Avassalador. Confesso que só por estar a escrever sobre este drama sinto-me imediatamente corroída por uma revolta tremenda e uma sensação de impotência atroz.

No ano passado fui visitar uma “casa abrigo” da Santa Casa da Misericórdia. Estão familiarizados com o conceito, certo? Em suma, são casas onde se encontram várias vítimas de violência doméstica, pessoas que tiveram de fugir de casa e cujo único destino possível seria esse, ou… fui clara? Algumas das histórias que me contaram nesse dia, os rostos que vi, os olhares que senti, estou certa de que são memórias que jamais se apagarão da minha mente.

Mulheres lindíssimas, mas preenchidas por almas perdidas. A vida que outrora tiveram foi abandonada, abruptamente interrompida, e tudo o que têm atualmente é apenas a roupa que tinham no corpo quando tudo deixaram. Quando fugiram. Quando tiveram de optar pela mera sobrevivência. Agora? É ali que têm os seus quartos emprestados por tempo indeterminado, trancados com cadeados numa tentativa desesperada de garantir que estarão em segurança.

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Cada abrigo conta com cerca de nove famílias. Entre bebés, crianças e vítimas adultas que ali chegam, estamos a falar de um quadro indescritível. Uma dor sem fim. O propósito da minha visita foi apenas tentar levar esperança de dias melhores, partilhar algumas histórias bonitas e oferecer algum do amor que lhes tem sido negado na vida. Apenas isso: amor! O bem mais puro, altruísta e verdadeiro que temos para dar.

Aquela tarde foi um choque de emoções, uma dicotomia indescritível. Foi como encontrar o sol e a lua no mesmo espaço e na mesma sintonia. As crianças que nada entendiam e só queriam brincadeira e carinho, ao lado de mães que sorriam com uma tristeza tão grande no olhar... impossível não sentir revolta. Impossível não questionar tudo aquilo que nos rodeia todos os dias.

O amor é um sentimento tão bonito, com contornos tão delicados, tão subtis e tão meigos, como é possível haver mentes tão doentes, maquiavélicas, capazes de cometer atos de violência contra crianças inocentes e pessoas indefesas?

Chega de somar casos arquivados, criminosos à solta e queixas sem resolução! Que país é este, feito de tantos faz-de-conta? Onde está a justiça? Para onde caminhamos?

O amor não é doentio. Não é possessão. Não é obsessão. O amor pode ser um monte de coisas, mas nenhuma delas prevê a necessidade de fugir para casas escondidas em ruelas não definidas no GPS. O amor não inclui crianças marcadas nem rostos desfigurados. Não é violento nem ensanguentado. Não é frio nem tem medo de viver.

O amor é vida! E a vida está a acontecer neste preciso momento...

Vamos dizer BASTA! É tempo de agir, chega de ver e deixar que tudo continue a acontecer!