É um tema recorrente em filmes e séries, e não faltam artigos sobre o assunto. No Google, as palavras de pesquisa "crise de meia idade" originam mais de cinco milhões de resultados, muitos deles com conselhos para perceber se está a atravessar uma. Problema? Parece que já não faz sentido falarmos nisso. Pelo menos é o que garantem estudos recentes, conforme explica à MAGG o psicólogo Nuno Mendes Duarte, da clínica Oficina de Psicologia.

"É um termo que está um bocadinho datado. Até porque surge na década de 60, altura em que se aplicava uma noção muito convencional, quer do casamento quer da própria esperança média de vida, que era diferente."

Foi Elliott Jaques quem criou esta expressão em 1965, com o objetivo de descrever o sentimento de insegurança associado aos indivíduos que chegam à meia-idade que, nessa altura abrangia a fase dos 40-50 anos. Neste período, as pessoas começavam a debater-se com questões associadas à sua própria mortalidade, o significado da sua existência, quão satisfeitos estavam com o que tinham feito e o que é que faltava viver.

"Do ponto de vista conceptual, é um conceito fácil de perceber para qualquer pessoa. Faz sentido: uma pessoa que chega a uma determinada idade e se angustia face às suas escolhas."

Então porque é que este termo já não faz sentido? De acordo com os estudos mais recentes sobre o tema, cada vez mais percebe-se que a crise de meia-idade é algo que depende "não tanto da idade, ou de uma determinada idade." Pelo menos agora: "Neste momento, aquilo que verificamos de facto é muito mais um conjunto de stressores que vão obrigando a fases de maturação sucessivas".

Já não temos uma crise de meia idade, temos crises de maturação de vida adulta

Passaram-se mais de 50 anos desde os anos 60. E o que é que mudou? Basicamente tudo. Vivemos mais anos, divorciamo-nos (muito) mais, somos independentes mais tarde e temos filhos mais tarde também. Somos também muito mais a favor da mudança — do trabalho às relações, não nos queremos renegar. Queremos ser felizes. E vamos em busca dessa felicidade.

Tudo isto originou uma rutura naquilo que era o conceito de crise de meia-idade. Não chegamos aos 50 anos e damos o grito do ipiranga porque nos sentimos presos uma vida inteira, percebemos que estamos a envelhecer e queremos mudar tudo de repente. Vamos tendo várias crises, mais pequenas, as chamadas crises de maturação. Esta é a regra — que, como todas as suas regras, acarreta exceções.

"Há ainda uma franja de pessoas que, pelas suas experiências, formas de estar, e até alguma inflexibilidade dentro de si próprias, num determinado momento de insatisfação têm uma crise."

O que é que pode originar uma crise de maturação? E quando é que podemos contar com elas?

As chamadas crises de maturação na vida adulta podem surgir em determinados momentos das nossas vidas. Há dois grandes fatores que as podem originar: os biológicos (a nossa própria idade, a perceção de que estamos a envelhecer) e os ambientais (qualquer coisa que acontece no nosso meio ambiente e que potencia a crise). É o caso do aparecimento de uma doença, a morte de alguém, um casamento ou um trabalho insatisfatórios ou problemas financeiros.

Há fatores que podem originar uma crise e que são completamente imprevisíveis — é o caso do surgimento de uma doença, por exemplo. Outros podem ser minimamente calculados, como por exemplo o crescimento dos miúdos ou de uma possível saturação do casamento.

"Aos 40 anos começamos a ter alguns indicadores de necessidade de atualização. Nesta idade podemos começar a fazer algumas pontuações, até do ponto de vista de uma coisa que é muito importante: o que é que eu produzi, o que é que eu criei até agora? Entre os 50 e 60 anos, é encontrarmos a integração dessa produção."

Por volta dos 70, 75 anos — antes era aos 60 —, existe também aquilo que é o chamado "olhar para trás".

"Podemos olhar para trás e assumir que a tal crise de meia-idade era uma tentativa externalizada de resolver muitas vezes uma angústia que não era passível de ser tão bem analisada por dentro."