Num mercado de trabalho muito separatista, sempre houve profissões para homens e para mulheres. Mas o cenário está a alterar-se. Jéssica Colaço é o exemplo feliz dessa mudança, protagonizando um caso de persistência num mundo dominado por homens. Com um entusiasmo permanente, a estudante de mecânica de 23 anos, de Lisboa, conta-nos como é viver no universo dos automóveis, entre motores e pneus, óleo e chapa.

Como era a sua relação com os carros quando era pequena?

Por incrível que pareça, não tinha nenhuma. Sempre brinquei com bonecas.

Como é que surgiu então o seu interesse pelos automóveis?

Basicamente, comecei a interessar-me por carros em 2016. Já tinha a minha carta e o meu carro, que via como um meio de transporte normal. O “click” aconteceu quando comecei a acompanhar os meus amigos a eventos ligados ao tunning, à modificação dos carros em geral. Pensei “isto é realmente giro”. Comecei a pesquisar na internet, entrei em grupos de Facebook, onde as pessoas debatem vários assuntos, como o motor, a estética, e mais propriamente o tunning.

Quando ainda não estudava estes assuntos, e abria o capô do carro, sabia o que estava a ver?

Não conhecia nada, apenas apontava e deduzia as coisas.

E como é que esse interesse se transformou numa profissão?

Eu não sei, estava sempre em grupos de Facebook, e o meu interesse foi crescendo cada vez mais. Cheguei a um ponto em que pensei “Não quero levar a minha vida com um trabalho instável, e a receber o salário mínimo” [trabalhava num call center]. Não era aquilo que eu queria. Já tinha trabalhado noutros lugares, mas a idade foi passando e eu queria ter uma profissão, ser alguém no futuro, e também queria voltar a estudar. Gosto de animais, pensei na área de veterinária, mas não tenho esse sangue frio para tratar dos animais.

Quando a minha prima me falou numa escola que tinha o curso de Engenharia Mecatrónica, decidir fazer as provas. Fiz a entrevista. O senhor que me atendeu na escola disse-me: “O curso não é fácil, só temos homens. Vai requerer muito estudo, empenho e trabalho”. Talvez tenha frisado isso porque eu lhe tinha dito que não me dava bem com números e que tinha vindo da área de Humanidades. Fiz exames de matemática e psicotécnicos.

Pensei que tinha reprovado mas ligaram-me. Saí do meu trabalho e fui avisar os meus pais.

E como foi essa conversa com os seus pais?

Não era o sonho da minha mãe ter uma filha mecânica. Ela gostaria que eu trabalhasse com línguas, turismo, porque eu tenho muita facilidade em falar inglês. Quando eu disse o nome do curso, ela perguntou-me se era isso que eu queria mesmo. Começou a dizer: “Agora vais chegar a casa cheia de óleo nas mãos”. O meu pai aceitou e gostou da ideia, os meus avós também. Já os meus amigos ficaram surpresos, mas também felizes por mim.

É a única mulher da sua turma?

Sim, somos 17, e eu sou a única rapariga do curso.

Como foi o seu primeiro dia na escola?

Cheguei à escola em Cascais, e já sabia que não encontraria nenhuma rapariga no curso. A reação dos meus colegas foi algo como: “O que é que ela está a fazer aqui?” “Deve estar perdida, ou à procura de algum miúdo”.

Quando me sentei na sala de aulas perceberam que eu era uma aluna como eles e integraram-me na turma. Foi um processo bastante tranquilo, mas fiquei muito na defensiva no início.

Dentro deste universo, que é predominantemente masculino, sente algum tipo de preconceito ainda?

No início, sim. Os professores perguntavam porque é que eu estava naquele curso, e diziam que o público feminino deveria era estar na recepção, a fazer café, etc. Foi bem difícil, mas tive que me impor e dizer: “Eu estou aqui como os outros, sou aluna, apesar de ser mulher, e também estou aqui para aprender. Tenho os mesmos direitos, os mesmos deveres, e as mesmas oportunidades que todos."

Assusta-a pensar na sua entrada no mercado de trabalho, numa oficina, por exemplo?

