Apesar de ser um hobbie que nasceu em 2014 e que concilia com o trabalho diário enquanto designer gráfico, André Ramalho, 28 anos, já apanhou vários sustos na procura por casas senhoriais, conventos, colónias de férias, hospitais ou até hotéis abandonados. Mas só há cerca de um ano e meio é que o jovem natural de Leiria decidiu dar a conhecer o seu trabalho através do blogue "Abandonados" que esta terça-feira, 13 de novembro, ganhou o prémio de Blog do Ano de 2018, numa competição composta por cerca de 60 participantes.

André Ramalho sempre gostou de visitar e tentar descobrir sítios  devolutos, e até aderiu a vários grupos de Facebook onde eram partilhadas várias imagens. Porém, explica, nesses grupos a localização dos abandonados nem sempre estavam acessíveis a todos. "A informação não chegava a tanta gente", conta à MAGG. Terá sido aí que surgiu a ideia de criar o seu blogue onde pretenderia distinguir-se de todos os outros.

Em "Abandonados", o designer faz questão de que as suas fotografias sejam acompanhadas por um texto que retrate não só a sua experiência, mas também a história do edifício ou das pessoas que ali viveram. Mas nem sempre é fácil, mesmo quando os locais permanecem intactos.

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"Os melhores abandonados são aqueles que não estão mexidos, como as casas senhoriais, onde conseguimos entrar com alguma facilidade, e as salas estão todas elas compostas por móveis, fotografias ou cartas. Mas se as casas forem privadas ou de pessoas que não sejam substancialmente conhecidas é difícil contar as suas histórias", conta.

Nesses casos, e quando é possível, a ideia passa por ler documentos ou cartas privadas da família que habitou essas propriedades e tentar reconstruir um bocadinho do seu passado. E o fotógrafo percorre quase todo o País à procura de locais devolutos para fotografar.

Nestes locais, que muitas vezes podem não estar em bom estado, nunca sabemos o que vamos encontrar e já tive vários encontros com sem-abrigo ou pessoas que, à partida, não era suposto lá estarem

"Sou capaz de ir ao Gerês, ao Porto ou até ao Algarve para fazer um passeio e aproveitar para descobrir os abandonados de lá." Mas mais do que gostar de fotografar e de explorar, é preciso estar preparado para encontrar de tudo e ter um espírito aventureiro se a ideia for partir à descoberta de locais abandonados.

"Nestes locais, que muitas vezes podem não estar em bom estado, nunca sabemos o que vamos encontrar. Já tive vários encontros com sem-abrigo ou pessoas que, à partida, não era suposto lá estarem". Ainda assim, acrescenta, o maior perigo são as estruturas dos edifícios, que muitas vezes se tornam demasiado instáveis de tão degradadas que estão.

Prova disso foi o que aconteceu num dos últimos locais que o caçador de abandonados visitou, a 18 de outubro. "Foi no Palácio Ribeira Grande, em Lisboa, que na altura estava abandonado mas que, curiosamente, agora está em fase de recuperação. O local estava emparedado, o que não impedia que as pessoas saltassem para transpor o muro que o rodeava."

André Ramalho saltou e depressa começa a recolher fotografias sobre o local, como tinha feito tantas vezes antes. Foi no momento da saída que, ao escorregar, bateu no gradeamento e rasgou a mão direita quase toda. Foi a experiência mais perigosa que alguma vez teve, garante.

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"Rasguei a mão toda e fui obrigado a pedir ajuda às pessoas que passavam por ali, porque tinha ido sozinho para o palácio. Levei 30 pontos na mão e estou agora de baixa médica devido às sessões de fisioterapia que tenho de fazer, visto que os tendões dos dedos ficaram lesionados", revela à MAGG.

Enquanto fotografávamos, apareceu uma senhora acompanhada de dois cães enormes que exigia saber o motivo da nossa presença.

