Portugal tem vindo a marcar terreno no campo do planeamento familiar. Contrariamente ao que chegou a ser veiculado, não houve uma diminuição do uso de contracetivos nos recentes anos de austeridade, garantiu à MAGG Teresa Bombas, presidente da Sociedade Portuguesa de Contraceção. Pelo contrário, a curva tem sido crescente, estando ao nível das dos outros países europeus.

No entanto, há assimetrias regionais, com o Alentejo e o interior do País a revelarem-se mais “deficitários” neste campo, ressalva a ginecologista e obstetra do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra.

Não é “que haja maior resistência por parte das mulheres, nada disso, também elas querem planear o número de filhos, porque os querem educados e a estudar na universidade, não querem uns filhos a tomar conta dos outros”. O que há “é um menor acesso aos programas de planeamento familiar” nessas regiões, justifica a especialista.

Já o aumento das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) pode explicar-se por outras razões. “Tem mais a ver com o comportamento da população, com o uso ou não do preservativo e isso prende-se com o facto de a educação sexual nas escolas ter deixado de ser uma meta prioritária”, lamenta Teresa Bombas.

E nem vale a pena falar do preservativo feminino. “Pouca gente o usa, é caro, não está acessível, é difícil de colocar”.

Não há dúvidas de que os métodos contracecionais mais eficazes são os hormonais e os intra-uterinos mas o preservativo deve-lhes ser associado — “aquilo a que nós chamamos o double touch” — para proteger das DST.

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Portugal vive, porém, um outro problema que é o da população imigrante, “mais desprotegida”. Isto apesar de “a nossa lei ser muito protetora, pois permite o acesso a todas as pessoas que vivem no País, quer sejam legais ou ilegais, desde que sejam europeus ou de países com quem Portugal tem relações diplomáticas”.

Ou seja, têm o mesmo acesso que os portugueses ao planeamento familiar mas acabam por não usufruir dele por não falarem a língua e por viverem em comunidades muito isoladas. Não é o caso dos imigrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas sim dos vindos da Ásia: “China, Bangladesh, Taiwan, Paquistão”.

Mas os imigrantes vindos das ex-colónias portuguesas em África também significam dificuldades acrescidas no planeamento familiar: “Os países africanos da CPLP são os que têm menor prevalência do uso de contracetivos, a prevalência é de menos de 20%”, dissera minutos antes, Francisco Songane, fundador e director da Parceria para a Saúde Materna, Neonatal e da Criança e ex-ministro da saúde de Moçambique, durante uma das mais de 20 sessões de trabalho do encontro regional da Cimeira Mundial de Saúde (WHS, World Health Summit) que está a decorrer em Coimbra.

Isto explica-se “pela falta de acessibilidade aos contracetivos já que a prioridade foi dada à mortalidade materna tendo sido feito pouco investimento na saúde reprodutiva”, esclareceu Teresa Bombas à MAGG. Por isso, “recebemos imigrantes em Portugal sem prática de uso de anticoncecionais”.

As africanas não são diferentes das outras mulheres

Porém, em África, “as mulheres estão motivadas para o uso de contracetivos, sejam eles a pílula, o diu, o implante ou a injeção”, sublinha a obstetra. Existem “projetos isolados de mulheres que entraram em programas de contraceção pós-parto imediato — há muitas ONG (Organizações Não Governamentais) a trabalhar no planeamento familiar — e onde se verificou que elas queriam usar métodos anticoncecionais. As africanas não são diferentes das outras mulheres, também elas querem gravidezes planeadas, querem segurança e querem ter escolhas”.

No workshop “Reduzir a mortalidade materno-infantil”, com o enfoque nos países da CPLP, a obstetra estabeleceu ainda uma relação direta entre a menor taxa de mortalidade maternal e a despenalização do aborto. “Nos países onde este é ilegal, registam-se mais mortes”.

Em Portugal, por exemplo, há uma redução do número de interrupções de gravidez. O “aborto caiu e isso deve-se ao uso da contraceção, à informação e à organização do Sistema Nacional de Saúde no acesso ao aborto”.  Não se verificou o receio muitas vezes avançado antes de 2007 (ano da legalização da interrupção voluntária da gravidez), de que com a despenalização, aumentassem os abortos repetidos.

