Dayana Belgoderi assume-se como uma autêntica "freak do café". Saiu de Venezuela para Portugal e desde então que não tem parado. Depois de uma licenciatura e várias participações em Campeonatos de Baristas, Dayana, de 25 anos, chegou mesmo a vencer a última edição do Barista Open, (concurso de especialistas na preparação de bebidas à base de café) em 2017, em Aveiro — que acontece anualmente na Fiamma, a primeira fábrica de máquinas de café expresso em Portugal.

A MAGG foi conhecê-la e, entre perguntas sobre o seu percurso e experiência de vida, fez aquela que toda a gente sempre quis fazer. Afinal, quando pedimos um expresso num estabelecimento na rua, é ou não importante que os funcionários calquem o café com força antes de o tirar? 

Porque é que veio para Portugal?
Sou natural de Caracas, na Venezuela, apesar de viver cá há seis anos. Saí de Caracas à procura de uma vida melhor devido à situação política e social do meu país. Nesse aspeto, Portugal abriu-me várias portas e converteu-se no meu segundo lar.

Comecei a minha formação na Escola de Hotelaria e Turismo de Viana do Castelo, onde em 2013 fiz o curso de Gestão Hoteleira de Restauração e Bebidas. Durante a licenciatura aprendi com os melhores e ganhei a paixão pelo serviço. Foi no decorrer da licenciatura que surgiu a oportunidade de participar num campeonato de Baristas na Galiza.

Depois de ser selecionada, já no processo de preparação para a competição, conheci José Manuel Portela, um dos melhores Baristas de Espanha, que me ensinou tudo aquilo que precisava de saber acerca do mundo do café e que me fez ter vontade de trabalhar neste meio. Em 2014 obtive o primeiro lugar na sétima edição do Campeonato Internacional de Baristas Profissionais de IES na região de Lugo, em Espanha e, no ano seguinte, na Escola de Hotelaria e Turismo de Viena.

Abriu-lhe portas para o futuro?
Sem dúvida. Depois de todos estas competições, comecei a trabalhar como barista na Cafés Candelas, uma empresa especializada em produção de café, que me ajudou imenso a crescer profissionalmente. Há três anos que estou na equipa de baristas e o meu dia-a-dia consiste em dar formação aos nossos clientes para que elaborem cafés de qualidade, respeitando sempre o rigor e a exigência da marca.

Desde que comecei a exercer a profissão já tive a oportunidade de viajar para Amsterdão e Nova Iorque, com o objetivo de partilhar todo o conhecimento que fui assimilando com os vários clientes. Isto implicou aprender como era a cultura do café fora de Espanha e Portugal, duas realidades que eu já conhecia há vários anos. Voltei aos campeonatos no ano passado, mas desta vez em Portugal, onde participei na edição de 2017 do campeonato Barista Open, em Aveiro, tendo ficado em primeiro lugar.

Se me perguntar qual o próximo objetivo, terei de dizer que é o campeonato nacional.

Durante a infância sempre se viu a trabalhar com café?
Não, de todo. Trabalhar como café nunca esteve na minha lista de profissões na infância. Claro que sempre adorei beber, e ainda hoje faz parte da minha vida enquanto consumidora, mas nunca acreditei que o meu futuro ia estar ligado a ele. Creio que, como qualquer criança, passei pela fase de querer ser médica, arquiteta e manager. Mas depois lá segui a minha vocação.

Qual foi o momento em que pensou que podia vir a ser uma barista profissional?
Penso que foi durante o segundo campeonato quando conheci o José Manuel Portela. Não só me ensinou tudo aquilo que eu precisava de saber, como ainda me influenciou (e muito) na minha decisão de querer seguir a área a nível profissional. Apesar dos conhecimentos que me transmitiu, foi nos campeonatos que fui ganhando cada vez mais visibilidade, e originando mais e novas oportunidades. Prova disso é esta entrevista que não estaria a acontecer se não fosse a minha participação.

A barista não vive sem café, e não dispensa a sua meia de leite ao pequeno-almoço e ao lanche

Durante o concurso teve de preparar 12 bebidas em apenas 15 minutos. Qual é o truque?
O truque mais importante é praticar. Antes de cada campeonato os baristas dispõem de vários meses de trabalho onde podem treinar e aperfeiçoar a técnica. O que não pode acontecer em situação alguma, é deixar que o nervosismo e a pressão do momento se sobreponham à nossa paixão, mas elas são necessárias porque reforçam a importância daquilo que vamos fazer. No final do dia pode acontecer muita coisa, e a verdade é que temos apenas 15 minutos para defender meses e meses de trabalho.

Estamos mais exigentes relativamente à qualidade do café?
Sim, os portugueses (e também estrangeiros) estão cada vez mais seletivos, graças à quantidade de informação disponível para consulta, o que faz com que tenhamos cada vez mais conhecimentos acerca do tema. Pessoalmente, acho que ainda temos muito por onde evoluir e é nesse âmbito que enquanto profissionais da área, tentamos sempre traçar este crescimento.

