facto, com a sua rede intrincada e complexa de pensamentos, desejos, sentimentos, comportamentos concretos. É tudo aquilo que pode ser visto e deduzido de modo não assim tão imediato e instantâneo. É tudo aquilo que acontece nas entrelinhas e naquilo que está oculto à apreensão direta. É tudo aquilo que permeia as nossas mais profundas angústias, expectativas, raivas, medos, tristezas e ansiedades.

De um momento para o outro, aquela história que tinha um final feliz é roubada de si. Cada sonho que nutria foi sequestrado repentinamente. Na versão real, ficou refém do sentimento de desprezo e humilhação. Sente-se indigno e já não consegue mais acordar com aquele sentimento de pertencer à vida daquela pessoa, esse tão mágico quanto "lixado" “primeiro amor”. Quer voltar a chamar alguém de amor mas não encontra ouvidos.

Sabe aquela música que costumavam ouvir? O restaurante aonde iam? Os lugares que frequentavam? As coisas que a pessoa dizia? Enfim, situações que o lembram dessa pessoa enquanto vocês estavam juntos (um perfume, uma comida, etc.), tudo isto são gatilhos emocionais. Eles acontecem de forma biológica no nosso cérebro, pelo que é simplesmente impossível esquecer alguém, até porque isso ia tratar-se de uma amnésia.

Agora, vou apresentar-lhe uma “nossa” amiga (por vezes muito danadinha) que se chama Amígdala do Hipocampo. Apresentações feitas, podem ver-se e cumprimentar-se. Ela aqui está.

Porque é que sempre que acabo um relacionamento sofro pelo meu primeiro amor?

Esta “querida” é uma parte muito específica do nosso cérebro (é do tamanho de uma amendoazinha mas é responsável por processos gigantes dentro de nós, no sistema límbico, ou seja, a matriz do nosso cérebro emocional). É uma espécie de radar na nossa cabeça, precisamos dela para a nossa sobrevivência física e emocional, e tem algumas funções tais como a preservação da integridade (física e emocional). A amígdala conversa com outras partes do cérebro como o Hipocampo que vai armazenando memórias. Então, quando desengatilha essas memórias (através dos tais gatilhos emocionais, um cheiro, uma música, um filme, aquele sábado à noite, etc.) a amígdala é ativada. E é aqui que a “porca torce o rabo”.

A estrada neural para todo o tipo de mal-estar passa da amígdala, para o lado direito do córtex pré-frontal. Assim que este circuito se ativa, os nossos pensamentos fixam-se no que despoletou a angústia. E, ao ficarmos stressados, por exemplo, com preocupação ou ressentimento, a nossa agilidade mental é enfraquecida ou mesmo congelada.

Da mesma forma, quando estamos tristes, os níveis de atividade no córtex pré-frontal baixam e geramos poucos pensamentos. Extremos de ansiedade e raiva por um lado, e tristeza por outro, forçam a atividade do cérebro muito além da sua zona de eficácia.

Quando nós sofremos uma rutura de relacionamento, todas as nossas questões de rejeição e abandono são desengatilhadas e é por isso que sofremos e, muitas vezes, a dor é extrema. E nós, na nossa “ingenuidade” romantizada, pensamos que isso é por conta apenas “daquela” pessoa que todo estes sentimentos acontecem. Mas a verdade é esta: dentro do nosso cérebro existe uma espécie de arquivo gigantesco com várias gavetas. Então, vamos supor que nós abrimos a “gaveta” do abandono e da rejeição. Ok? Todas as suas questões emocionais e lembranças (desde a sua conceção) que estão armazenadas aqui e muitas dessas memórias, não atendemos de forma consciente, pero que las hay, las hay.

Logo, quando termina um relacionamento e passa ao próximo, e depois há um determinado gatilho emocional (agora já sabe o que é), a amígdala do hipocampo ativa-se e coloca todo o sistema em alerta. E porquê? Porque, no caso, ela quer preservar a sua integridade emocional e ela entende que algo está em “falta” (através do gatilho emocional que abre a gavetinha com todas as questões não resolvidas relacionadas com isso.

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Acabar uma relação é um processo equiparado ao do luto

Ainda há mais. É que, sabe, talvez nunca tenha pensado desta forma, mas um término de relacionamento – ao nível do que acontece no nosso cérebro – é um processo equiparado ao do luto. Exatamente isso que leu. É um luto algo complexo mas vai compreender porquê.

Imagine que perde uma pessoa muito querida na sua vida. É um processo normal durante um tempo sofrer pelo facto de ela se ter ido embora (especialmente, se tiver sido de forma repentina). As estruturas do processamento emocional do cérebro ficam abaladas. E é comum as pessoas poderem apresentar sintomas de TPST – Transtorno de Pós-Stress Traumático (ou Stress Pós-Traumático, como se dizia anteriormente).