“Há aqui um aspeto interessante que nos diferencia dos outros países: o nosso programa de aborto não é isolado, implica o acesso à contraceção. Tem um aconselhamento anticoncecional verdadeiramente singular a que as mulheres aderem bem. Nesta fase, depois da interrupção da gravidez, a prevalência para métodos não dependentes da utilizadora aumenta”. É que em Portugal a “gravidez não planeada não está relacionada com o não uso da contraceção mas está sobretudo ligada ao uso não adequado: é o preservativo que só se utiliza de vez em quando, é a pílula que a mulher se esqueceu de tomar e como já fez isso dez vezes na vida e nada aconteceu, facilita, etc”.

5,6 milhões de crianças morrem antes dos 5 anos

Nesta sessão do encontro regional da WHS, os números foram-nos favoráveis. Portugal está no top dos países com menos mortalidade materna, 7 mulheres em cada 100.000. O mesmo não se pode dizer dos países africanos da CPLP, com Angola a registar os piores indicadores. O grande exemplo é mesmo Cabo-Verde que tem feito progressos assinaláveis na redução da mortalidade materna (42 por cada 100.000).

De resto, os números globais da mortalidade materno-infantil, apresentados por Elizabeth Mason, do Independent Accountability Panel for Every Woman Every Child são terríveis: 5,6 milhões de crianças morrem antes dos 5 anos sendo que 2,6 milhões são recém-nascidos, 1 milhão são prematuros e 1,6 milhões morrem entre o 1 e os 12 meses. Isto sem falar dos 2,6 milhões de nados-mortos.

África é continente com mais mortalidade infantil

Do lado das mães temos 303 mil mulheres a morrer durante a gravidez ou o parto. A mortalidade materna caiu 45% entre 1990 e 2015 (já o planeamento familiar desceu entre 17 a 12%), mas continua a ser muito devastadora em África, o continente escolhido para este encontro regional da Cimeira Mundial de Saúde que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, encerra esta sexta-feira, dia 20.

A mortalidade materno-infantil é apenas um dos temas que estão a ser abordados no Convento de São Francisco, onde se reúnem cerca de mil participantes e 120 oradores de mais de 40 países. Os cuidados de saúde após conflitos armados, as doenças infecciosas, as alterações climáticas, a medicina digital, a reversão da malária, os migrantes e a saúde ou o acesso a vacinas são outros assuntos em discussão.

A saúde não é só medicina

A ideia desta Cimeira, um dos marcos do M8 Alliance — um grande think tank da ciência considerado o G-8 da saúde que integra 25 universidades e academias de todo o mundo — é a de unir cientistas, políticos, empresários e sociedade civil em torno da luta pela saúde global.

Portugal faz parte do M8 Alliance desde 2015 através do consórcio Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra e Universidade de Coimbra, que organizou este encontro onde Detlev Ganten, presidente do WHS, insistiu numa tecla: “A saúde não é só medicina”. Em declarações à MAGG, o especialista alemão em doenças cardiovasculares explicou que é necessário conjugar “educação, a principal aposta, mas também economia, ciências sociais e alterações climáticas”, por exemplo.

O foco tem de estar “na prevenção” e não na “doença”. Há várias formas de prevenção mas “a melhor e a mais barata é a educação”. Sendo que esta precisa de tempo, “é um objetivo de longo prazo”, no imediato há que olhar “para o básico”. Isto é, ajudar os “países mais pobres a ter água potável, comida disponível e boas práticas na agricultura”. Para isso precisam “de ajuda e de dinheiro”.

Temos feito “progressos incríveis na ciência mas dos 7 mil milhões de pessoas na Terra só um ou dois mil milhões, os que vivem nos países ricos, beneficiam dos resultados da investigação, de bons hospitais e de bons cuidados de saúde”. Há que alterar esta situação e é para isso que o M8 Alliance existe, frisa Detlev Ganten: “Somos um grande grupo de ciência que quer influenciar os políticos a fazerem da saúde a sua prioridade mas também quer mobilizar os industriais, as empresas". É que este é “um problema de todos”.

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