Quando foi mãe pela segunda vez, Ana Lopes, 42 anos, não estava preparada para o feitio da filha mais nova que, ao contrário da irmã, se revelou uma bebé muito irrequieta desde os primeiros meses de vida. “A Diana, hoje com dois anos e meio, é e sempre foi uma peste”, conta a contabilista à MAGG, recordando o momento em que teve de correr para o hospital com a filha, na altura com quatro meses, porque a bebé tinha caído de cabeça no chão — “Caiu do muda fraldas porque, já nessa idade, não ficava sossegada um segundo que fosse”.

Ana Lopes explica que Lara, a filha mais velha de cinco anos, “nunca foi assim, sempre fez tudo aquilo que lhe dizíamos e era muito mais sossegada”. Em relação a Diana, a mais nova, a contabilista confessa que a fase atual tem sido terrível: “Com a chegada aos dois anos, está sempre a chorar. Faz birras enormes aos gritos e é daquelas que se atira para o chão no meio da rua. Ainda há poucos dias andava a cuspir para as paredes. Ralhámos, claro, e a Diana ficou deitada no chão durante quase uma hora e continuava a cuspir”.

A mãe de Lara e Diana assume que está “muito cansada", dado que também tem a filha de cinco anos que lhe dá muito trabalho e que esta fase tem sido “muito difícil” — mas não está sozinha. As birras constantes e a fase complicada das crianças assim que chegam aos dois anos é uma realidade tão grande que ganhou a sua própria designação, sendo comum ouvirmos pais e especialistas referirem-se a este momento como os “terrible twos” ou os “terríveis dois”.

Tal como explica à MAGG Vera Lisa Barroso, psicóloga clínica, esta fase está comprovada: “É essencialmente uma fase de desenvolvimento da criança, entre os 18 meses e os três anos, sensivelmente, e é marcada pela conquista da marcha, aumento da destreza física e força, desenvolvimento da linguagem, bem como desenvolvimento cerebral”.

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A especialista realça que se trata de uma fase muito complexa para as crianças, que em tão tenra idade começam a passar por várias alterações. “São muitas mudanças e capacidades para serem geridas, pois estão a absorver um mundo que se torna um lugar muito diferente para viver”, salienta Vera Lisa Barroso. Os mais pequenos, com a conquista da marcha, percebem que já “podem seguir os pais e cuidadores, podem ver o que estão a fazer, podem perguntar sobre o que estão a fazer, percebem que têm vontade própria”.

Anatomia de uma birra — o que as causa e como se manifestam

Esta é uma fase marcada pela curiosidade, suportada pelas aquisições físicas próprias da idade, mas ainda com pouca maturidade — e é também esta uma das razões que conduzem às famosas birras. Alexandra Louro, 33 anos, é mãe de uma menina com dois anos e conta à MAGG que qualquer questão é motivo para gerar uma birra na filha. “São motivadas por tudo e mais alguma coisa: o ir para a cama, as refeições, a muda da fralda, o vestir de manhã. Tento contornar com algumas brincadeiras para ela não sentir que é uma obrigação, mas sim uma coisa que temos que fazer com boa disposição”, relata a consultora imobiliária.

O ‘não’ torna-se a primeira resposta para quase todas as solicitações, e o choramingar, gritar, atirar com brinquedos ou objetos, morder, bater são manifestações que podem surgir quando as crianças estão irritadas ou são contrariadas."

Segundo a psicóloga Vera Lisa Barroso, uma forma de melhor compreendermos as birras das crianças passa pela compreensão do desenvolvimento do nosso cérebro. “Temos três: um cérebro mais primitivo, o reptiliano, que luta pela nossa sobrevivência e é responsável pelas funções da respiração, sono, temperatura, fome; um desenvolvido pelos primeiros mamíferos, o emocional, que procura evitar sensações desagradáveis como perigos, ameaças e situações que podem provocar medo, ao mesmo tempo que procura sentir emoções agradáveis; e o cérebro racional, aquele que nos distingue de outros animais e que nos permite ter consciência de nós próprios, colocar-nos no lugar do outro, refletir e tomar decisões de um ponto de vista mais lógico”.

De acordo com a especialista, aos dois anos de idade, apenas mandam os cérebros reptiliano e emocional, sendo que o racional só ganha maior destaque dos três anos em diante, “daí falarmos desta fase como tendencialmente impulsiva, impaciente, pouco flexível e com enormes explosões emocionais” — e sempre que os mais pequenos não conseguem fazer algo que desejam, tal causa nas crianças uma frustração intensa.

Do mesmo modo, Vera Lisa Barroso destaca que os miúdos são “guiados pela curiosidade e desejo de explorar (sem terem necessariamente em conta os perigos, regras e limites), sentem medo e exprimem resistência. Mas apesar de desejarem ser autónomos e fazer tudo sozinhos, também têm momentos de grande dependência e irritação se as coisas não acontecem como pedem ou desejam”.

