Das duas uma. "Ou eu conheço muito bem o meu corpo ou, vai-se a ver, e sou infértil". Rita brinca com a situação, mas a verdade é que há dez anos que deixou de tomar a pílula, não usa preservativo e descartou qualquer outro tipo de método contracetivo e, até agora, zero gravidezes.

Quando começou a sua vida sexual, ainda em adolescente, usava preservativo. Anos mais tarde desenvolveu uma alergia ao latex que a fez excluir essa hipótese. O passo seguinte foi a pílula, com a qual também nunca se deu bem. "Tinha hemorragias quase diárias e nunca senti que aquilo fosse para mim", conta à MAGG. A facilidade em ganhar infeções também a fez desistir do uso de dispositivos intrauterinos. "Não usar nada era a minha única solução".

Com 32 anos, apoia-se no ciclo menstrual que sempre foi regular e na destreza — como lhe chama — do namorado. "Não deixamos de ter sexo porque estou a ovular, temos é um cuidado redobrado", explica.

Essa "destreza" também é obrigatória para o namorado de Gabriela Medeiros que, aos 25 anos, não usa qualquer tipo de método contracetivo, depois de perceber que deixar de tomar a pílula lhe trouxe um bem estar geral. "Perdi peso e a minha pele melhorou muito", garante. Além disso, como nunca gostou de tomar remédios, não era fã da ideia de todos os dias tomar uma dose de hormonas via comprimido oral.

Pílula, amiga ou inimiga?

Rita e Gabriela são dois exemplos de mulheres para quem a toma da pílula não trouxe vantagens. Mas a ginecologista Paula Ambrósio garante que elas existem. "Além de saber sempre quando é que vai menstruar, a toma da pílula alivia as dores menstruais, protege do cancro dos ovários e melhora até a saúde da pele e do cabelo".

É por isso, e pela eficácia de quase 100% na contraceção, que esta é normalmente a primeira opção prescrita a quem procura aconselhamento médico para evitar uma gravidez.

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Paula Ambrósio admite que há cada vez mais pessoas a procurar métodos mais naturais, mas admite também que existe uma grande desinformação sobre tudo o que seja contraceção. "Há quem diga que não quer tomar a pílula pela dose hormonal que acarreta mas, ao contrário do que se julga, a mulher não vem acrescentar hormonas às que já tem naturalmente. O que acontece é uma inibição da ovulação e uma estabilização dos ovários, que ficam adormecidos", explica. Por outro lado, essa falta de oscilação hormonal pode ter como consequências a falta de secreção vaginal e a diminuição da líbido. "É por isso que cada caso deve ser visto individualmente, para que cada mulher escolha o método que melhor se adequa a si, tendo sempre em conta os efeitos secundários, positivos e negativos, e a eficácia de cada um", salienta a ginecologista.

O problema da contraceção natural, ou seja, aquela que é feita sem recurso a toma de pílula ou uso de outro método contracetivo, é "a sua má reputação", admite Bárbara Yü Belo, instrutora de fertilidade natural e uma das autoras do ebook "Como prevenir uma gravidez naturalmente".

Apaixonou-se por esta área quando, ainda a exercer arquitetura, tirou uma formação de doula. "Já não houve volta a dar", admite. Ainda tentou conciliar a profissão com este trabalho paralelo, ao qual juntou também o curso de fertilidade natural, mas em 2015 decidiu dedicar-se apenas a ajudar quem quer engravidar ou, por outro lado, quem quer evitar uma gravidez da forma mais natural possível.

Apesar de ter tido já o feedback positivo de alguns ginecologistas ao seu trabalho, reconhece que ainda é visto como algo pouco fidedigno. "Estes métodos mais naturais são metidos todos no mesmo saco e, por causa disso, acabam por perder credibilidade", admite, e dá um exemplo: "O método do calendário, por exemplo, é absurdo. Não somos máquinas e, como tal, não podemos esperar que o nosso corpo funcione todos os meses da mesma forma".

Métodos de prevenção da gravidez

O método do calendário a que Bárbara se refere não é mais do que fazer uma contagem a partir do primeiro dia de período de modo a saber qual é o período mais fértil e, por isso, aquele que requer cuidados redobrados.

"Mas há fatores como o stresse, a temperatura ou a alimentação, que podem influenciar toda essa contagem", garante. Como tal, Bárbara defende, acima de tudo, que a mulher deva conhecer o seu corpo como ninguém, algo que infelizmente não vê acontecer.

