Marisa Borges estava casada há três anos quando o marido foi obrigado a ir trabalhar para Angola. Com uma filha de pouco mais de um ano, na época a contabilista de 36 anos ficou em Portugal, juntamente com a sua bebé.

“O meu marido vinha a casa três vezes por ano e ficava durante cerca de duas semanas. Numa dessas visitas engravidei e, neste momento, temos um menino com 13 meses”, conta à MAGG Marisa Borges, que vive um casamento à distância há quatro anos.

Devido à ausência do pai das crianças, Marisa Borges abandonou o emprego no departamento financeiro de uma grande empresa e optou por iniciar um projeto de venda de roupa online — “sentia que tinha de estar mais disponível para os meus filhos, já bastava o pai não estar”.

Apesar de todas as complicações inerentes a um casamento separado pela distância, Marisa Borges admite que o que a preocupa mais é a ausência do marido como figura paternal e as consequências para os filhos. “A situação é mais complicada por aquilo que os miúdos podem estar a perder do que propriamente pela nossa relação em si”, salienta Marisa, que confessa que surgem situações caricatas devido à ausência do companheiro.

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“Já aconteceu ele não conseguir abrir ou fechar o carrinho de passeio que eu estou farta de utilizar, mas que é a primeira vez que ele o vê, por exemplo. Mas também há momentos que me dão um aperto no coração. Uma vez, o meu marido foi ao colégio buscar o nosso filho, na altura com sete meses, e ele desatou a chorar porque simplesmente não o conhecia.”

Os desafios da distância e como a sexualidade é um dos campos mais afetados

Num caso como o de Marisa Borges e do companheiro, em que os motivos profissionais são a razão da separação física de um casal, a psicóloga Filipa Jardim da Silva explica à MAGG que “é fundamental que este tipo de decisões sejam tomadas em conjunto e que seja construído um plano”.

Não é fácil manter um relacionamento quando um casal nem sequer se consegue tocar. No entanto, há formas de contornar a distância. Marisa Borges, cujo marido trabalha fora do País há quatro anos, assume que às vezes até existem esquecimentos caricatos.

“Numa das semanas em que o meu marido estava em casa, fui-me deitar e ele estava do meu lado da cama. Disse-lhe que estava do lado errado e ele já nem se lembrava. Sim, por vezes parecemos uns estranhos, mas acredito que é também isso que, na dose certa, torna a relação possível e mantém a chama acesa”, recorda a mãe de dois filhos.

Como explica à MAGG a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, uma relação à distância requer trabalho e dedicação. “O casal pode assegurar um espaço e tempo de comunicação diário que contribua para não caírem na rotina. Assim, para além dos momentos de comunicação áudio/vídeo, pode existir a partilha de fotografias ou pequenos vídeos com pormenores do dia a dia, que mantenham a cumplicidade viva e a sensação de proximidade”, sugere a especialista.

A par da definição das datas de partida e regresso, poderão também introduzir-se escapadelas num ponto de encontro a meio caminho, que possibilitem um tempo a dois de qualidade.

“As surpresas são, naturalmente, outra forma de manter a relação bem viva, pelo que o envio de um postal ou um pequeno mimo entregue no escritório serão sempre bem-vindos e podem revelar-se o ponto positivo de uma relação à distância, abrindo espaço a ideias e iniciativas que numa relação de convivência presencial diária podem não surgir”, conclui a psicóloga.

Mesmo numa situação em que a decisão não é totalmente consensual entre os elementos do casal, é importante que exista uma negociação “para que as necessidades expressas por ambos possam ser respondidas da melhor forma possível”.

São vários os desafios que uma relação pode encontrar com a distância. Como mais significativos, Filipa Jardim da Silva começa por salientar as logísticas inerentes a um casal tentar manter uma relacionamento deste tipo, como os diferentes fusos horários, a qualidade das comunicações ou os próprios horários de trabalho.