Confesso que sim. Há pouco tempo fizemos uma visita de estudo a uma oficina que tem as maiores marcas de carro do mundo. Havia muitos homens e nenhuma mulher. Ficaram um pouco apreensivos quando eu entrei, porque também não é normal aparecer lá alguma mulher. Penso que não será tão fácil para mim entrar numa oficina desse género, principalmente pela linguagem usada entre eles, o ambiente… É difícil.

Sentiu diferença nos olhares?

Sim, senti. O instrutor da visita até chegou a comentar que não havia casa-de-banho para mim, porque não possuem técnicas nesta profissão. Mas se começarem a entrar mais mulheres, vão ter que implementar isso.

Acha que o sexo feminino não entende nada de carros e não sabe conduzir bem?

Cada vez mais penso que elas estão a surgir neste mundo, aos poucos. Tenho visto muitas em grupos de Facebook a fazerem muitas perguntas sobre como é que o carro funciona. Claro que ainda há muitos homens com a cabeça retrógrada. Quando as mulheres fazem um post, eles são os primeiros a criticarem, mas obviamente também há os que ajudam e as defendem.

Nos eventos, por exemplo, as minhas amigas nunca me acompanham, vou sempre com os meus amigos homens. No geral, elas sentem-se mais intimidadas, e pouco à vontade, num salão de automóveis, por exemplo.

A nossa relação com os carros deve ser uma coisa normal hoje em dia.

Eu pelo menos tenho a ambição de ter o carro dos meus sonhos. Gostaria de ter também o meu próprio negócio, para mim é importante. Ser chefe da oficina, e maior que os homens, literalmente. Vou ser a patroa.

Que tipo de condutora é? Acessível, defensiva, lenta, rápida?

Depende. Eu tenho um carro familiar, o Kia Carens. Quando estou com a minha mãe, ando devagar, que diz que sou stressada na condução. Quando conduzo na autoestrada, acelero.

As mulheres conduzem pior do que os homens ou isso é um preconceito?

É um preconceito sim, mas há um estudo comprovado que diz que são os homens que têm as maiores taxas de acidentes, não são as mulheres. Aquele ditado “Mulher ao volante, perigo constante” não é assim tão linear. Vejo muitas a cometeram erros, mas também vejo muitos homens. É 50/50. Às vezes questiono-me onde é que as pessoas tiram a carta. O ponto principal é ter consciência.

Qual é o seu maior medo neste percurso?

Não conseguir acabar o curso. Eu sei que é difícil, vim da área de Línguas e Humanidades. Há três ou quatro anos que não estudava, e o meu curso agora tem muita mecânica aplicada, física, muitos números e, por isso, tem sido mais difícil.

Eu paro e penso “Ok, eu vou ter que enfrentar isto e vou conseguir”. Penso no estágio, mas não sei como vai ser. Preciso de boas notas para as empresas me aceitarem. Espero conseguir!

Qual a sua maior ambição, objetivo final?

Tenho vários. O primeiro é acabar o curso, a minha maior meta. Depois conseguir trabalhar na empresa que eu quero, para crescer e abrir o meu negócio. Se tiver a oportunidade, penso até em abrir o meu negócio antes, mas preciso primeiro de ganhar experiência. Penso também em seguir para a faculdade de engenharia mecânica.

O que julga importante para uma mulher quando vai comprar um carro?

O banco, porque as mulheres normalmente são mais baixas, e precisam de mais visibilidade, mas mesmo assim costumo usá-lo muito baixo. A maioria delas tem essa preocupação de sentir tudo o que está à sua volta.

A estética é importante, o design também. Elas precisam de um carro grande quando têm filhos, de preferência económico, confortável para viagens, seguro e com espaço grande para carregar as malas, o cão e com muitos compartimentos.

O meu KIA é um crossover, e permite-me viajar para outros sítios sem qualquer problema! Desde o tamanho à altura e ao conforto, este modelo consegue superar em todas as divergências, principalmente, no que toca à mobilidade nas estradas.

O modelo de conexão com Wi-Fi também é imprescindível! Há coisas para mim que eu acho que são indispensáveis, como estacionar com a ajuda dos sensores.