Nasceu no estado brasileiro de Minas Gerais, tinha 25 anos, era licenciado em educação física, vegano e não tinha vícios. Tales Cotta estava a desfilar pela segunda vez na passadeira do São Paulo Fashion Week, um dos eventos de moda mais importantes do Brasil. A semana da moda brasileira, que decorreu de 23 a 27 de abril, juntou pessoas de todo o mundo com os olhos focados nas novas tendências, estilistas de sucesso, famosos e grandes ativações.

Para um modelo, estar presente num evento destes era ver as melhores portas a abrirem-se perante si. As novas possibilidades de carreira eram imensas, sobretudo lá fora — durante os quatro dias do São Paulo Fashion Week, havia muitas agências à procura de novas caras para o mundo da moda, portanto nunca se sabia quem está do outro lado da passadeira.

Tales também pensava assim. Naquele momento, tinha o mundo a seus pés.

Os últimos momentos de Tales Cotta

Nesta edição do São Paulo Fashion Week, a 26 de abril, Tales tinha estado na passadeira a desfilar para a marca brasileira Ratier, e fecharia o dia com o desfile da marca Ocksa. Cerca de 40 minutos antes de entrar, o modelo enviou uma mensagem à mãe, Heloísa Cotta, a dizer que estava bem alimentado e que havia imensa comida no evento.

Foto enviada por Tales Cotta, antes do desfile no SPFWN47, para a mãe, Heloísa Cotta

A última pessoa a falar com o modelo foi a sua colega de trabalho, Melissa Marinho. "Conversámos muito no backstage e antes do Tales entrar na passarela também. Ele estava super feliz", recordou ao jornal "O Globo".

19h10. No momento em que começou a desfilar, Tales tropeçou nas sandálias. Com a queda, muitas pessoas presentes acreditaram que fazia parte da performance, e demoraram a reagir — a equipa de socorristas demorou cerca de três minutos a prestar o atendimento necessário. Não sabiam ao certo o que tinha acontecido, e a marca Ocksa seguiu com o desfile após a retirada do modelo da passerelle.

"Fiquei bastante assustada, sem saber o que fazer. Não sabia que ele estava morrendo, ninguém sabia, na verdade. Não lembro direito qual foi minha reação", continuou Melissa Marinho. "Fui ajudar, mas falaram para não tocar nele. Não tenho muito o que dizer...".

'Fiquei bastante assustada, sem saber o que fazer. Não sabia que ele estava morrendo, ninguém sabia, na verdade', conta a modelo que teve o último contacto com Tales Cotta

A mãe de Tales, Heloísa, estava a seguir o desfile pela televisão. "Pensei que tivesse escorregado, pode acontecer. Em seguida, pararam a transmissão. Então senti que algo tinha acontecido", contou ao "Elas no Tapete Vermelho", conforme cita a "Terra". "Quando vi a fila final e ele não estava percebi algo. Mas até aquele momento, não sabia o que tinha acontecido".

O responsável pela agência de Tales Soares, Rogério Campaneli, deu mais pormenores sobre os momentos que se viveram nos bastidores assim que o jovem modelo foi retirado da passerelle. "Os médicos que conversaram com a gente falaram que quando o Tales caiu a morte cerebral já existia. Os médicos tentaram durante 1h20 a reanimação do coração. Mas o socorro não iria adiantar", explicou.

Mais tarde, Campaneli disse à FocusOn News: "Esta tem sido uma série de eventos chocantes que estamos a tentar perceber melhor. Mas tudo aconteceu tão repentina e inesperadamente. Os médicos suspeitam que Tales teria um problema congénito. Através dos vídeos, eles acreditam que morreu na passerelle. Foi tudo tão rápido: ele beijou uma amiga nos bastidores que desfilaria depois dele, saiu confiante como de costume, e de repente tropeçou, perdeu o equilíbrio e caiu!".

Aos 25 anos, sem qualquer histórico de doença, o Instituto Médico Legal declarou morte súbita.

Ele disse com a maior convicção do mundo: 'Eu vou passar novamente no casting'"

Tales Newton Gomes Alvarenga Soares. Era este o nome completo do modelo que nasceu a 16 de julho de 1993 na cidade de Manhuaçu, a 290 quilómetros de Belo Horizonte. Começou a desfilar com apenas 18 anos e era licenciado em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo.

