As revistas, embora obrigatórias, nem sempre são feitas, as mulheres são as que mais geram desacatos numa discoteca e a formação de um segurança de bares e discotecas é muito teórica e negligencia outras temáticas importantes como a defesa pessoal — o que muitas vezes obriga quem exerce a profissão a ganhar experiência no terreno. Quem o diz é Luís Miguel, que trabalha como segurança há dez anos, e não tem dúvidas que é um trabalho muito mal pago tendo em conta os riscos que corre diariamente. À MAGG respondeu a 22 perguntas acerca da sua profissão sem medos ou pudor.

Quem está autorizado a entrar numa discoteca?
Todos os indivíduos que estejam nas mínimas condições para frequentar o espaço. Não só têm de estar bem vestidos, estar apresentável, como devem ainda estar no seu estado normal. A nível de objetos não são admitidos quaisquer tipos de armas ou acessórios que possam colocar em risco a segurança do próprio cliente, bem como do restante staff.

O que o faz suspeitar de alguém à porta?
Coisas tão simples como o estado da pessoa no momento em que nos aborda à porta da discoteca. Por vezes basta não gostarmos da cara da pessoa, o que assenta um bocadinho no preconceito já que na maioria dos casos aqueles de quem desconfiamos são quem menos se envolvem em problemas durante a noite.

Fora isso, por vezes os seguranças trocam histórias entre si e os clientes mais problemáticos vão ficando numa lista negra que fazemos mentalmente e que nos faz automaticamente não gostar deles assim que os vemos, já que têm tendência a tornar o nosso trabalho mais complicado.

A revista é obrigatória ou só em caso de dúvida?
Por lei é obrigatória, já que mexe com a segurança de toda a gente naquele pequeno espaço. Mas por vezes fechamos os olhos a certas coisas. A amigos, principalmente, que são quem geralmente provocam mais desacatos. Mesmo as mulheres, que deveriam ser todas revistadas por uma segurança não o são porque geralmente não há mulheres a exercer a profissão — e por isso muitas vezes acabamos só por revistar as malas "a olho".

Quais foram as coisas mais estranhas que alguma vez viu?
Além de todo o tipo de drogas, que não são permitidas mas que por vezes deixamos entrar, já vi de tudo um pouco. O mais surreal que alguma vez encontrei, desde armas, sapatos ou cuecas, foi vibradores de todos os tamanhos e feitios.

O que acontece às armas?
Não são confiscadas mas a pessoa fica automaticamente impedida de entrar. Antes existiam cofres onde os clientes podiam deixar qualquer tipo de objeto mas é uma prática que tem caído em desuso. Regra geral dizemos à pessoa para ir deixar a arma a casa ou ao carro e só depois é que poderá entrar.

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É óbvio que, antes disso, essa pessoa é sujeita a uma revista minuciosa e mais pormenorizada para nos assegurarmos que não tem qualquer tipo de objeto perigoso. A única exceção à regra é a presença de agentes da autoridade que estejam armados, em serviço, devidamente identificados, e a responder a alguma ocorrência dentro daquela discoteca.

Sem dúvida que sim . As agressões de três seguranças a dois jovens na discoteca Urban Beach revela uma cobardia enorme e só demonstra que era um grupo de colegas a tentar mostrar serviço..

Alguma vez temeu pela vida?
Todos os dias. Trabalhar à noite não é fácil e os apoios são poucos, ou nenhuns. Apesar das polémicas em relação aos seguranças da noite, a verdade é que somos vistos como carne para canhão e acabamos por estar envolvidos em situações complicadas e de alto risco.

Por vezes há pessoas que não têm cara para levar uma chapada mas que, no final, se revelam as mais violentas e problemáticas, e é difícil prever como vão agir quando as abordamos. Lembro-me que houve uma altura em que eu e um colega metemos um cliente na rua por estar a causar distúrbios e ele disse que voltava para nos meter dois tiros na cabeça.