É muito importante percebermos isto porque todas as sensações e reações acontecem com toda a gente e o término de um relacionamento é um luto. Porém, quando uma pessoa parte, ela já não está mais ali (apenas os gatilhos emocionais). No fim de um relacionamento, a pessoa continua viva… e às vezes, continua próximo dela. E o que define a complexidade da elaboração deste luto em face a uma relação que terminou não é nem o tempo em que durou, mas sim o nível de intensidade, intimidade, conexão e entrega.

E adivinha onde é que muitas vezes estes requisitos estão todos reunidos? Num idílico “primeiro amor". E porquê no “primeiro amor”? Porque, à distância, tudo parece ter acontecido num tempo em que a realidade era menos cinzenta e a comida tinha um sabor menos amargo. Porque éramos pequeninos e olhávamos para a vida com os olhos cheios de porvir e planos de felicidade eterna. Porque tínhamos menos “bagagem” (e rodagem) e não existiam tantas comparações entre este(a) e aquele(a). Na orla destes tempos míticos e hoje tão idealizados, o novo era uma constante e parece que fazíamos tudo diferente. Ursinhos carinhosos, talvez até fossemos mais românticos e dedicados (tal como agimos todos no começo) e havia bem menos calos na nossa pele, hoje já mais cascuda e magoada. Agora é fácil (e sabe tão bem) idealizar esse “primeiro amor” e ver essa pessoa como perfeita. E a passagem do tempo traz com ela a constatação de que não existem pessoas perfeitas e é a partir daí que tudo desanda. A deceção de entrar e sair de relacionamentos faz-nos sentir mal e a saúde relacional (e emocional) parece ter expirado o prazo de validade, fadando ao fracasso.

Como acabar então com este ciclo e passar pelos términos de relacionamento de forma mais fácil e sofrer menos com a lembrança desse amor longínquo (e apetecivelmente impossível)? Dou-lhe várias dicas!

1. É um processo. Há que entender e respeitar isso. E tanto melhor vai conseguir fazer isso quanto conseguir aplicar o que lhe direi a seguir.

2. Reduza (ao máximo) os gatilhos emocionais. Mas para isso acontecer, terá de ter tomado a decisão (sim, começa por ser uma decisão) de não querer mais lembrar-se “daquela” pessoa. E seguir esse caminho. Quando nós ainda estamos na dúvida, bloqueamos e desbloqueamos a pessoa, e isso pode prologar muito o sofrimento emocional. Às vezes excluir poderá não ser a melhor opção (ou porque trabalha com a pessoa, ou vive com ela), mas se puder, faça-o. E quer saber porquê? Porque corre o risco de desengatilhar os gatilhos emocionais constantemente e perpetuar o seu sofrimento. E nada como aprender a tomar decisões, até porque cada decisão tem as suas consequências (e lembre-se que toda a decisão tem um custo, mas toda a não-decisão também!).

3. Esgote todas as suas possibilidade. Como assim? Se servir, pegue para si, se não, amigos na mesma, tudo bem? Então é o seguinte. Normalmente, depois de uma rutura amorosa, ficamos com muitos “E se…” na nossa mente. “E se… eu tivesse feito isto, e se…ele(a) tivesse feito aquilo…e se… nós tivéssemos feito aquele'outro… e se?!”. Quando não abdicamos destes “e se’s” várias partes da nossa mente vão continuar presas ali porque supostamente há um veio de possibilidade (talvez ilusória) de que algo ainda possa acontecer. Por isso, cuidado para não passar a vida inteira preso a isso, afinal de contas, trata-se de sua vida.

Porque é que tendemos a ficar muito nestes “E se…”? Recorde aquilo que escrevi sobre o luto. E acrescente a seguinte informação: o luto tem várias fases. Seja perder um ente-querido, seja um relacionamento, um sonho perdido… o processo de luto na nossa mente é a mesma coisa. As fases do luto não obedecem a um passo a passo linear, mas genericamente acontecem da seguinte maneira.

A primeira fase do luto é a negação. E é por isso que não queremos acreditar que a relação acabou (ficamos nos eternos “e se…”), dando azo a pensamentos ilusórios, não conseguindo enfrentar, do ponto de vista emocional o facto de que “aquilo” acabou. É sobretudo fácil cair-se na negação quando se tem um histórico de perdas precoces (pais que se separaram cedo, ou morreram cedo, por exemplo). Isto seria algo que num processo terapêutico seria preciso investigar.

