"Conhece a Dory, do filme da Disney?", pergunta divertido Micael Monteiro, de 38 anos, natural de Valado dos Frades, Nazaré. "Eu sou basicamente como ela, mas já não estou tão assim", brinca. A Dory é um desenho animado do filme "À Procura de Nemo", e mais tarde de "À Procura de Dory", um peixe azul que perde a memória de curto prazo, isto é, não consegue registar as situações do dia a dia como, por exemplo, com quem acabou de falar.

"A memória é a função cerebral que regista e armazena informações e posteriormente encarrega-se da sua recuperação quando necessário. A memória de curto prazo é a que permite o armazenamento temporário de informações de cerca de 30 segundos de duração, após os quais são perdidas se não são consolidadas na memória a longo prazo", explica a neurologista Socorro Piñeiro, da Clínica Santo António – Lusíadas.

Micael Monteiro no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro — Rovisco Pais, quando saiu da cadeira de rodas para substituí-la pelo bastão de caminhada

Foi no final de 2014 que a vida de Micael Monteiro mudou. Tinha duas empresas onde dava emprego a seis pessoas e uma vida saudável, ativa e estável. Na altura, o designer e fotógrafo de profissão começou a sentir fortes dores de cabeça. Passaram a ser frequentes e acabaram por se prolongar durante três semanas.

— Tóxicos como a marijuana;
— Medicamentos como as benzodiazepinas;
— Processos degenerativos cerebrais, como a Doença de Alzheimer;
— Danos cerebrais derivados de AVCs, tumores, traumatismos crânio-encefálicos;
— Doenças como a dislexia, entre outros.

"Pensei que andava a trabalhar muito tempo em frente ao computador", lembra. Porém, começou a ter vómitos e decidiu marcar uma consulta no médico de família. Dali foi para o hospital de Alcobaça e depois reencaminhado para o hospital de Leiria onde teria de efetuar uma tomografia computorizada (TAC).

"Quando fiz o TAC disseram-me que tinha uma massa cinzenta no cérebro de oito centímetros, do tamanho de um ovo. Era um tumor e teria de ir de urgência para Coimbra para ser operado." Três semanas depois, já no início de 2015, fez a primeira operação para a remoção de uma parte do tumor. "Foi uma cirurgia bastante complicada. Demorou 12 horas e corria risco de vida."

Cumprimento muitas vezes a mesma pessoa. Tenho de escrever e apontar tudo, como por exemplo tirar foto ao sítio onde estacionei o carro, uma vez que tenho dificuldade em saber onde o deixei"

Depois da operação ficou paralisado do lado esquerdo do corpo. "Os médicos disseram aos meus familiares que a operação tinha corrido muito bem e que estava tudo ok comigo, mas na verdade não estava", recorda. "Não mexi metade do corpo durante mais de um ano. Ainda estive quatro meses numa cadeira de rodas." Esteve em recuperação no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro — Rovisco Pais, na Tocha, Coimbra, de onde saiu em 2016. Pelo meio realizou uma nova operação para retirar o resto do tumor e ainda sofreu uma embolia pulmonar.

Foi em 2015 que Micael Monteiro foi diagnosticado com um tumor de oito centímetros

Como é viver com a memória de curto prazo afetada

— Dificuldade em manter conversas, uma vez que não se consegue reter o início da frase;

— Dificuldade em conseguir fixar uma informação, um recado, um número;

— Dificuldade na leitura de frases longas e complexas.

A primeira operação não teve apenas sequelas físicas: Micael Monteiro ficou com a memória de curto prazo afetada. "Percebi que me repetia constantemente. Por exemplo, o meu irmão chegava e cumprimentava-o. Falava com ele, depois saía para ir à casa de banho e quando voltava cumprimentava-o novamente como se não tivesse falado com ele ainda." A família foi avisada pelos médicos e Micael soube depois da sua situação clínica.

Acontecia também as pessoas entrarem, conversarem com ele e saírem, e depois não se lembrar que tinha estado com elas. Ou então já ter almoçado e voltar a fazê-lo porque não se recordava que o tinha feito.

Atualmente, Micael Monteiro apresenta melhorias em relação à memória de curto prazo. Ainda assim, sabe que ainda tem várias limitações, mas aprendeu a viver com elas. "Houve uma altura em que estas situações me chateavam, mas agora já aceitei. Até brinco um bocadinho com isto."

Micael Monteiro foi buscar forças à família para a sua recuperação

"Cumprimento muitas vezes a mesma pessoa. Tenho de escrever e apontar tudo, como por exemplo tirar foto ao sítio onde estacionei o carro, uma vez que tenho dificuldade em saber onde o deixei. Preciso de apontar as coisas que me dizem e também pergunto várias vezes a mesma coisa. O meu próprio discurso não é um discurso fluído porque muitas vezes perco-me e esqueço-me do que já disse e do que não disse anteriormente. Posso também não saber o que acabei de almoçar há umas horas, mas pode haver alturas em que até me lembro."

No dia a dia utiliza o calendário do telefone para se "orientar nas coisas mais importantes" e para saber o que tem de fazer. No entanto, assegura que tenta "não dar muita importância à questão". "Tento ser mais descontraído e não levar isto tão a sério e pensar 'Vou-me esquecer, tenho de apontar'".

A mulher Maria João Ramos (à esquerda), a filha Maria Mel Monteiro (ao centro) e Micael Monteiro

Atualmente, Micael Monteiro faz trabalhos de fotografia como freelancer e tenta levar "uma vida minimamente saudável". Duas vezes por semana faz exercícios de mobilidade na praia com um primo, anda no ginásio e faz piscina. "Sinto-me melhor, estou feliz por estar junto da minha família e tenho de aceitar os meus problemas."

Fisicamente já apresenta melhorias significativas: "A andar percebe-se que coxeio um bocado, mas já consegui fazer uma corrida de dez minutos o que não é nada mau para quem pensava que não ia voltar a andar. E é nisto que penso, que já é uma vitória". No cérebro ainda existe uma mancha que está sob observação, no entanto tudo indica que Micael Monteiro estará livre do tumor.

Só ficaram as perdas de memória a curto prazo — melhores, claro, mas ainda presentes. Apesar de hoje já aceitar melhor a sua condição, Micael admite, porém, que nem sempre foi fácil. "Foi muito complicado. Foram algumas noites a chorar, algumas noites em claro sem perceber o porquê de me ter acontecido tudo isto. Depois com a força dos meus familiares, da minha esposa, da minha filha, agarrei-me a isso tudo e lutei para tentar dar a volta. Mas o aceitar não foi fácil, não vou dizer que foi porque não foi. Foi bastante complicado perceber que a minha vida ia ser diferente a partir daquele momento, e ainda é."

Micael Monteiro não sabe se a memória de curto prazo vai ficar afetada para sempre, mas tem esperança na sua recuperação. "Tendo em conta que já recuperei tanto, tenho a esperança de vir a recuperar cada vez mais."

Atualmente, Micael Monteiro faz trabalhos de fotografia como freelancer e tenta levar 'uma vida minimamente saudável

A perda da memória de curto prazo pode ser reversível ou não, dependendo dos motivos que estiveram na sua origem. "Em certas causas como tóxicos ou medicamentos, pode ser reversível. Já nos AVCs é preciso estimulação cognitiva e em processos neurodegenerativos habitualmente há progressivamente afetação de outros tipos de memória. Esta reabilitação cognitiva consiste em ativar a plasticidade cerebral, isto é, estimular as ligações neuronais para que sejam mais rápidas e eficientes e assim fortalecer a memória", explica Socorro Piñeiro.