A verdade é que voltou e mal o vimos o coração disparou porque sabíamos que, a partir daquele momento, a noite podia acabar mal. Felizmente nada de muito grave aconteceu e tudo se resolveu pacificamente.

Alguma vez cobrou um valor de entrada elevado por não gostar do aspeto da pessoa?
Sim, muitas vezes.

Há discriminação racial nas discotecas de Lisboa?
Sem dúvida que sim. As agressões de três seguranças a dois jovens na discoteca Urban Beach revela uma cobardia enorme e só demonstra que era um grupo de colegas a tentar mostrar serviço. Um segurança é, hoje em dia, um relações públicas e tem de conseguir resolver as situações através do diálogo. Essa imagem de que um segurança tem de ser um brutamontes já não se usa.

Claro que, quando o diálogo não funciona, por vezes tem de ser utilizada a força física para tentar garantir a segurança dos restantes. Mas sempre de um para um. Quando muitos colegas se juntam para bater em uma ou duas pessoas que já se encontram em estados lastimáveis, é só cobardia e aproveitamento do estatuto que têm enquanto seguranças para se afirmarem perante terceiros.

Entre homens e mulheres, quem causa mais problemas?
As mulheres, sem dúvida. Sem exagero, 90% das confusões que existem na noite são causadas por mulheres. Ora porque uma se meteu com o namorado da outra, ou porque uma delas tenta seduzir outro rapaz e a namorada dele não gosta, ou até mesmo por acharem que, por estarem em grupo, podem ter todo o tipo de atitudes com o único objetivo de desestabilizar o espaço — a verdade é que muitos dos desacatos partem da parte delas.

Há alguma música que já esteja farto de ouvir?
Quase todas. Se for uma casa com música drum and bass é para esquecer, saio do trabalho e dois dias depois ainda tenho a música na cabeça. A “Despacito”, por exemplo, chegava a ser passada dez ou 20 vezes numa só noite. Por vezes brincamos entre nós que o DJ já não está a passar música e que ligou apenas a pen ao computador e ativou a reprodução automática.

Podem estar armados?
Ninguém pode estar armado a não ser um agente da autoridade ou quem tenha licença de porte de arma para fins de trabalho. A lei não permite mas infelizmente os apoios são poucos e acabamos por recorrer a outras formas de defesa.

As armas mais utilizadas são as luvas com soqueira, ou luva tática como a PSP a identifica, uma soqueira normal, ou até mesmo o extensível que é totalmente proibido. Em situações mais graves, o taser e armas de fogo também são utilizadas para intimidação.

Disse que os seguranças já não são autênticos brutamontes, então são como?
Já não. Mais importante do que isso é um segurança saber estar, saber falar e ter presença. Tudo isso, claro, passando o mais despercebido possível. É lógico que a imagem conta muito e até pode intimidar clientes mal intencionados.

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Um segurança magro, com um corpo normal e pouco trabalhado, é capaz de ser quem está mais preparado para lidar com todo o tipo de situações. Costumamos dizer que puxar ferro qualquer um puxa, mas nem todos sabem bater e isso faz com que muitas vezes surjam casos semelhantes aos do Urban.

Isso não quer dizer que um segurança mais robusto não esteja preparado da mesma forma que outro mais magro, mas como se fazem valer pelo corpo são, geralmente, mais explosivos e descontrolados.

Como é a formação de um segurança?
A formação que recebemos é muito pobre e nada tem a ver com o trabalho que fazemos diariamente. Consiste mais em ter atenção à validade de extintores e ao correto uso de portas de emergência em caso de incêndios ou outras catástrofes.

Esta é uma tendência que tem vindo a mudar com a existência de cada vez mais centros de formação que apostam na defesa pessoal, mas 90% das entidades formadoras limitam-se à informação teórica que consiste em ver simples slides. A experiência que vamos ganhando é no terreno, ou seja, na boca do lobo. Muitas das vezes os seguranças têm que procurar ajuda noutros lados, como em ginásios ou em aulas de defesa pessoal, onde exista uma formação mais completa e credível.

