"Ela só pode ser bipolar". "Claramente namoraste com um narcisista". "Acho que sofro de dismorfia corporal". Há termos médicos que se enraizaram de tal forma no nosso vocabulário que às vezes já nem sabemos bem o que é que eles significam. Nem todas as pessoas que mudam de ideias repentinamente são bipolares, da mesma forma que nem todos os ex-namorados são narcisistas — por mais que nos tenham partido o coração.

Mas é sobre dismorfia corporal que estamos a falar. Durante muitos anos achei que sofria deste problema, associado aos problemas de obesidade que tive até aos 19 anos. Nessa altura decidi que estava na altura de transformar a minha vida e, juntando uma alimentação saudável à prática de exercício físico, perdi 50 quilos em dois anos.

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"Ah, agora já posso relaxar fundo, o pior já passou", pensava eu. Estava enganada: bem mais difícil do que perder peso foi aceitar a ideia de que já não era obesa. Anos mais tarde, ainda me olhava no espelho e sentia que não tinha perdido um grama que fosse. Claro que só podia sofrer de dismorfia corporal. É isso que quer dizer este termo, certo? Quando olhamos para o espelho e achamos que estamos gordos.

"As falhas percebidas pela pessoa não são observáveis ou parecem ligeiras aos olhos de outras pessoas. As preocupações podem estar focadas numa ou em várias partes corporais. Não se associa especificamente a questões de peso", explica à MAGG Inês Afonso Marques, psicóloga clínica na Oficina da Psicologia.

Bem, independentemente disso é claramente este o meu problema, certo? Errado. Há que lidar com muito mais do que um reflexo indesejado quando se olha ao espelho. Na verdade, a auto-imagem torna-se numa verdadeira obsessão.

O que é dismorfia corporal?

"A perturbação dismórfica corporal caracteriza-se pela preocupação com um ou mais defeitos ou falhas percebidos na aparência física, que estas pessoas acreditam ser feia, pouco atraente, anormal ou defeituosa." As outras pessoas não conseguem ver estas "falhas", ou se veem alguma imperfeição desvalorizam-na por achar que é irrelevante.

"As preocupações são acompanhadas de crenças como 'Sou pouco atraente', 'Ninguém se interessará por mim', 'Tenho um aspeto desprezível', 'Sou defeituoso', 'Pareço um monstro'."

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A dismorfia corporal aparece em média entre os 16 e os 17 anos, no entanto pode surgir mais cedo, como aos 12 anos, ou mais tarde, nomeadamente no início da vida adulta. Inês Afonso Marques já acompanhou pacientes com esta perturbação: "São pessoas que vivem em quase permanente angústia, no contacto com as suas preocupações corporais, com elevada auto-crítica, com níveis de ansiedade elevados, com tendência para se isolarem."

Existem fatores de risco, como por exemplo negligência na infância. Quanto ao género, não parecem existir diferenças nas principais características da perturbação.

Como saber se sofre de dismorfia corporal

— Preocupação com um ou mais defeitos ou falhas percebidos na aparência física — que acreditam ser feia, pouco atraente, anormal ou defeituosa.
— As preocupações são intrusivas, indesejadas e habitualmente difíceis de resistir ou controlar.
— Passa várias horas por dia obcecado com a imperfeição.
— Surgem comportamentos repetitivos, como comparar com os outros, verificar repetidamente no espelho, auto-cuidado excessivo (pentear, rapar), camuflagem (maquilhagem para esconder parte do corpo, usar chapéu), exercício físico excessivo.
— Comprometimento no funcionamento social (relacionamentos, intimidade, isolamento…), ocupacional (menor envolvimento em atividades de lazer, menor concentração), escolar ou profissional.

Como lidar com este problema

"Algumas pessoas têm consciência em relação às crenças irracionais que possuem mas, na sua grande maioria não reconhecem qualquer irracionalidade nos pensamentos que têm sobre o corpo." Lidar com este problema não é fácil, uma vez que está associada a elevados níveis de ansiedade e evitamento social, humor deprimido, perfeccionismo e baixa auto-estima.

"O enviesamento é por vezes tão grande que resumem o significado da sua vida à possibilidade de terem, ou não, o corpo como idealizam. Algumas pessoas referem sentirem-se injustiçadas pela vida."

Na opinião de Inês Afonso Marques, é bastante difícil resolver uma “verdadeira” perturbação dismórfica corporal sem apoio profissional. Portanto, este é o primeiro passo: procurar ajuda.

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"O paciente passará por várias fases no seu processo psicoterapêutico: na maior parte dos casos, faz sentido haver uma etapa de psicoeducação sobre a perturbação; posteriormente, haverá uma consciencialização relativamente às crenças irracionais que o paciente tem".

O tratamento continua com uma fase de exposição aos estímulos que provocam ansiedade, que nestes casos são maioritariamente os pensamentos intrusivos, sem que o paciente possa agir de seguida com um comportamento que lhe alivie o desconforto — por exemplo, usar o cabelo para tapar uma suposta imperfeição do rosto.

"Aqui o paciente treina e implementa várias estratégias de regulação emocional que o ajudarão a regular o desconforto emocional inerente à perturbação. São usadas maioritariamente estratégias comportamentais, cognitivas e mindfulness."