Existem formas de ver, trabalhar e degustar o café que ainda não estão a ser aplicadas.

Como por exemplo? O que distingue uma boa bebida de uma má bebida?
A ideia é produzir uma bebida redonda e balanceada. uma em que o café seja sempre, e sem exceção, o protagonista. Hoje em dia está enraizada um tipo de mentalidade que dita que o café só pode ser ser misturado com sabores doces o que, na verdade, não é bem assim. Não há que ter medo de experimentar.

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Ao pedir um café num estabelecimento, calcar o café que está no manípulo faz a diferença antes de o tirar?
Faz toda a diferença. Nós, baristas, fazemos imensa pressão quando prensamos e compactamos o café até que fique em formato pastilha. Muita gente não faz isto e fazem mal, é que a ideia passa por permitir que a água entre de forma homogénea, fazendo com que a extração do café seja perfeita.

Por trabalhar na área, sente que é mais exigente do que o cliente normal?
Sou muito exigente e reparo em tudo. Desde o estado geral da máquina, se está limpa ou não, à forma de trabalhar o café e o leite. Consigo detetar de forma muito rápida quando o café está queimado ou se a extração foi muito longa, fruto do paladar de barista que foi educado e trabalhado para isso.

Apesar disso, compreendo que nem todas as pessoas sejam freaks do café como eu, e que provavelmente nunca tiveram um curso de barista.

Ingredientes:
1 expresso
1 água tónica
Q.b Gelo

Decoração:
Casca de lima

Serviço:
Copa balão

Modo de preparação:
Colocamos o gelo na copa balão até encher a mesma. Servimos água tónica com ajuda da colher de bar para não perder a borbulha de gás. De seguida colocamos o expresso por cima da água tónica, com a ajuda da colher de bar. Por fim passamos a casca de lima no borde da copa balão e decoramos com a mesma.

Há alguma receita especial que goste de recomendar a amigos e que estejam ao alcance de qualquer um?
Sim, tenho várias. Para o verão recomendo um Coffee and Tonic que toda a gente acha que não é uma combinação boa. Eu acho-a perfeita. É simples de preparar e são precisos apenas dois elementos que geralmente todos têm em casa. É como beber um refrigerante saudável.

As receitas mais complexas que geralmente são apresentadas em campeonatos podem ser feitas em casa?
Não, é impossível. Essas combinações mais complexas requerem sempre equipamentos específicos com os quais temos de saber trabalhar meses antes das competições.

É consumidora regular de café?
Sim, o meu dia não começa sem café. O meu pequeno-almoço e lanche são sempre compostos por uma meia de leite. Durante o resto do dia prefiro um simples expresso. Se estiver em casa de colegas baristas, gosto de um bom café de filtro e a minha máquina preferida para o fazer é a Chemex.

Procuro sempre beber café 100% arábico que, a nível organolético — que dá conta dos produtos que impressionam os sentidos —, é vastamente superior aos restantes.

É fiel a uma só marca de café?
Sim, quer em casa ou na rua procuro beber cafés da Candelas, muito devido à variedade de oferta que a marca tem. Há cafés aromáticos, suaves, frescos e com um controlo de qualidade muito elevada. Atualmente sou fanática pelo blend ecológico, que se traduz por ser um café 100% arábico e que ganhou o prémio de melhor café comercial de Espanha em 2018.

O café de cápsula é igual a um café de máquina?
Não. Embora as cápsulas tenham correspondido a uma solução para o nosso stresse diário, nunca irão superar o café em grão. Desde o sabor, ao aroma e à espessura do café, perdemos muito com a chegada (e boom) das cáspsulas de café que hoje existem no mercado.

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É verdade que existem menos mulheres do que homens na área?
Ainda é um meio dominado por homens mas a situação tem vindo a mudar ao longo dos anos e já são várias as mulheres baristas que começam a dar os primeiros passos neste mundo. Quando, em 2017, competi no Barista Open, era a única mulher mas na edição de 2018 tenho a certeza que serão muitas mais as concorrentes.

Apesar de não haver nenhum entrave a qualquer mulher que queira começar a sua profissionalização na área é sabido que, como em qualquer profissão dominada por homens, temos sempre de demonstrar e ser capaz de fazer mais e melhor. O importante é existir apoio mútuo entre nós para conseguirmos crescer.

Alguma vez se sentiu menosprezada só por ser mulher?
Sim, claro. Não só porque era mulher mas também porque era mais jovem que os restantes. A forma que arranjei para responder a este tipo de situações foi fazer o meu trabalho e demonstrar o meu talento e aptidão. Sinto que a melhor forma é sempre responder com ações positivas, o que leva as pessoas a perceber que está na altura de alargar os horizontes e mudar as mentalidades.