Ainda assim, diz que este caso foi a exceção à regra. É que, normalmente, "quem faz estas explorações nunca vai sozinho" por uma questão de segurança. O fotógrafo tem a namorada como companhia, que também partilha o gosto pela exploração. Mas nem isso os safou de vários sustos ao longo dos anos. Como quando, há dois anos, decidiram visitar um hospital que aparentava estar completamente vazio.

Quando abriram a porta, a escuridão cegava os olhos e não fazia prever que mais alguém estivesse ali dentro. Até que, de repente, um sem-abrigo se mostrou por entre o negrume dos corredores. "Foi um susto enorme".

Mas não foi a única vez em que o coração quase lhes saltou pela boca. "Houve outro momento em que estávamos a tirar fotografias ao exterior de uma casa abandonada onde nem sequer tentámos entrar porque aparentava estar bem fechada. Enquanto fotografávamos, apareceu uma senhora acompanhada de dois cães enormes que exigia saber o motivo da nossa presença. A minha namorada ficou muito assustada devido à presença dos cães e à agressividade da mulher que, entre outras coisas, disse que não podíamos tirar fotografias à casa — o que é ridículo, visto que estávamos em via pública", continuou.

Mesmo que a pessoa não queira saber da propriedade, ela pertence a alguém e nós temos de respeitar isso.

Mas esse é um dos fatores a ter em conta quando a ideia é visitar locais devolutos já que, segundo a sua experiência, apesar de um determinado local poder estar abandonado, a verdade é que pertence a alguém. "Já aconteceu estar numa casa abandonada e, de repente, aparecer a pessoa responsável e perguntar o que é que eu estou ali a fazer. Mesmo que a pessoa não queira saber da propriedade, ela pertence a alguém e nós temos de respeitar isso."

Mas há sinais que denunciam um local em abandono, como uma vegetação descuidada à volta, a existência de janelas partidas ou buracos nos telhados. Piscinas vazias também são um bom indicador, mas o blogger recomenda sempre que a exploração seja feita com muito cuidado porque muitas vezes "não é certo que um local esteja abandonado e, apesar de degradado, pode estar a ser usado para um outro fim."

De todos os locais que André Ramalho já visitou, há um que guarda com especial carinho na memória e que apelidou apenas como Casa Azul. Sem mais detalhes, quer do espaço que a rodeia ou do sítio exato onde está está localizada, recorda apenas que fica no meio do mato e está tapada por folhas e ramos de árvores onde "ninguém a vê".

Eu só tenho receio que os proprietários achem que a casa está bem fechada. Se algum dia lá chegarem e virem o estado da propriedade, não vai ser fácil.

"Chamei-a Casa Azul porque o interior era único, todo ele azul. A julgar pelo exterior, ninguém diria que assim fosse; e estava muito completa. Tinha um altar e um piano, tudo coisas em bom estado. Nunca tinha visto uma coisa assim", e não tem dúvidas que isso talvez se deva ao facto de ser uma casa muito escondida e onde teve muita dificuldade em entrar — mesmo com o auxílio do Google Maps, ferramenta que considera indispensável.

Já o local que mais o desiludiu, conta à MAGG, foi um que ainda não publicou no seu blogue e que ainda hoje não sabe se alguma vez o fará. Trata-se de uma casa de fácil acesso, numa rua principal no centro de uma cidade, e cujo portão é "tão velho e tão gasto" que já cedeu. Apesar de ter visitado esta casa pela primeira vez há cerca de dois anos, só muito recentemente é que regressou porque "na altura não tirava fotografias tão boas como agora". Ao regressar, a desilusão bateu-lhe de frente.

"Quando lá regressei, estava tudo vandalizado e muitas coisas coisas que eu tinha visto na minha primeira visita, tinham sido roubadas. Aquela casa tinha-se tornado quase num ponto de encontro entre adolescentes que fumavam lá e pintavam as paredes com spray."

"Eu só tenho receio que os proprietários achem que a casa está bem fechada. Se algum dia lá chegarem e virem o estado da propriedade, não vai ser fácil. É uma pena", lamenta.