As birras fazem parte de um comportamento desafiante e opositor, explica a especialista, que acrescenta que estas manifestam-se sobretudo na relação com os pais ou figuras mais próximas — e na fase dos “terríveis dois” são muito frequentes, mais intensas e com manifestações físicas e sonoras. “O ‘não’ torna-se a primeira resposta para quase todas as solicitações, e o choramingar, gritar, atirar com brinquedos ou objetos, morder, bater são manifestações que podem surgir quando as crianças estão irritadas ou são contrariadas”, afirma Vera Lisa Barroso.

“No colégio é um anjo, guarda a rebeldia toda para casa”

Lara Brás tem 32 anos e é mãe de duas crianças: Carminho, de quatro anos, e Manel, de dois. Depois do nascimento do segundo filho, Lara deixou a publicidade, a sua área de formação, e criou uma marca de roupa infantil. Mas se Carminho tinha sido uma bebé complicada, com a chegada de Manel, a empresária percebeu que a filha não lhe tinha dado dias assim tão complicados.

No colégio é um anjo e guarda toda a rebeldia para as horas de casa. Aprende tudo o que é disparate com a irmã e são frequentes frases como ‘não quero a sopa’, ‘não quero verdes’, ‘pára mãe, pára pai’, ‘banho, não’”.

“Eu achava que a minha filha era bastante teimosa mas, assim que o Manel começou a revelar a sua personalidade, percebi que a Carminho não tinha sido assim tão má”, relata Lara Brás à MAGG. Apesar de acreditar que a fase difícil que o filho está neste momento a passar possa ter alguma relação com o excesso de mimo das férias com os avós, a mãe das duas crianças afirma que, desde o fim do verão, o filho mais novo tem estado “simplesmente impossível”.

Com birras a toda a hora, Lara Brás explica que Manel é muito teimoso e nunca cede a qualquer pedido dos pais: “Ultimamente, até para o chão se manda e tem a particularidade de, como se não chegasse desobedecer, ainda se rir e gozar claramente com a nossa cara. No colégio é um anjo e guarda toda a rebeldia para as horas de casa. Aprende tudo o que é disparate com a irmã e são frequentes frases como ‘não quero a sopa’, ‘não quero verdes’, ‘para mãe, para pai’, ‘banho, não’”.

Apesar de no caso de Lara Brás o filho ter sido bastante mais afetado pelos “terríveis dois” do que a filha, a verdade é que não se pode afirmar que o sexo masculino seja mais birrento que o feminino ou vice-versa. “As eventuais diferenças poderão ocorrer mais pelas diferenças de tamanho, força, intensidade e flutuações emocionais, bem como outras características da criança, contexto envolvente, fase de vida dos pais e familiar, do que pelas diferenças de género, uma vez que ambos, meninos e meninas passam por esta fase”, explica Vera Lisa Barroso.

A especialista também não é da opinião que o nascimento de um novo irmão ou a divisão normal da atenção dos pais entre duas crianças sejam um fator exclusivo das birras desta fase. “Os chamados terríveis dois anos são um período que diz respeito ao processo de crescimento individual de cada criança, caracterizado pela independência e diferenciação face aos pais, onde o nascimento de um irmão é apenas um fator que pode motivar algumas das birras que surgem, mas não assume domínio exclusivo”, salienta a psicóloga clínica. Mas Ana Lopes, mãe de Lara e Diana, tem uma opinião contrária em relação aos episódios da filha mais nova: “Acho mesmo que o que motiva as birras são os ciúmes que tem da irmã e a atenção que quer só para ela”.

Os “terríveis dois” são (mesmo) uma fase

Todos os pais tentam que as birras características deste período tenham a menor duração possível e tudo fazem para lidar com as mesmas: Ana Lopes decide desvalorizar e não prestar muita atenção para que a filha pare, Lara Brás tenta aplicar alguns castigos e Alexandra Louro usa o bom humor para lidar com as birras da menina. Mas a verdade é que não existe uma forma de contornar este período.

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“É uma fase de desenvolvimento natural, saudável, de grande desenvolvimento para a criança e desafio para a família, mas irá passar— e é importante lembrar que passa. É preciso aprender a lidar com esta fase da forma mais adequada, com uma dose extra de tolerância”, salienta Vera Lisa Barroso, que não deixa de aconselhar aos pais algumas estratégias que podem ajudar a minimizar as birras.

De acordo com a psicóloga clínica, “se aquilo que motiva a birra é fome, sono ou dor, as estratégias mais eficazes vão satisfazer a sua necessidade e acalmar o incómodo que sentem; se as questões de desafio se prendem com experiências emocionais como excitação, zanga, obter algo específico, deve ajudar-se a criança a conseguir o que quer, se tal for possível, ou ajudá-la a aceitar o que não consegue ou não lhe é permitido, oferecendo compreensão, compaixão e presença;  se aquilo que está na base de determinados comportamentos é medo, então devemos oferecer segurança e afeto. O processo seguinte faz parte da criança e devemos aguardar que leve todo o tempo que precisar”.

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