São quase mil hectares de verde, não há mesmo como escapar à força do Parque de Monsanto. Poeticamente pode ser considerado o pulmão de Lisboa e, na prática, serve de refúgio a quem quer correr e pedalar sem ter que parar em passadeiras, quem quer estender a toalha sem ter que se preocupar com o espaço limitado da relva ou simplesmente para quem quer ver a cidade de outra perspetiva, nomeadamente, com árvores a servir de moldura.

Monsanto tinha tudo - até um recentemente recuperado miradouro panorâmico -, só lhe faltava uma coisa. "Se virmos bem, não há muitos espaços para comer", lembra Duarte Gonçalves que, estrategicamente escolheu o maior parque da cidade para finalmente criar um espaço só seu.

Dizemos finalmente porque o percurso do único chef crudívoro português vem dos tempos em que, ainda na Madeira, de onde é natural, servia às mesas e geria as salas de jantar de restaurantes. "Nessa altura, por ver a dinâmica que um espaço do género exige, a ideia de abrir um restaurante estava no final da minha lista de prioridades", admite. Foi por isso que, durante anos, se dedicou ao lado de lá da cozinha, para mais tarde desenvolver o gosto por criar algo de novo com o que vinha da terra, quando trabalhou como voluntário em quintas biológicas de França, Suíça e Inglaterra.

Duarte Gonçalves e Anabela Meneses Mesquita dão a cara por este projeto que vai dar outra vida a Monsanto

Na hora de voltar, encontrou em Coimbra, na comunidade Projeto Vida Desperta, na Serra do Açor, o seu refúgio. "Era para ter ficado dois meses e acabei por estar lá mais de quatro anos", conta. Pelo caminho já tinha deixado de comer proteína animal, num processo que levou o seu tempo. "Deixei primeiro as carnes vermelhas, depois a carne na totalidade, depois o peixe, mas ainda fiquei algum tempo a dar abertura ao marisco", admite. Na comunidade, como lembra, conheceu veganos de oitenta anos que já o eram desde os vinte, ou pessoas crudívoras há décadas e começou a explorar todas essas possibilidades, numa primeira fase só a pensar em si e na sua alimentação, para depois perceber que tinha muito para dar aos outros. "A comunidade vivia muito dos retiros, durante os quais alguém tinha que cozinhar. E olha, fui eu", conta.

Foi a partir dessa experiência que lançou o Projeto Alimento Desperto, que tem como objetivo mostrar que a forma como comemos está diretamente relacionada com a saúde e a relação com a natureza. Fê-lo e faz isso através de workshops, cursos online, palestras e serviços de restauração como ir cozinhar a casa de quem assim o peça ou ajudar na criação de ementas para novos espaços.

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A Duarte só faltava mesmo sair da bolha de boa comida onde vivia para se dar a conhecer ao mundo, oportunidade essa que se concretizou assim que mostrou à amiga Anabela Meneses Mesquita o espaço que encontrou em Monsanto. Alguns meses de trabalho e muita burocracia pelo meio, abrem portas a Monsanto o Greens Project, o primeiro restaurante vegano e crudívoro do país.

Um restaurante que é muito mais que isso

O restaurante, que abre esta quarta-feira, 15 de agosto, vai servir comida, como era de se esperar, mas vai também servir Lisboa de algo mais. "O bem estar vem da comida, é um facto, mas não só. Não vale a pena começar a comer bem só porque sim ou porque o amigo também o faz, tem que partir de uma vontade interior de ser melhor", explica Duarte que, desde que passou a ser vegano e a comer comida crua, viu a sua saúde melhorar exponencialmente. "Sinto-me mais leve, com mais energia, mais foco e eu, que todos os anos tinha pelo menos duas amigdalites fortes, nunca mais tive uma dor de garganta sequer".

