"A minha mãe e o meu pai casaram-se em março de 1916, quando ele tinha 24 e ela 27 anos. Viveram uns tempos na aldeia de Great Haywood, em Staffordshire, mas, no início de junho desse ano, ele embarcou com destino a França, para combater na Batalha do Somme. Tendo adoecido, foi enviado para Inglaterra no início de novembro de 1916 e, na primavera de 1917, foi colocado em Yorkshire."

É assim que Christopher Tolkien, o terceiro filho de J.R.R. Tolkien, anota "Beren e Lúthien" — o mais recente livro do autor britânico que chega agora às livrarias com tradução para português, mais de 100 anos depois.

"Beren e Lúthien" é considerada uma das histórias mais importantes do autor, já que foi aqui que Tolkien começou por desenhar aquilo que, anos mais tarde, viria a ser conhecida como a Terra Média e todo o universo fantástico de "O Senhor dos Anéis".

Os primeiros traços do livro começariam a formar-se em 1916, numa altura em que Tolkien estava na linha da frente da Primeira Guerra Mundial enquanto soldado do exercito britânico. Contudo, a narrativa só viria a ficar totalmente concluída em 1917 com o autor de regresso a casa, vítima de uma doença conhecida como a febre das trincheiras.

Este novo romance é, portanto, uma narrativa com uma forte influência na experiência em primeira mão dos horrores da guerra, do sofrimento humano e do conflito entre várias nações, e terá afetado o escritor em vários graus (vários dos amigos de Tolkien perderam a vida na Batalha do Somme — a mesma da qual foi dispensado por motivos de doença).

As personagens principais são o humano Beren, e Lúthien Tinúviel — uma mulher elfo imortal. O livro conta a história de amor entre ambos, e passa-se milhares de anos antes de "O Senhor dos Anéis", quando Beren se apaixona por Lúthien depois de a ver dançar pela primeira vez. Thingol, pai de Lúthien e rei da região, desaprova o amor entre os dois e desafia Beren para um desafio impossível de realizar que colocará à prova a capacidade de sobrevivência do herói.

Há a geração “Star Wars”. Mas também já há a geração "Harry Potter"
Há a geração “Star Wars”. Mas também já há a geração "Harry Potter"
Ver artigo

No fundo, a história tem tudo aquilo a que Tolkien nos habituou desde sempre. Expõe um dilema, um tentativa de solução, e uma conclusão com muita aventura, fantasia e misticismo pelo meio. Mas a relação entre Beren e Lúthien é, na verdade, inspirada no amor entre Tolkien e a mulher, Edith.

São vários os testemunhos que relatam que num simples passeio entre o autor e a mulher, já depois da guerra, esta terá dançado para ele e terá sido esse o momento chave que serviu como influência para o encontro romântico entre as duas personagens fictícias da história. Contudo, isto só viria a ser confirmado anos mais tarde, em 1972, pelo próprio autor numa carta dirigida ao filho.

A incrível sensação do momento foi tal que Tolkien eternizou-o em "O Conto de Tinúviel", presente no livro, quando Beren avista pela primeira vez a amada: "Era Tinúviel quem ele agora via, a dançar à luz do crepúsculo, com o seu vestido cinzento de reflexos nacarados, e os pés brancos e nus moviam-se cintilantes, por entre as hastes de cicuta."

"Tinúviel sabia da sua presença e fingia o contrário, e há muito que não o temia, porque à luz do luar lhe via a ansiedade espelhada no rosto; e percebeu que ele era bom e que se tinha enamorado da sua bela dança."

Esta parece ser a história mais pessoal de Tolkien. Na sepultura do escritor, os nomes Beren e Lúthien voltam a surgir para representar o autor e a mulher — assente na ideia de que aquele amor transcendia universos e realidades, como se a união de ambos se pudesse perpetuar no tempo.

"Beren e Lúthien" chega esta terça-feira, 16 de abril, às livrarias portuguesas através da Editorial Planeta, mas se acha que é o último trabalho do autor a ser publicado, pense novamente.

"The Fall of Gondolin" será o próximo livro de J.R.R Tolkien a ser lançado em agosto de 2018, e contará também com a edição do filho, Christopher Tolkien.