Para compensar a separação, a especialista realça que “em função de se estar o máximo de tempo disponível ao telemóvel ou ao computador para contactar com o companheiro/a, outras relações significativas dos elementos do casal também podem ser prejudicadas”.

A psicóloga refere que “a ausência de convivência diária pode contribuir para a perda de intimidade e partilha, bem como podem surgir barreiras a nível de comunicação e satisfação de necessidades conjuntas, sendo que há um confronto constante com a perda e a separação”.

A sexualidade é, como explica a especialista, um dos campos mais afetados pela distância, exigindo uma gestão individual e conjugal para que possa manter-se uma dimensão saudável na vida do casal. “Os ciúmes e a falta de confiança surgem muitas vezes, decorrentes da não participação nas rotinas diárias um do outro, como se em algum momento se vivesse em mundos diferentes com todos os receios que isso pode despoletar”, refere Filipa Jardim da Silva.

Aprender a lidar com a solidão é um dos desafios

Horários diferentes, rotinas diferentes, grupos de apoio diferentes. Quando um casal tenta manter um relacionamento em países distintos, pode existir muita solidão associada. No caso de Marisa Borges, a mãe de dois filhos até acabou por alugar a casa do casal e mudar-se novamente para casa dos pais, para não estar sempre sozinha com as crianças.

Filipa Jardim da Silva refere que a perceção da solidão, e sobretudo a forma como as necessidades pessoais vão sendo expressas e satisfeitas na relação, é determinante para a qualidade e força do relacionamento.

“A sensação de estarmos sozinhos pode dar-se tanto em relações com convivência diária, como em relações à distância. Naturalmente, nestas últimas, reconhece-se que a ausência de partilha no dia a dia, de toque e proximidade física, podem contribuir para que o sentimento de solidão se instale, com todos os riscos inerentes a isso”, explica a psicóloga clínica.

Dicas para manter uma relação saudável à distância

Marisa Borges assume que o facto de o marido estar fora, de uma forma peculiar, até a ajudou a organizar melhor o seu quotidiano.

“Sei que não posso contar com a ajuda dele porque está fora e confesso que isso me livrou de alguma angústia. Antes de o meu marido ir trabalhar para Angola eu nunca sabia a que horas ele chegava do trabalho, se podia ficar em casa com a nossa filha para eu ir trabalhar, se se lembrava de pagar as contas. Agora essas questões não se colocam, ele não está, ponto”, recorda a ex-contabilista, que assume que o marido não faz parte da equação no seu dia a dia.

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Filipa Jardim da Silva salienta que o compromisso e determinação em fazer a relação funcionar é fundamental, sendo que “a forma de pensar do casal deve estar alinhada e focada em estratégias para manter a relação saudável, ao invés de se concentrarem em medos do que pode acontecer”.

De acordo com a especialista, o compromisso e foco para levar a cabo uma relação à distância com sucesso carece de um plano de ação, “pelo que saberem sempre quando se voltarão a ver é um dos princípios mais determinantes, uma vez que ajuda a gerir a distância e a oferece uma noção de temporalidade à separação”.

De igual forma, a psicóloga realça que é positivo que sejam feitos balanços da separação física com regularidade, permitindo reavaliar a situação e dando uma perceção de escolha a ambos os elementos do casal.

“Ao mesmo tempo, a construção de objetivos conjuntos ajuda a dar um significado mais produtivo a esta experiência: para onde estamos a caminhar, quais as nossas próximas metas enquanto casal, e de que forma esta situação de distância contribuirá para alcançar o que desejamos”, salienta Filipa Jardim da Silva, que não descura a importância da comunicação, que se assume como um pilar da saúde conjugal em relações à distância.

De acordo com a especialista, “a capacidade de expressar e escutar as necessidades um do outro, a par da negociação entre agendas e perfis individuais, é muito importante. Adicionalmente, as relações à distância beneficiam com a criatividade, pelo que dar espaço à imaginação e à capacidade de surpreender o outro é extremamente positivo neste tipo de relações”.

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