A evolução até ao crudivorismo foi progressiva e, mesmo agora, admite comer alguma comida ligeiramente cozinhada, até porque basta que 75% da alimentação seja crua para que alguém seja considerado crudívoro. Além disso, admite-se como comida crua aquela que possa ser cozinhada nunca acima dos 45º.

A cafetaria do Centro Interpretativo de Monsanto foi explorada durante 25 anos, mas há três que não era utilizada

"Esta é aquela que considero ser a comida do futuro", garante Duarte, "e é por isso que me esforço para incentivar a mudanças de hábitos agora, mas que tenham consequências a longo prazo".

Esses hábitos passam também por práticas de contacto com a natureza e de uma maior consciência individual. Vai daí que o espaço em volta do restaurante possa ser usado para aulas de ioga, meditação ou chi kung, uma prática ancestral com base na energia do corpo.

Anabela, que passou da advocacia, os seguros e os recursos humanos para as práticas alternativas de massagem ayurveda e osteopatia, entusiasma-se quando fala de tudo o que se passa fora da cozinha, ainda que a ela esteja tudo associado. Leva-nos pela mão até ao espaço onde vai funcionar a esplanada, um futuro terraço onde pensa fazer sunsets, aponta para a casa abandonada que servirá de apoio a corredores e ciclistas e abre até as portas a um auditório com capacidade para 144 pessoas onde imagina noites de cinema, teatro ou até de debates.

Todo o espaço em redor pode ser aproveitado para o brunch que, por ser servido numa cesta de piquenique com direito a toalha e tudo, pode ser apreciado ao ar livre. Dele vai fazer parte um sumo de fruta, um batido, iogurte com fruta, húmus de curgete, crakers, manteiga de abacate, palitos de cenoura e uma sobremesa.

Um menu em movimento

Anabela e Duarte tinham acabado de imprimir o menu da primeira semana de funcionamento do restaurante, que vai ocupar a antiga cafetaria do Centro Interpretativo de Monsanto.

Há tudo aquilo que se espera de uma cafetaria como cafés, meias de leite, águas e sumos, mas as nuances começam a perceber-se nas opções de kombucha, água de coco, infusões especiais e matcha latte.

Estas são duas das sobremesas disponíveis: salame de chocolate e mousse de manga

A verdadeira surpresa está no menu das comidas que vai mudar, pelo menos, uma vez por mês e que, atualmente conta com quatro opções de entrada, quatro pratos principais e três sobremesas.

Para abrir as hostes estão as crakers de tomate com manteiga de abacate e basílico (4€), húmus de curgete com cogumelos, sementes e azeitona (4,5€), rolinhos de legumes e fruta com molho de tahini e tamari (4€) e croquetes de amêndoa com salsa de manga (6€). Nos pratos principais, as opções são: salada com germinados e sementes (9€), zoodles (noodles de curgete) (9€), couve flor, cogumelos, tomate e húmus (9,5€) e um kebab com batata doce desidratada, salada e salsa de manga (9,50€).

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Para sobremesas, continuamos nos crus, mas com ingredientes muito bem congeminados. Há salame de cacau, feito com pasta de tâmaras, alfarroba, coco e trigo sarraceno (3,50€), cheesecake (4,50€) e mousse de manga,limão e coco (4€).

A surpresa de comer tudo em estado cru ninguém nos tira, mas mais curioso ainda é reparar nos nomes que Duarte escolheu para cada prato.

Morada: Centro Interpretativo de Monsanto, Estrada do Barcal, Lisboa

Horário: terça a sábado 10h-18h, domingos e feriados 12h-18h

Em vez de um longo "couve flor, cogumelos, tomate e húmus", pode simplesmente dizer "Eu sou incrível". Ou pode trocar o húmus de curgete de entrada por um "Eu sou grato", as crackers por um "Eu sou alegre" e o salame por um "Eu sou Mágico".

"O que dizemos tem impacto e há coisas que devíamos dizer e valorizar mais vezes", afirma Duarte, dando o mote a que quem vá ao Greens Project alimente não só o estômago, mas também o ego.

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