É recorrente encontrarem Cartões de Cidadão falsos? Verificam?
Apanhamos muitos e nesse momento a pessoa fica automaticamente impedida de entrar. E sim, verificamos sempre porque há cada vez mais pessoas que aparentam ser já adultos quando, na verdade, ainda são miúdos. Isto é mais notável nas mulheres, já que há miúdas de 15 anos que pela forma como se vestem, aparentam ter mais de 19.

Qual é a coisa mais irritante num cliente?
O álcool. Quando confrontado com um cliente totalmente embriagado há duas abordagens possíveis, desde que não esteja a causar distúrbios: ou viramos as costas ou damos conversa. Ao dar conversa, estamos sujeitos a ter que lidar com ele desde o início até ao fim do turno. Um pessoa alcoolizada é uma pessoa chata e não se cansa nunca.

O que lhe faz amolecer o coração?
Aqueles clientes que são muito educados e simpáticos mas que não têm dinheiro para consumir dentro da discoteca. Geralmente só querem beber um copo e descontrair um bocadinho por estarem a passar por uma fase menos boa da vida. O que costumo fazer é ir lá dentro, pagar a bebida e trazer num copo de plástico ao cliente.

Ficamos um bocadinho à conversa e acabo por ganhar um amigo naquele curto espaço de tempo.

Quanto tempo trabalha um segurança?
Há eventos de 24 e 72 horas, mas por norma trabalhamos das 23h às 07h. Nunca entramos às 23h, já que meia-hora antes temos de estar na discoteca para garantir que estão reunidas as condições mínimas de segurança para que a casa abra ao público. Às 07h é quando, geralmente, fecha a discoteca. Entre ajudar a arrumar a casa e esperar que sejam feitos os pagamentos, são mais as vezes em que acabamos por sair às 08h30.

Em média, quanto ganha um segurança?
Quando comecei a trabalhar na área, há dez anos, cheguei a ganhar 110€ por noite. Hoje anda à volta dos 40€ e é muito mal pago para os riscos que corremos todas as noites. Há que gostar mesmo da profissão para continuar a dar o corpo à bala apesar das desvantagens todas associadas.

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Como é andar trocado do resto do mundo, já que os seguranças dormem durante o dia?
É a pior sensação. Não temos vida social, não convivemos com os amigos a não ser aqueles que trabalham connosco durante a noite. Não temos convivência com a família, e é quase como se grande parte da nossa vida ficasse pendente.

Há vantagens de trabalhar à noite?
Não apanhamos trânsito, por exemplo, mas estamos sujeitos a mais operações de stop. Se estivermos fardados e identificados como segurança, somos quase sempre obrigados a parar e ser sujeitos a revista por parte dos agentes. Em causa está a suspeita de que os seguranças estejam na posse de um qualquer objeto ilegal.

Quais as desculpas que usam para não deixar entrar alguém?
Geralmente dizemos que o consumo mínimo da discoteca é superior ao valor estabelecido dentro do espaço. O problema é quando a pessoa se mostra disponível para pagar e aí já não podemos impedir a entrada, até por uma questão de credibilidade. Além disso, também fazemos referências ao vestuário da pessoa ou dizemos que se trata de uma festa privada e que o seu nome não consta na guest list.

Os seguranças podem usar violência?
Por lei é proibido, mas ninguém respeita. Lembro-me de quando estive responsável pela segurança de uma discoteca em Lisboa: o trabalho começou a dia 15 de março e no dia 22 eu já tinha 20 queixas de agressão física no posto da Polícia de Segurança Pública.

Agressões essas que, no fundo, eram simples empurrões ou meros transportes de clientes para fora do estabelecimento pelo braço. Para os clientes e para as forças da autoridade, tudo isto são agressões e muitas vezes somos punidos por isso.