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"A maioria das mulheres não sabe reconhecer os sinais que o corpo dá, porque nunca foram ensinadas a fazer isso. Se vão a uma consulta de ginecologia, a pílula é quase sempre a solução, dando quase uma sensação de desresponsabilização pelo que se passa consigo", lamenta.

É por isso que, mesmo dando algumas dicas de como gerir a fertilidade, aconselha sempre um acompanhamento inicial. "É como pegar num carro antes das aulas de condução. Saber só a teoria não chega".

Mesmo assim, apresenta o método sintotérmico como o mais completo, até porque implica a medição e cruzamento de vários dados. "Um, por si, não tem validade", garante.

Assim, o primeiro passo é medir a temperatura basal — medida imediatamente após a pessoa acordar —com um termómetro com duas casas decimais, todos os dias e registar. "No período de ovulação, pode haver uma variação de 0,2 graus. É subtil, daí a importância de ter uma espécie de gráfico com esses números".

Além disso, é preciso observar as alterações do muco cervical, que aponta o período fértil da mulher quando é produzido em maior quantidade e numa consistência mais aquosa e elástica.

Por último, há que ter em atenção a posição do colo do útero que é medido introduzindo um dedo na vagina até uma determinada profundidade, sempre à mesma hora. "O facto de estar mais subido, mais aberto e mais mole indica que a mulher está no período fértil", explica Bárbara.

Mais uma vez, nenhum destes dados vive por si e é preciso que haja um cruzamento entre eles para que o método seja eficaz. É aqui que a opinião da ginecologista e da especialista em fertilidade natural se conjugam. Tanto Paula Ambrósio como Bárbara Yü Belo defendem que quantos mais dados são cruzados e quanto melhor a mulher conhecer o seu corpo, mais este método natural tem eficácia. "Funciona melhor para pessoas motivadas e regradas", lembra a ginecologista, que admite que raramente é contactada por mulheres que invistam neste tipo de contraceção natural, a não ser que o façam por motivos religiosos.

As opiniões voltam a divergir quando Bárbara assegura que este é um método com 99% de eficácia, percentagem que a ginecologista considera ambiciosa. "Não é o método que falha, mas sim a pessoa quando, por exemplo, decide ter relações sexuais mesmo sabendo que está no período fértil.", garante a especialista em fertilidade natural.

Além disso, há fatores externos que podem influenciar todos estes sinais corporais. Comer muito à noite ou ir dormir mais tarde é suficiente para aumentar a temperatura basal e, por exemplo, a toma de remédios para a tosse é suficiente para que o muco fique mais fluido, inclusive o vaginal.

E as aplicações?

Já aqui escrevemos sobre aplicações que ajudam a mulher a monitorizar o seu ciclo menstrual, mas também nenhuma das duas profissionais com quem a MAGG falou é fã deste método enquanto contraceção em si. "Basta enganar-me a introduzir um dado para que todo o calendário fique alterado e eu seja induzida em erro", esclarece Bárbara. A profissional pede "um olhar crítico" sobre o tema, porque "o corpo não é matemática".

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Mesmo assim, Gabriela Medeiros, que decidiu abandonar a pílula, apoia-se há três anos numa aplicação de telemóvel, a Period Tracker, na qual é possível inserir dados como o primeiro dia da menstruação, a quantidade de fluxo, as datas das relações sexuais e até o número de orgasmos.

Também Ana Coimbra instalou uma aplicação quando decidiu abandonar a pílula, método com o qual nunca se deu bem. "Testei várias pílulas, o adesivo, o anel vaginal e notei sempre mudanças de humor brutais e perda de peso com todas essas opções", conta à MAGG. Na Love Cycle, nome da aplicação, ia anotando os pormenores do seu ciclo, confiante de que seria suficiente. Conclusão: engravidou duas vezes e das duas vezes estava fora dos alegados períodos férteis que a aplicação anunciava.

Até agora, apenas uma aplicação — que não as usadas por Gabriela e Ana — é considerada método contracetivo. Chama-se Natural Cycles e foi lançada em 2014, tendo dado o salto em 2017, quando foi aprovada pela União Europeia e registada em Portugal pelo Infarmed como dispositivo médico. Agora, foi considerada um método contracetivo pela agência norte-americana FDA (Food and Drug Administration).

Nesta app, não só são calculados os dias no calendário a partir do primeiro dia de menstruação, como é pedido que seja medida a temperatura basal. Mesmo assim, a FDS deixa o aviso: "Nenhum contracetivo funciona na perfeição, e mesmo uma utilização correta da aplicação pode acabar numa gravidez".