Nunca esqueceremos o valente orgasmo falso protagonizado por Meg Ryan no clássico "When Harry Met Sally". Ele não acreditava que as mulheres eram capazes de fingir o clímax, sem que não se notasse a diferença. Ela provou-lhe o contrário, como pode recordar neste vídeo.

Mas será que um orgasmo tem de "acordar o condomínio inteiro", como brincou a sexóloga Vânia Beliz? Será que atingir o ponto mais alto de prazer na relação sexual tem de ser igual para toda a gente, com a mesma reação, sensação e intensidade que nos mostram o cinema e a pornografia? Não e não.

Esta representação, que nos faz criar expectativas, é, aliás, um dos fatores que a poderão estar a impedir de atingir o orgasmo. Mas há mais. Vânia Beliz e o ginecologista Fernando Cirurgião falaram com a MAGG e deram-nos 11 motivos.

As expectativas em torno do orgasmo

"Aquela coisa de acordar o condomínio não é para todas as mulheres. Nem todas gritam. Só que isto está ligado ao que se aprende na pornografia, onde tudo é exagerado", explica Vânia Beliz. Na opinião da sexóloga, a indústria do sexo e do próprio cinema dão falsas perspetivas daquilo que deve ser um orgasmo. "As pessoas andam à procura de uma coisa que é fantasiada e não é real."

É fundamental que se entenda, na opinião da sexóloga, que "cada mulher é única", ou seja, que sente de forma diferente e que reage de maneira distinta. Além do mais, as sensações não são estanques. "Em diferentes fases da nossa vida experimentamos diferentes sensações. Pode ir intensificando-se ou modificando-se."

Está demasiado tensa

Atingir o orgasmo pressupõe alguma capacidade de concentração e de relaxamento. Nós sabemos: quanto mais tenta concentrar-se e relaxar, mais desconcentrada e tensa fica. Mudar o chip pode ser complicado e os esforços titânicos podem ser contraproducentes, mas Vânia Beliz deixa algumas sugestões para que se consiga focar e entregar à relação sexual.

"É difícil atingir o orgasmo se a mulher não relaxar. Nós temos muita dificuldade em desligar o botão em relação ao ambiente que está à nossa volta", considera. "Atingir um orgasmo implica que haja uma escalada de excitação. Quando não conseguem relaxar e entregar-se por completo, eu sugiro que pensem em coisas que as excitem verdadeiramente e que sempre que precisem de se concentrar, que pensem nisso."

Além disso, há a pressão social em cima daquilo que se espera da mulher. "Termos de ser boas em tudo: no trabalho, em casa, com os amigos. Não é fácil. São muitas exigências e há uma grande expectativa para que elas não consigam depois estar tão disponíveis para se entregarem ao prazer, seja no desejo, seja em atingir o orgasmo", considera. Tudo tem um tempo: "É preferível dizerem ao parceiro que não querem naquele dia e depois terem relações e estarem presentes dentro dela."

O lidar mal com o seu corpo e imagem

Esta fator está relacionado com o anterior. A mulher que está demasiado consciente do seu corpo no ato sexual vai sentir-se mais tensa, menos relaxada e não se conseguirá concentrar para atingir o orgasmo.

"A dificuldade da aceitação é um entrave para o prazer. Porque se sentem gordas, por causa da celulite, porque não se sentem bem com o seu corpo, porque têm receio de que o parceiro não goste", diz a sexóloga.

A auto-estima baixa não é muito amiga do orgasmo: "Vão ter mais dificuldade. Porque se não nos sentirmos atraentes é mais difícil sentirmos prazer. Isto limita-nos."

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Falta de conexão com o/a parceiro(a)

Não podemos descartar a hipótese de existir falta de química. E isto pode acontecer com pessoas que estão a começar uma relação, em que "descobrimos alguma coisa que não nos deixa confortáveis, que não consideramos atraente", mas também pode surgir numa relação consolidada.

"Tem de se perceber de onde é que vem o problema — se houve uma alteração física, se a relação está a passar por uma fase específica — e conversar sobre isso", diz. "Mas cada caso é um caso."

Não conhece o seu corpo

Vânia Beliz identifica este problema e diz-nos que é muito comum. "A mulher não conhece o seu corpo, nem as suas zonas de prazer", diz. "Na semana passada tive uma ação em escolas, com alunos do secundário, e eu perguntava-lhes o que era e onde ficava a vulva e as miúdas não sabiam."

Uma mulher que não saiba onde ficam as suas zonas mais sensíveis terá mais dificuldade em atingir o orgasmo e, muito importante, não conseguirá explicar ao outro como é que este conseguirá dar-lhe prazer. Outro lacuna que a sexóloga identifica prende-se com a masturbação feminina, um grande tabu para muitas mulheres. Só que uma mulher que saiba dar prazer a si própria, saberá explicar ao outro o que é que a satisfaz.

Vânia Beliz é sexóloga, autora de vários livros, incluindo 'Ponto Quê?' e 'Chamar as Coisas pelos Nomes'

Dificuldade de comunicação

O ponto anterior não resulta se falhar esta parte: a comunicação. "Ainda tenho mulheres que me dizem que querem que ele lhes toque num sítio, mas não têm coragem de dizer", relata. Têm dificuldade em partilhar fantasias, têm vergonha em explicar aquilo de que gostam, aquilo que gostavam de experimentar.

