É possível que não se lembre ao certo da primeira vez que ouviu falar no Pai Natal, mas certamente não esqueceu o momento em que percebeu que era tudo mentira. Praticamente todas as crianças acreditaram um dia no velhinho de barbas, mas quando o mito se desfaz há um vazio que fica. Valerá a pena deixar os miúdos passar por isso?

"Não temos necessariamente de 'fazer' acreditar, mas simplesmente 'deixar' acreditar", explica à MAGG Sara Ferreira. "O mito do Pai Natal é uma metáfora importante para as crianças, pois está ligada ao mundo imaginário".

Na verdade, a personagem do Pai Natal inspira-se em São Nicolau, um arcebispo que viveu no século IV e ficou conhecido por ajudar, em anonimato, pessoas em dificuldades financeiras. Os primeiros contos a apresentar-nos a história do velhinho de barbas inspiram-se nele. “Uma visita de São Nicolau”, de Clemente Clark Moore, foi publicado em 1822 e falta numa personagem que viajava num trenó puxado a renas e entrava pelas chaminés.

Em 1931, veio então a Coca-Cola que o tornou conhecido em todo o mundo. Numa grande campanha publicitária, a história construíu-se tal como a conhecemos hoje.

E não só. A fantasia, explica a psicóloga e psicoterapeuta, é um aspeto intrínseco e necessário ao desenvolvimento da criança. Além disso, a história do Pai Natal permite-lhes "um estímulo emocional que as remete para valores como a sabedoria, o altruísmo, a bondade, a amizade, o ser-se atencioso, a idade no que isso tem de bom, os afetos".

Há famílias que preferem focar-se em valores mais religiosos, nomeadamente com a introdução do menino Jesus. "Naturalmente, a decisão de abordar a questão (e de que forma) dependerá dos pais e da forma como desejam que o Natal, em si, seja vivido em casa e na família." O que interessa é que os valores e mensagem positiva se mantenham.

Mais cedo ou mais tarde, eles vão perceber. E não vai ser tão mau como os pais pensam."

A psicóloga Sara Ferreira assegura que as pesquisas no campo do desenvolvimento psicológico sugerem que as crenças imaginárias não são nocivas, uma vez que têm um vasto número de resultados positivos no desenvolvimento infantil.

"Se isso não interferir com o contexto cultural de cada família ou com os valores educativos dos pais, não existe nenhum dano associado ao facto de se poder alimentar esta mentira (este faz-de-conta), porque podemos considerá-la bonita… Faz parte da realidade infantil, do mundo das crianças, da mesma forma que os super-heróis ou as princesas."

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Como explicar aos miúdos que o Pai Natal não existe

"Mães e pais, nem tudo depende de vós. Normalmente, as próprias crianças desfazem o mito por si mesmas, seja na escola, seja porque começam a ouvir os outros e a desconfiar, a ter sentido crítico".

Na opinião de Sara Ferreira, se as crianças começarem a questionar se o Pai Natal existe mesmo, não se deve mentir. De resto, é deixá-las desfrutar da crença na magia. "Os pais, geralmente, é que temem o desfecho do mito".

Regra geral, os miúdos deixam de acreditar no Pai Natal por volta dos 7 anos, altura em que começam a diferenciar a fantasia da realidade. Se não acontecer com esta idade, porém, os pais também não devem ficar preocupados. "Mais cedo ou mais tarde, eles vão perceber", explica. "E não vai ser tão mau como os pais pensam."

A psicóloga e psicoterapeuta Sara Ferreira

Perceber que o Pai Natal não existe é um evento crucial do crescimento de uma criança. Isto porque esta figura mítica apoia o desenvolvimento mental durante a infância e pode contribuir para um processo de amadurecimento.

"Quando os pais percebem que os pequenos suspeitam que o Pai Natal não existe, podem contar-lhes a verdade, a assim estes não vão sentir-se enganados."

E como é que isto se faz? Como é que se explica aos miúdos que afinal o Pai Natal não existe? "No momento em que a criança descobre que aquele velhinho das barbas brancas não passa de uma fantasia, é a altura indicada para os pais contarem a história do Natal e de como surgiu aquela figura mítica."

À medida que crescem, os miúdos percebem que a história do Pai Natal envolve tarefas fisicamente impossíveis. Como é que um trenó pode voar? Como é que o velhote consegue distribuir presentes a todas as crianças do mundo? Como é que ele entra em casas que não têm chaminé? Como é que ele sabe quem é que se portou bem ou mal?

"É nesta altura do desenvolvimento que os mais novos começam a inundar os pais com perguntas. E estas perguntas devem ser vistas como aquilo que na verdade são: o desenvolvimento cognitivo em ação. Então, os pais que pretendam acabar com esta fantasia podem apresentar provas e explicações diretas aos filhos para que eles passem para a fase de perceção e desconstrução do mito."

Se acharem que ainda não chegou a altura de o fazer, não precisam de mentir. "Pode, por exemplo, redirecionar as perguntas para a criança e permitir que ela própria apresente explicações."

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Perceber que o Pai Natal não existe pode ser uma experiência traumática?

"Tanto não diria. Poderá, sim, existir desilusão. Afinal, uma (des)ilusão é uma ilusão que se (des)fez."

Mas isso não é o fim do mundo. Bem pelo contrário, é natural e vai ajudar a criança a aprender a lidar com sentimentos de tristeza, frustração e desilusão.

"Os estudos revelam-nos que a 'descoberta da verdade' por parte das crianças de que o Pai Natal não existe não afeta a confiança dos mais pequenos nos seus pais, desde que esta personagem natalícia não lhes seja apresentada como algo 'garantidamente' palpável e material, mas sim como uma 'fantástica metáfora'."

Mais importante do que o Pai Natal é, é aquilo que ele representa. "Portanto, eu diria que as consequências para as crianças em acreditarem no Pai Natal são predominantemente positivas."

Em relação aos pais que se martirizam com esta fase de transição, Sara Ferreira deixa uma última mensagem: "Fiquem tranquilos, não há razões para se preocuparem tanto com o impacto desta descoberta."

Até porque, explica, "se formos comparar com toda a informação confiável que os pais geralmente partilham com os filhos ao longo da vida, é altamente improvável que esta 'mentirinha' (bem intencionada) provoque danos irreparáveis."