No início da sua carreira, Tales dividiu um apartamento com a também modelo Lara Armani. "Ele disse com a maior convicção do mundo: 'Eu vou passar novamente no casting e vou ser reconhecido minha irmã, eu tenho certeza disso!'. E meu menino passou!", recordou à "Revista Donna".

Em setembro de 2018, Tales entrou na Base MGT, uma das maiores agências de modelo do Brasil.

O modelo Tales Cotta desmaiou durante um desfile na SPFW

Era um modelo com uma aura diferente. Com 1,83 metros de altura, era descrito no site da agência como um modelo de "olhos verdes e platinado" com um aparência andrógena, o que dava um ar de maior autenticidade.

Um dos grandes momentos da sua carreira aconteceu a 26 de outubro do ano passado. Nas redes sociais, Tales comentou o que estava a sentir por estar no sua primeira São Paulo Fashion Week.

“Hoje foi superação. É olhar pra trás a cada dia e dizer: ‘Não desista'”, escreveu. “Amigos que acompanham e torcem por mim: esse sonho é nosso e foi concluído com sucesso. Seguimos”.

Porque é que o evento não foi cancelado?

Após o desfile da Ocksa, outras duas marcas continuaram a programação normal, apesar da notícia do óbito. Esta decisão causou alvoroço nas redes sociais, alegando falta de humanidade e respeito para com o modelo e a sua família.

No desfile seguinte, da marca Cavaleira, que ocorria no mesmo sítio onde o modelo faleceu horas antes, o paulistano Rico Dalasam, foi convidado a cantar. Ao invés de fazer a sua apresentação durante o desfile, o artista fez uma crítica inesperada que deixou todos surpresos.

“Me chamou porque quis. Não era para ninguém estar aqui. O garoto acabou de morrer e vocês estão aqui como se a vida não valesse nada. Enquanto os ricos não lamentarem as mortes dos negros, dos brancos e da humanidade das pessoas, a agonia vai estar no travesseiro de todo mundo”.

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Horas depois, a marca em que o modelo desfilava manifestou-se nas redes sociais, pedindo desculpa por ter continuado o desfile, apesar de não saberem que a morte de facto tinha acontecido até o espetáculo acabar.

Pronunciamento da marca Ocksa, e o comentário da mãe, Heloísa Cotta, a defender a marca

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Paulo Borges, criador e diretor criativo da São Paulo Fashion Week, foi alvo de muitas críticas pela atitude tomada no evento. Só dois dias depois do sucedido é que decidiu falar publicamente. Num vídeo publicado no Instagram, disse que o óbito aconteceu às 18h40 e, às 18h50, quando todos foram informados, os desfiles das marcas Oksa e Flávia Aranha já tinham acontecido. 

"Vivemos algo inimaginável. Não existe manual para lidar com uma situação tão trágica como essa. Primeiro, no momento em que teve mal súbito e foi prontamente atendido pela equipe de socorristas e encaminhado ao hospital, ninguém contava com a tragédia. Todos estavam ali realizando sonhos de trabalho de meses. O desfile aconteceu porque o incidente, até então não fatal, já estava atendido”.

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Sobre a polémica, a mãe de Tales, Heloísa, disse ao "Elas no Tapete Vermelho" que tal não faz sentido. "Cancelar iria trazer ele de volta? Nem ele gostaria disso. Era muito profissional."

A segunda morte na família

Não é a primeira morte a ocorrer na família de Tales. Há quase 12 anos, outro irmão, Vítor, morreu num acidente. Tinha 22 anos e estava a atender uma ocorrência quando a viatura onde seguia se despistou.

Em entrevista ao site G1, a irmã Gabrielle Cotta diz que está assustada. "Ele era muito saudável, praticava exercício todos os dias. Disse que tinha acabado de comer um bolo de cenoura quando falou com a gente”.

A agência que também trabalhava com Tales, All Models, alegou que em nenhum momento Tales sofria pressão para emagrecer, e que era decisão do modelo seguir uma dieta vegana, que ia ao encontro aos seus ideais.

A morte súbita ainda não tem uma causa concluída, e o Instituto Médico Legal (IML) deve levar de 60 a 90 dias para concluir a causa.

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O corpo foi velado esta terça-feira, 30 de abril, no interior do estado de Minas Gerais.

Velório do modelo Tales Cotta em Manhuaçu, Minas Gerais