Neverland foi o nome dado ao rancho privado e luxuoso de Michael Jackson. Era uma espécie de Terra do Nunca, das histórias de Peter Pan, onde o rei da pop se podia refugiar da fama e da atenção mediática de que era alvo, e onde partilhava a infância que nunca teve com várias crianças que o acompanhavam para todo o lado. Apesar de Neverland parecer inocente e ter tudo aquilo capaz de atrair uma criança, como doces e atividades divertidas, hoje sabe-se que nada era totalmente inocente.

É que o rancho estava repleto de camas escondidas, compartimentos com vidros espelhados e várias armadilhas e engenhos estrategicamente colocados perto dos aposentos do músico para que nunca fosse apanhado em flagrante. Depois de ter sido acusado duas vezes, em 1993 e 2003, por abusos sexuais a menores, Michael Jackson sempre se disse inocente.

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Mas "Leaving Neverland", o documentário polémico da HBO que levou a família a reagir e a processar o canal, mostra uma realidade muito diferente.

A produção, realizada por Dan Reed ("The Valley"), baseia-se em testemunhos de duas pessoas que dizem ser sobreviventes dos abusos "constantes e recorrentes" e mostra as consequências de vários anos de mentiras e de violência física e psicológica.

Mostramos-lhe as revelações mais chocantes sobre a segunda parte do documentário, que estreou esta segunda-feira, 4 de março, na HBO, nos Estados Unidos. As duas partes, de duas horas cada, de "Leaving Neverland" chegam à HBO Portugal já na próxima sexta-feira, 8 de março.

As duas vítimas sentiram-se pressionadas a mentir

Quando, em 1993, surgiram as primeiras suspeitas de que Michael Jackson teria abusado um menor de 12 anos, Wade Robson e James Safechuck, 36 e 40 anos, defenderam o rei da pop e juraram à família e à polícia que o músico nunca lhes tinha tocado de maneira imprópria.

"Assim que a polícia me começou a fazer todas aquelas perguntas, a primeira coisa que me veio à memória foram todas aquelas palavras que o Michael me disse quando eu tinha 7 anos. Que iríamos para a prisão se alguma vez alguém descobrisse o que estávamos a fazer. Foi assustador", revelou Robson no documentário.

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Depois de um afastamento gradual por parte de Michael Jackson, as duas vítimas garantem ao "The New York Times" que, de repente, o rei da pop se voltou a aproximar deles.

O motivo era simples já que, segundo contam, agora Michael Jackson precisava dos dois. Safechuck revela que ensaiou várias entrevistas falsas com os advogados de Jackson que o instruíram a responder sempre na negativa. Se Safechuck não revelasse nada, as autoridades não teriam provas e não poderiam construir o caso.

Em 1994, a família da vítima decidiu desistir do caso em troca de 20 milhões de euros. Michael Jackson foi ilibado de todas as acusações e Joy Robson, mãe de Wade Robson, acreditou que nada daquilo tinha sido verdade e que aquela família só queria dinheiro.

Poucos anos depois, relata a mãe de Wade, Jackson chamou o filho, na altura com 10 anos, e forçou-o a sexo anal. No dia seguinte, diz Robson, uma equipa do artista ordenou que a criança mandasse fora as cuecas sujas de sangue para que nunca pudessem ser usadas como prova em julgamentos futuros.

Uma das vítimas recusou-se a defender o cantor em tribunal

Foi em 2003 que Michael Jackson voltou a ser acusado de abuso sexual de menores e, nessa altura, o artista terá pedido a Safechuck que o defendesse em tribunal. "Tive uma espécie de esgotamento nervoso porque não queria estar envolvido no caso", conta em "Leaving Neverland".

Jackson terá ameaçado o jovem com os seus advogados mas Safechuck manteve a sua posição e não testemunhou. E diz que foi essa a última vez que falaram — a relação tinha acabado naquele momento já que, para o rei da pop, aquela atitude foi vista como uma espécie de traição.

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A decisão de Wade Robson foi diferente, e foi ele um dos grandes defensores do cantor durante um dos julgamentos mais mediáticos dos últimos anos. Não só porque, na altura, era já um dos coreógrafos mais bem sucedidos (a colaborar com grupos como os 'N Sync ou a Britney Spears), mas também porque não se sentia preparado para revelar aquela verdade incómoda.

"A ideia de contar a verdade e toda a gente ficar a saber, como a minha família ou todo o meio do entretenimento, era uma ideia ridícula que nunca fez sentido na minha cabeça. Muito por achar que, ao fazer aquilo, estava a destruir a minha vida", revelou.

A mãe de uma das vítimas dançou quando soube da morte do cantor

Quando, em 2003, Safechuck decidiu não testemunhar, pediu aos pais que também não o fizessem já que o músico "não era uma boa pessoa", segundo recorda a mãe, Stephanie.

"Percebi exatamente o que ele queria dizer com aquilo e não testemunhámos. Quando soube que ele [Michael Jackson] tinha morrido, dancei. Pensei: 'Graças a Deus, ele não vai poder magoar mais criança nenhuma.' E dancei", revelou Stephanie Safechuck na segunda e última parte do documentário polémico da HBO.

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Já Wade Robson reprimiu durante muito tempo o que lhe tinha acontecido — o suficiente para dar lugar a uma depressão severa e a ataques de ansiedade recorrentes. Foi nessa altura que começou várias sessões de terapia e percebeu que, para tentar curar-se, teria de assumir ter sido violado pelo cantor.

Quando, finalmente, assumiu, a notícia foi como uma bomba. "O abuso sexual de que ele [Wade Robson] foi alvo caiu como uma espécie de bomba que chegou, explodiu na nossa vida e estragou tudo aquilo que achávamos ser seguro e calmo", conta Amanda Robson, mulher de Wade, que durante cinco meses não deixou que Joy, a mãe, entrasse em sua casa por achar que também ela era culpada de tudo o que tinha acontecido.

É que durante vários anos, Joy Robson aceitou ceder o filho a Michael Jackson sem nunca questionar o que acontecia no quarto que ambos partilharam durante anos no rancho Neverland.