Mas é lógico: havendo comunicação e um conhecimento melhor do corpo do parceiro, cresce a empatia, cresce o à vontade, cresce a capacidade de entrega e a própria excitação. Ou seja: probabilidades de orgasmo crescerem exponencialmente.

Medo de engravidar

Vânia Beliz diz-nos que há mulheres que, mesmo utilizando meios contracetivos, como a pílula, têm medo de engravidar, por acharem que não estão totalmente protegidas. Isto faz com que, devido ao receio, não estejam tão presentes na relação sexual — e, por consequência, que não atinjam o orgasmo.

"Esta é uma questão que surge com frequência", diz. "O que eu sugiro é que estudem o funcionamento do método contracetivo, para que se sintam seguras. É que, da mesma maneira que não conhecem o seu corpo, também não entendem o mecanismo dos métodos."

A maternidade

A sexóloga identifica este padrão. Depois de serem mães, as mulheres têm mais dificuldade em voltar a ter relações sexuais — e em atingir o orgasmo. "Mudam a perceção de si enquanto mulheres", diz. Ficam menos disponíveis, menos à vontade com os parceiros, seja porque estão inseguras com o corpo ou porque têm medo que as crianças apareçam.

"Há uma altura em que é normal terem mais dificuldade. O pós-parto é muito difícil no desejo: amamentação dificulta a lubrificação e faz diminuir vontade, além de que as mulheres canalizam as energias para o bebé, deixando menos espaço para os parceiros", diz.

"Eu tento explicar-lhes que este afastamento é natural, mas também lhes digo que devem descansar, porque o cansaço também é um problema que dificulta o desejo. Sugiro que façam suplementos de vitaminas, sugiro que reservem tempo a dois, para namorarem, para estarem um com o outro."

Fingir o orgasmo

Fingir o clímax é "comum", sobretudo para as mulheres. Só que este poderá ser um grande entrave ao orgasmo. Não faça isto — é contraproducente, porque passa a mensagem errada. "Acho que devem dizer que não atingiram, mas que foi muito bom na mesma. O orgasmo pode ser a meta da corrida, mas a corrida também pode ser muito boa", explica.

Segundo Vânia Beliz, esta "falsa crença" de que a relação sexual só é boa se se atingir o orgasmo é um problema. "Há uma pressão muito grande para isso, o que torna tudo mais tenso". Além disso, há ainda perceções erradas criadas em torno deste momento alto, seja por causa dos orgasmos múltiplos ou dos orgasmos com ejaculação feminina. "As mulheres ficam frustradas por não conseguirem, mas essas ideias são quase sempre saídas da pornografia — a mulher não ejacula, pode estar bem lubrificada, mas não tem nenhum mecanismo que lhe permita libertar um jato, por exemplo."

Fernando Cirurgião é ginecologista e obstetra

O ato sexual magoa-a

A dispareunia — sensação de dor no ato sexual — pode surgir por diferentes motivos, como explica o ginecologista Fernando Cirurgião.

"Um dos problemas é o das infeções ginecológicas, que provocam desequilíbrios na flora vaginal, como é o caso da candidíase e da vaginose bacteriana", diz. São as mais banais e tratáveis por serem mais superficiais. Em casos de dispareunia profunda — como é o caso da endometriose — já é mais difícil, porque há uma espécie de "distorção anatómica" no corpo.

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Por último, há ainda o vaginismo, uma condição "mais complexa", que se caracteriza por "uma disfunção sexual sobre a qual ainda não se sabe muito." Não há nenhuma causa física atribuída para o problema, mas aquilo que acontece é que decorre uma contração involuntária dos músculos da vagina, o que faz com que haja dor no ato sexual.

Há medicamentos que não são amigos da libido

O ginecologista começa logo por dar o exemplo da pílula: aquele que é o medicamento mais tomado para que, entre outras coisas, as relações sexuais não corram o risco de provocar a gravidez, é também aquele mais associado à perda da libido — e se não há desejo, não há orgasmo.

"Temos ainda, dentro da medicação, os antidepressivos ou benzodiazepinas, que afetam o sistema nervoso", diz. "É difícil ver onde começa uma coisa e acaba a outra", refere, numa alusão ao facto de estados depressivos também tirarem o desejo sexual.

"Tudo aquilo que possa influenciar em termos de flora vaginal, pode interferir. Sabemos que os antibióticos, por exemplo, podem ter um impacto negativo e levar ao aparecimento de candidíase e outras infeções ginecológicas", diz. "Os anti-histamínicos tomados de forma crónica têm efeito bola de neve: seca as mucosas, diminui a lubrificação vaginal, o que dificulta a relação e diminui a probabilidade de prazer."

Por último, o médico identifica ainda os hipertensores, ou seja, os medicamentos para a tensão arterial. "Sabemos que alguns desses medicamentos interferem na capacidade da própria circulação do sangue no aparelho reprodutor. É mais notório no homem, podendo levar à impotência e à disfunção erétil. Na mulher, não sendo tão significativo, também pode interferir no desejo."

Fernando Cirurgião explica que a solução para o problema do prazer associado à medicação é simples. "Arrastam isto desnecessariamente, quando basta fazer alterações na medicação." No caso das mulheres que tomam a pílula, o médico dá outra hipótese: o dispositivo intra-uterino.

*artigo publicado em 2019 e atualizado em 2023