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A segunda fase é a da raiva. Muitas pessoas conhecem muitíssimo bem esta fase. É, por exemplo, quando começam a falar mal do(a) ex-companheiro(a) a toda a gente e a fazer comparações de todo o tipo. Na verdade, a raiva costuma mascarar um outro tipo de sentimento mais profundo ligado a todas as nossas gavetinhas do arquivo. A raiva costuma proteger-nos de aceder a uma tristeza ou solidão mais profundas ou a sentimentos de menos-valia e não merecimento. E é precisamente essa raiva que está por detrás de conselhos de alguns amigos que nos podem dizer que “um amor cura-se com outro amor”. Digo-lhe eu hoje, aqui, que isso é o pior disparate que lhe pode existir e uma enorme aldrabice que lhe estão a contar. Porque enquanto não estiver curado e pronto o suficiente para um relacionamento seguinte, ele não vai ser saudável. Neste ponto, encontram-se, também, as buscas por relacionamentos imediatos, supostamente capazes de curar as feridas, substituindo o amor que se foi. A atitude de fuga dificilmente traz bons resultados porque enquanto não tivermos curado (que é muito diferente de amenizar) as raízes dos sintomas emocionais, eles irão continuar a manifestar-se em futuras relações (na maior parte das vezes, a única coisa que muda mesmo é o nome e o número de telemóvel da pessoa, ao passo que o tipo de problemas permanecem sempre os mesmos… coincidência?). Nada o impede de sair com outras pessoas, mas tenha isto em conta.

Depois da raiva, vem a fase da tristeza. Esta tristeza é diferente da carência emocional que muitas vezes dá impulso louco de mandar uma mensagem para a pessoa. Esta tristeza real é quando se começa a chorar verdadeiramente pelo término da relação. Este é o momento (necessário) em que se “chora o luto”. Este não é um choro que dure uma semana, ele vai diminuindo e acalmando com o tempo. Não é aquele tipo de choro que acalma hoje e amanhã volta ainda com mais força. É o choro que ao longo dos dias vai-se aliviando muito porque uma parte sua já sabe, ou melhor, já decidiu que a relação terminou. Quando conseguimos encarar as coisas com esta clareza e quando temos uma estrutura emocional que o permita, simplesmente choramos o luto, por um tempo, e está tudo bem com isso. E é precisamente isso que poderá levar à próxima fase, que é a aceitação.

Na fase de aceitação, a fase final do processo de luto, começa-se a lembrar das coisas boas que se viveram na relação terminada com muita leveza. Neste ponto, já nos lembramos menos da pessoa, isso acontece cada vez menos (mas não é esquecer, é lembrar-se menos, ou antes, de forma menos sofrida). E como nesta fase as memórias já começam a ser rearrumadas nas gavetinhas dos arquivos emocionais e já não se mostram como tão relevantes assim, a amígdala já não é tão desengatilhada fazendo levar a todas aquelas emoções negativas, e porquê? Porque passámos por todo este processo de luto (negação -> raiva -> tristeza -> aceitação).

Tudo isto que lhe expliquei, assim como todas as fases que integram um processo de luto saudável, precisam de bastante atenção e muitas vezes sozinhos não conseguimos fazê-lo. Se tiver um acompanhamento terapêutico isso pode ajudar muito, e em especial, por um motivo (e olhe, esta é mais uma dica de ouro que tenho para si).

Como referi antes, muitas pessoas quando terminam um relacionamento significativo ficam presas ou na fase da “negação” ou na fase da “raiva”, não conseguindo prosseguir saudavelmente pelas restantes etapas do processo de um luto que o fim de qualquer relação pede para se conseguir (realmente) ultrapassar esta perda e se poder ficar (realmente) disponível para o amor e para voltar a amar. Como disse antes também, muitas pessoas ficam penduradas, em especial, na fase da “raiva” (que se manifesta também no impulso para “ter de arranjar logo outra pessoa”), que, como sabemos (e agora o leitor também!), esconde sempre algo mais profundo, como uma tristeza não processada, por exemplo. A dica é:

— E se saísse desse nível mais superficial (da raiva) e se aprofundasse um pouquinho mais no sentido de saber o que é que realmente existe mais lá para baixo? Qual é o sentimento? Qual é a sua necessidade real (não atendida) que precisa ser expressada? O que é que realmente está a fazê-lo sofrer?

Tudo isto, geralmente, não surge de uma forma rápida no seu pensamento. Normalmente, ficamos no “piloto automático” de ficar a acusar a pessoa, por exemplo, a procurar substituí-la o mais rapidamente possível por outra, e blá-blá-blá.

Quando começa a perguntar-se sobre a raiz desse tipo de sofrimento e a permitir-se sondar um pouco mais (nas camadas mais profundas) – e nisso um processo terapêutico ajuda muito – é aqui que começamos a lidar com as emoções reais, com as histórias que vem carregando. Caso contrário, elas vão continuar a acumular-se e a tornar esses sentimentos cada vez piores na sua vida.

