José Aedo e Blanca Sáez tinham 94 e 86 anos, respetivamente, quando, sem que nada fizesse prever, foram encontrados sem vida na sua residência em El Bosque, no Chile. Após dado o alerta às autoridades, foi encontrada uma carta onde o casal se despede e explica as suas motivações — não queriam continuar a depender dos restantes familiares para viver.

Mas este caso não é único. A solidão, a situação economicamente debilitada em que o setor da terceira idade vive, bem como um conjunto manifestações físicas e psicológicas são alguns dos motivos apontados para esta tomada de decisão.

Nuno Mendes Duarte é diretor clínico da Oficina de Psicologia e entende estas situações. O envelhecimento é um fator “importante para a existência de perturbações de humor ou outras doenças que incutem um sentimento de desesperança e sofrimento psicológico intenso” podendo “desencadear ideação suicida”.

O psicólogo, ouvido pela MAGG, afirma que é fundamental prestar atenção a comportamentos que possam resultar de pensamentos suicidas. Estes são “pensamentos mais ou menos recorrentes de que se quer desaparecer, de que a existência não faz sentido, que somos um fardo para outros, ou que não se sente esperança no futuro e a morte parece ser o único alívio”.

Quando os sinais se tornam evidentes, recorrer à ajuda de profissionais de saúde é o melhor caminho a seguir, quer através de intervenções psicológicas ou farmacológicas, aconselha Mendes Duarte. “É muito importante compreender que toda a sociedade e estado têm um papel fundamental na prevenção, deteção e intervenção sobre estas situações o mais precocemente possível.”

Ao longo dos anos, foram vários os casos que surgiram na imprensa onde o suicídio se apresentou perante casais de terceira idade como a única solução para não perder a liberdade e independência com que viveram toda a vida.

Uma decisão ativista

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Com 83 e 81 anos, Dennis e Flora Milner eram um casal saudável. A nora de ambos, Carole, refere mesmo que “nenhum deles se encontrava num estado miserável, e foi assim até ao último dia. Eles eram pessoas muito positivas e estavam a desfrutar da vida”, cita o Telegraph.

A 31 de outubro de 2009, Carole e o marido Nigel Milner, filho dos Milner, encontraram-se com Dennis e Flora Milner para assistir a um espetáculo de jazz e nessa mesma noite o casal regressou a casa e cometeu suicídio em conjunto. Foram encontrados no dia 1 de novembro, em Newbury, Inglaterra, deitados na cama. Nigel acredita que o momento foi “extremamente pacífico. Eu viu-os e foi como se tivessem adormecido”.

Ao tentar fugir daquilo que consideravam ser um declínio inevitável da vida, o casal tomou uma decisão coletiva, pessoal, mas também política. Dennis Milner dedicou um longo período de vida ao ativismo, apoiando a causa comunista durante a Guerra Fria, e mais tarde, em conjunto com Flora, aderiu ao grupo Dying with Dignity, como forma de apoiar a legalização da eutanásia, na época ilegal no Reino Unido.

Pouco antes de morrerem, os Milner enviaram uma declaração conjunta a várias organizações noticiosas, exigindo que as leis relativas à morte assistida no Reino Unido fossem alteradas. “Tivemos um momento de despedida muito especial…Acho que sabia que não iria voltar a vê-los”, confessou o filho do casal.

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Um suicídio acompanhado

Foi com um último beijo que Nic e Trees Elderhorst se despediram. Ambos com 91 anos, o casal holandês tinha uma condição de saúde debilitada— Nic sofreu um derrame em 2012, e pouco tempo depois, Trees foi diagnosticada com demência vascular, uma condição que afeta a memória, linguagem e outras habilidades cerebrais de forma progressiva.

O medo de que o estado de saúde de Trees piorasse e a impedisse de cuidar autonomamente do marido levou-os a recorrer à justiça holandesa, que permite a eutanásia em casos de “sofrimento insuportável e sem esperança”, segundo cita o jornal Independent. O suicídio conjunto aconteceu a 4 de junho de 2017, depois de seis meses de acompanhamento psicológico.

Uma vida de companheirismo que resultou num documentário

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Foi também em 2017 que Charlie e Francie Emerick deram as mãos pela última vez. O casal norte-americano do estado do Oregon, ambos na casa dos 80 anos, via a sua situação de saúde piorar dia após dia — Francie tinha sofrido vários ataques cardíacos ao longo dos anos e Charlie foi diagnosticado com Parkinson em 2012, depois de ter sofrido um cancro na próstata.

A 20 de abril, o casal tomou uma dose letal de medicação de acordo com o definido pela lei da morte com dignidade, aplicada no estado de Oregon.

“Eles não tinham nada mais por resolver, nenhum arrependimento”, explica a filha do casal, Sher Safran, que em conjunto com o marido, Rob, produziu um documentário onde retrata os últimos dias de vida dos pais. “Living & Dying: A Love Story” foi considerado por Charlie e Francie como uma forma de comemorar a sua vida. “Parecia ser a hora certa para eles, e significou muito saber que eles estavam juntos”, esclarece Sher, citada pelo Time.

Em 2017, 143 pessoas morreram no estado de Oregon devido à legalização da morte assistida. Nesse ano, os Emerick foram os únicos a fazê-lo em conjunto e ao mesmo tempo, segundo avançaram funcionários da Compassion & Choices, uma associação que trabalha para melhorar os direitos dos pacientes e apoia a escolha individual de pôr termo à vida.

"Eles fizeram o que disseram que fariam. Foi um choque enorme."

Para compreender a história de David e Bridget Brittain, de 86 e 84 anos, é preciso recuar ainda mais no tempo. Suspeita-se que, em 2010, o casal tenha aderido ao Exit, um grupo que ajudava pessoas a planear suicídios, mas Tom Curran, porta-voz do grupo na época, nunca confirmou o facto. No mesmo ano compraram os itens que viriam a utilizar para por fim à vida em 2016, uma decisão que, segundo retrata o The Mirror, foi planeada em detalhe por ambos — numa mesa da sala de jantar da habitação do casal, a polícia encontrou vários documentos sobre a organização, instruções de como deveriam cometer suicídio e ainda anotações manuscritas para os filhos do casal.

Durante a investigação, as autoridades foram informadas que o comandante da marinha aposentado e a mulher expunham abertamente o desejo de cometer suicídio mas que, 18 meses antes do sucedido, deixaram de mencionar o assunto.

À justiça, Susan Keeling e Judith Thompson, filhas do casal, declararam que “eles fizeram o que disseram que fariam. Foi um choque enorme. Temos algum consolo por saber que eles ainda estão juntos”.

A possibilidade de perder a independência e serem admitidos num lar de idosos foi a principal motivação para a decisão do casal. “Os nossos pais eram pessoas orgulhosas, casados ​​há mais de 60 anos, e dependiam exclusivamente um do outro.”

Ao fim de 65 anos de relacionamento, marido e mulher foram encontrados sem vida por um empregado doméstico dentro de casa. Os especialistas concluíram que Bridget morreu primeiro que o marido, tendo ambos utilizado uma bolsa de suicídio.