Entramos no eterno confronto entre a quantidade e a qualidade. Dormir horas suficientes é importante, mas para a preservação da saúde não será tão ou mais fundamental que esse tempo corresponda a um verdadeiro descanso?

Sim. Dormir oito horas deixa de ser um fator protetor e regenerador se não forem de qualidade. Foi o que mostrou uma nova investigação, através de experiências em ratos: aqueles que dormiam menos tempo, mas de forma consistente, tinham um risco menor de desenvolver demência, face aos que dormiam mais mas pior.

Realizado pela Universidade de Rochester Medical Center, e publicado no Daily Science, a 27 de fevereiro, a conclusão corresponde ao aprofundamento daquilo que o investigador Maiken Nedergaard já tinha sido descoberto em 2012: o cérebro, através do sistema glinfático, entra, quando dormimos, numa espécie de processo de limpeza, em que se eliminam resíduos.  

É a partir daqui que se faz a relação entre a má qualidade de sono e o risco acrescido de desenvolver demência e Alzheimer. É que parte da matriz do declínio cognitivo reside no problema da acumulação de placas no cérebro. Ou seja, se o sistema de limpeza não funciona bem, acumulam-se mais resíduos e aumentam as hipóteses de desenvolvimento destas condições.

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Mas em que altura do sono é que este mecanismo de limpeza acorda?

Foi isso que os investigadores foram perceber. Aqui é importante entender que existe uma arquitetura específica do sono, dividida no REM — em que há atividade cerebral mais rápida, em que sonhamos mais, sendo a altura em que idealmente devemos acordar — e NREM, dividida por várias fases, que vão ficando cada vez mais profundas. Quanto mais as etapas forem respeitadas, o que implica atingir níveis de profundidade, mais qualidade ele tem.  

Tanto assim é que os cientistas descobriram que é em NREM que o sistema glinfático funciona melhor, através da tal experiência com os ratos. Os animais foram anestesiados com seis medicamentos diferentes, de forma a induzi-los a fases de sono distintas. Enquanto dormiam, retiraram-se dados relativos à atividade cerebral, cardiovascular e ao ritmo do processo de limpeza do cérebro. Notaram que aqueles que dormiam mais profundamente — com menos atividade cerebral e ritmo cardíaco — eram os que conseguiam, por outro lado, ter um sistema glinfático mais eficiente.

A capacidade de atingirmos níveis tão profundos de sono vai diminuindo, consoante a idade aumenta. Por isso, quanto mais a idade avança, menor a qualidade de sono e mais comprometidas ficam as capacidades cognitivas. Por isso é que é tão importante que desde sempre haja uma correta higiene de descanso. Por outro lado, nestas investigações, os cientistas começaram a suspeitar de que o sistema glinfático pode ser manipulado, através do aumento do número de horas — o que pressupõe mais fases NREM e, consequentemente, mais limpeza. Partindo daqui, os cientistas estão a pensar em diferentes abordagens clínicas, como terapias de sono e outros métodos que possam melhorar a qualidade do descanso em grupos de risco.