Então, deste arquivo que se abriu, vamos buscando algumas fichas e vamos rescrevendo a história, ou seja, vamos finalmente poder cuidar de muitas feridas emocionais, com a necessária perícia e habilidade. É só quando chegamos a este ponto aqui é que o alívio é gigantesco (o contrário dos “alívios” momentâneos que com certeza tão bem já conhece) e isto ainda vem acompanhado de um benefício importante chamado compreensão. Neste momento, é possível evoluir, no sentido em que entende os seus próprios sentimentos, qual o tipo de dinâmicas inconscientes que podem estar a acontecer consigo que o fazem repetir este tipo de relacionamentos, etc..

Assim, um processo psicoterapêutico, de entre as suas tantas abordagens, pode ajudá-lo a ter essa compreensão para que num próximo relacionamento tenha uma experiência muito mais saudável.

Quando, no fim de um relacionamento, não transpomos as fases iniciais do luto necessário a fazer pelo que acabou, e nos apegamos muito, sobretudo, às duas primeiras fases iniciais, sem conseguir avançar no caminho de crescimento como ser humano, é muito fácil cairmos na armadilha de ficarmos presos a ilusões e idealizações. E é exatamente isso que nos amarra ao sofrimento.

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Aquilo que poderia levar um tempo de (sei lá!) uns dois, três, quatro ou cinco meses para acontecer e superar, adia-se por anos a fio, ou quem sabe até por uma vida inteira, dificultando o seu percurso porque não está a trabalhar na cura das suas emoções. Essas emoções, ou os arquivos a que me refiro, vão continuar a avolumar-se com mais fichas, ou seja, quando for para o próximo relacionamento, parece que terá mais “evidências” de que o relacionamento pode correr mal, de que a pessoa fez algo que a outra havia feito, por exemplo, e isso automaticamente desengatilha em si uma tristeza ou um medo de voltar a sofrer novamente. E aí começa a afastar-se da nova pessoa e a agir de forma inconsciente, baseado no seu relacionamento passado (e a atual pessoa até não tem nada que ver com isso…).

Como já percebeu, o fim de um relacionamento acarreta um processo de luto que psicológica e emocionalmente devemos elaborar. O sofrimento faz parte, com certeza. Mas uma coisa é cultivá-lo e outra, bem diferente, é reconhecê-lo e superá-lo construtivamente. Faz bem distrair-se e cultivar outros laços, seja com a família, com os amigos ou no terreno profissional. Ficar a remoer o passado, a fazer render o luto, pode representar um processo nada saudável, como também não seria saudável focar a sua “busca” apenas numa fuga feita de escapes instantâneos. São ruídos que abafam a voz da dor, tornando-a completamente inaudível, irreconhecível, mas precisamente por isso, não nos devolvem bons resultados e são o motivo para continuamos a (re)viver mais do mesmo.

Espero que o leitor tenha percebido a importância de cuidar de todos estes aspetos, no fundo, para chegar à “aceitação”, que não confunda com amnésia, resignação ou achar que tudo está maravilhoso. Aceitação, nestes casos, é saber que a relação teve um começo, meio e fim e, principalmente, muitas aprendizagens daí poderiam vir se se desse a oportunidade de explorar o seu arquivo emocional. Nele, porventura, iria encontrar muitas histórias que vêm da sua infância, ou até mesmo de dentro do útero da sua mãe, histórias de solidão ou rejeição, até mesmo do relacionamento dos seus pais e as aprendizagens inconscientes que fez, enfim… Cuidar disso apenas para que todo este material não fique reprimido (logo, atuante) dentro de si, e para não carregar toda esta sua “bagagem” para um próximo relacionamento.

Num processo psicoterapêutico também descobrimos muitas coisas incríveis em relação a nós mesmos, e talvez o mais importante de tudo: aprender a amar-se, a desfrutar da sua própria companhia, a ser feliz sem depender exclusivamente de outros para tal. Esta é a única maneira de viver de forma mais satisfatória e feliz.

Nos meus quase 14 anos de prática clínica, nunca vi nenhum relacionamento duradouro ou feliz sem que as duas partes não gostassem das suas próprias companhias. E, na hora certa, quando estiver pronto para se doar 100%, a alguém (que estará pronto para fazer o mesmo), voilá, o sonho de amor adormecido de repente aparecerá. Sim, a vida tem destas coisas. E não é superstição: eu vejo este tipo de “milagres” acontecerem diante dos meus olhos, em consultório. É a magia da vida e, acima de tudo, é a alquimia que nós despertamos quando adentramos nos processos de mudança e transformação pessoal.

Até para a semana!